A eutanásia pode ser genericamente definida como a situação em que o “indivíduo, geralmente o médico, vem a interferir no momento da morte, em nome do bem-estar do paciente, a fim de libertá-lo de um estado de dor e sofrimento.” A questão que formulo é a seguinte: tem o médico (ou quem quer que seja) o direito de interferir na vida de alguém?
A mim, honestamente, parece-me que não, quer seja do ponto de vista ético, ou legal.
Portugal foi o primeiro país a abolir a pena de morte, é algo que nos deve orgulhar a todos enquanto portugueses, isto no século XIX constituiu uma marca de água para a viragem do processo penal português, o caminho trilhado foi o do Estado de Direito, o do Princípio da dignidade da pessoa humana que tem como objectivo primordial preservar a vida.
Enuncia o Artigo 24º da Constituição da República Portuguesa que a vida humana é inviolável e em caso algum haverá pena de morte, tal preceito de natureza constitucional de uma forma clara e objectiva veda a possibilidade de alguém matar outrem, quem o fizer incorre em responsabilidade penal.
De acordo com o Princípio da dignidade da pessoa humana, o bem jurídico vida tem que ser protegido, o mesmo será dizer que ninguém tem o direito a matar ninguém.
A vida é um direito indisponível, que não pode ser objecto de negócios jurídicos.
Diz o artigo 294º do Código Civil que os negócios jurídicos que contrariem normal legal imperativa são nulos.
Quem matar outra pessoa ainda que a pedido desta é punido, ex vi artigo 134º do Código Penal.
Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido. (vide artigo 135º do Código Penal) Vejamos que até a tentativa de suicídio é punida no nosso ordenamento jurídico.
Aceitar a Eutanásia, é abrir um precedente para matar e a lei não pode dar cobertura a comportamentos que de per si já são contra legem, uma vez que não estão em consonância com as normas, princípios e valores do nosso ordenamento jurídico.
Confesso, que inclusive, já tive uma posição mais híbrida, em que admitia estando reunidas certas e determinadas condições, em casos de sofrimento profundo poderia haver muito excepecionalmente recurso à eutanásia, mas não me parece correcto, de acordo com o nosso quadro legislativo, os nossos princípios e valores axiológicos de um Estado de Direito, tal não se compagina e seria um retrocesso civilizacional.
Os Deputados da Nação votaram, em consciência e a meu ver muito bem, e congratulo-os por isso.
Devemos abrir o diálogo à população, para debater este assunto pois só assim faz sentido num sistema democrático.
Em suma, como humanista convicto, fruto daquilo que sou, do que li, das vivências que tive e do modo como interpreto as normas jurídicas vigentes sobre a matéria, sou e serei sempre a favor da vida, seu acérrimo defensor pois só assim cumpro o príncipio da dignidade da pessoa humana que é um esteio basilar de um Estado de Direito, tal como dizia André Malraux: “Aprendi que uma vida não vale nada, mas também que nada vale uma vida”.
O autor não escreve ao abrigo do novo “acordo” ortográfico.
António Manuel Afonso Mota
Advogado Estagiário