Do ponto de vista político, dois acontecimentos vão seguramente marcar o ano de 2019 em Portugal: as Eleições para o Parlamento Europeu, que ocorrerão em 26 de Maio e as Eleições Legislativas, que terão lugar em 6 de Outubro. Pelo meio, as eleições Regionais da Madeira, em Setembro.
É evidente que tratam-se de actos eleitorais completamente distintos, desde logo porque nas eleições Europeias o que estará em causa é o presente e futuro da União Europeia, enquanto projecto ainda em construção, mais ou menos integrador, enquanto nas Legislativas, todo o guião estará assente na política “doméstica”, no índice de satisfação dos portugueses com a actual governação e na sua abertura para acolher um projecto alternativo.
Todavia, diz-nos a experiência, que o resultado final das Eleições para o Parlamento Europeu, pelo menos em Portugal, estará muito mais condicionado pelo “estado de alma” dos portugueses relativamente às questões da política nacional, do que pelos grandes temas da política europeia. De tal forma que a maior parte dos comentadores e responsáveis políticos acham mesmo que as eleições Europeias de Maio, serão uma espécie de “primárias” das eleições Legislativas de Outubro.
E se é verdade que em muitos países europeus, a nível partidário, o foco da observação vai estar na capacidade de liderança dos partidos tradicionais, face ao crescimento dos partidos mais radicais, designadamente de extrema-direita, em Portugal, por ausência deste fenómeno, a atenção vai estar simplesmente direccionada para o valor eleitoral que o novo partido do ex social-democrata Santana Lopes (“Aliança”) poderá alcançar, e designadamente se o PSD, sob a liderança de Rui Rio, vai conseguir contrariar o favoritismo do PS de António Costa.
Daí que se em muitos dos Estados- membros, as políticas de imigração, da segurança, da solidariedade e da coesão, da repartição dos custos e benefícios, que vai promovendo a União Europeia dentro do seu espaço, vão ser determinantes na decisão de voto de muitos cidadãos eleitores no próximo mês de Maio, em Portugal, estou certo, que a maior ou menor satisfação com a governação da denominada “Geringonça” vai acabar por ser o factor de maior peso nas escolhas dos eleitores portugueses. Sendo de admitir mesmo, que mais uma vez, a própria campanha eleitoral irá ser dominada pelos temas nacionais, em detrimento dos mais relacionados com o projecto comum europeu.
O que tudo nos leva a crer que os resultados que se vierem a apurar nas eleições de Maio para o Parlamento Europeu serão um indicador muito sério, pelo menos em termos de tendência, do que poderemos contar em Outubro nas eleições Legislativas.
E mesmo que assim não seja, é pelo menos de admitir que os portugueses aproveitem as eleições Europeias para um primeiro “cartão amarelo” ao actual Governo.
Na verdade, há seis meses atrás, a vitória do Partido Socialista nos próximos actos eleitorais era um dado praticamente adquirido por todos os analistas. Apenas subsistia a dúvida sobre a dimensão dessa vitória, designadamente se António Costa alcançaria ou não a maioria absoluta nas Legislativas.
Mas seis meses em política é uma eternidade. E nos últimos tempos o país foi assolado por um clima de contestação social que já não tínhamos memória, com greves sucessivas. E já não são apenas os professores. Também os estivadores, os guardas prisionais, os bombeiros, os enfermeiros, os funcionários judiciais, os funcionários das finanças, os funcionários dos registos e notariado e os trabalhadores da CP. E já se anunciam mais paralisações, inclusive a dos magistrados, quer Judiciais, quer do Ministério Público.
Aqui e acolá o país pára. A economia sofre. Há um manifesto descontentamento face a expectativas que foram criadas. Independentemente da justiça ou não das reivindicações, centenas de cirurgias foram canceladas em virtude da paralisação dos enfermeiros.
Quase 80% dos comboios ficaram parados em virtude da greve dos trabalhadores da CP. E o protesto dos estivadores quase paralisou o porto de Setúbal durante um mês, de onde, como é sabido, saem os automóveis produzidos na fábrica da Autoeuropa.
Começa por outro lado a existir um sentimento de alguma degradação dos serviços públicos. As famosas cativações do Ministro das Finanças Mário Centeno começam a produzir danos. Ainda recentemente a “SIC” tornou pública uma investigação segundo a qual o ex Ministro da Saúde, Adalberto Fernandes, teria em mãos um estudo, que ele próprio mandara fazer, e que evidenciava a necessidade de um investimento superior a 1000 milhões de euros para substituir equipamentos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, que estariam maioritariamente avariados ou obsoletos. Também há poucos meses atrás, alguma imprensa noticiava que a empresa pública “CP-Comboios de Portugal” estava à beira da ruptura, “com uma frota envelhecida, comboios avariados e oficinas sem pessoal”, o que motivou inclusive a chamada do próprio presidente da empresa, Carlos Gomes, à Comissão Parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas.
Independentemente do grau de responsabilidade do Governo, também as polémicas à volta do roubo de armamento de Tancos, do desabamento da estrada de Borba e da recente queda e resgate do helicóptero do INEM não têm ajudado. O próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recentemente, viu-se mesmo obrigado a admitir que o Estado pode ter falhado, sendo que “estas falhas não são boas para a confiança das pessoas nas instituições”, como então alertou.
E do ponto de vista económico, também as noticias não são as melhores para o Governo. Há um aparente abrandamento das exportações. O próprio Banco de Portugal reviu em baixa o crescimento económico para 2019, prevendo, na linha do FMI, que o mesmo não ultrapasse os 1,8%. Sendo que o Governo construiu um Orçamento para este ano na expectativa de um crescimento da economia nacional na ordem dos 2,2%.
A dívida pública nacional voltou a subir. Segundo o mesmo Banco de Portugal, atingiu mesmo um novo record em Novembro, no valor de 251,48 mil milhões de euros.
Também o poder de compra em Portugal voltou a descer, tendo segundo o INE atingido em 2017 os 76,6% da média da União Europeia, abaixo do ano anterior, em que se tinha fixado nos 77,2%, ocupando agora o nosso país o 16º lugar entre os 19 países da Zona Euro, encontrando-se apenas à frente da Eslováquia, da Grécia e da Letónia.
Daí que não surpreenda que a popularidade do Primeiro-ministro António Costa esteja hoje bem distante daquela que já se lhe reconheceu num passado não muito distante.
Faltam apenas cinco meses para as eleições Europeias, e dez para as Legislativas, mas atrevo-me a dizer, que apesar do favoritismo que as sondagens nesta altura vão concedendo ao Partido Socialista, que tudo pode mesmo ainda acontecer.
Não esqueçamos os indecisos, nem aqueles que habitualmente contribuem para os valores da abstenção.
Por outro lado, apesar dos “coletes amarelos” não terem tido aqui qualquer sucesso, é bom que se perceba que tal não significa que os portugueses andem satisfeitos com a vida. E os tempos de hoje, são tempos de grande volatilidade…
Uma palavra ainda sobre as Eleições Regionais da Madeira, que terão lugar no próximo dia 22 de Setembro.
Desde 1976, habitualmente um passeio para os social-democratas, a quem a larga maioria dos Madeirenses sempre reconheceu a maior responsabilidade pelo desenvolvimento da Região, pela primeira vez, parece estar tudo em aberto, entre Miguel Albuquerque do PSD, actual Presidente da Governo Regional e Paulo Cafofo, independente que concorrerá nas listas do PS, e que é actualmente o Presidente da Câmara Municipal do Funchal. Pelo menos, assim o indiciam as sondagens mais recentes.
Sendo que se é certo que tradicionalmente o PSD “na hora da verdade” costuma demonstrar a força da sua implantação no território desta Região Autónoma, não é menos verdade que foi Paulo Cafofo quem em 2013 colocou termo a 37 anos de poder do PSD na Câmara do Funchal. Faltam todavia nove meses, e também aqui tudo pode ainda acontecer.
Uma última nota. A democracia é um processo sempre em construção, que se legitima, renova e consolida pela participação esclarecida e voluntária de cada um de nós. Pelo que é importante que se percebam as consequências da desvalorização do acto de votar. Como sublinhou o Presidente da República na sua recente mensagem de Ano Novo, “não se demitam de um direito que é vosso, dando mais poder a outros do que aquele que devem ter”.
Independentemente das diferentes opções, tratemos bem a nossa democracia.
Paulo Ramalho
Vereador da Economia e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia