A propósito do sucesso da série que retrata um dos maiores desastres da história moderna, recordo uma visita ao local da queda da URSS
25 de dezembro de 1991. Mikhail Gorbatchev ultimara o anúncio na televisão que se ia demitir do cargo de Presidente da União Soviética. No Kremlin, intemporal baluarte do poder, o estandarte vermelho começou lentamente a descer e a bandeira tricolor, pouco a pouco, foi ascendendo no mastro. Nesse dia morria a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, para espanto ou surpresa de muito poucos. Os sinais estiveram sempre lá, anunciando um desfecho que assombrou apenas pela rapidez com que veio. Gorbatchev tinha deixado de liderar o sistema para correr atrás da máquina, os vícios eram desmedidos e as imperfeições berrantes, a marginalidade política andava de mãos dadas com a escassez de reformas e, talvez o sinal mais relevante de todos, já ninguém acreditava no logro de um projeto sem capacidade para comunicar nem para mobilizar.
Visitar a Central Nuclear de Chernobyl, à qual foi dada o nome de V. I. Lenin, assim como a cidade abandonada de Pripyat, é um redespertar de memórias ainda bem recentes. Na noite de 25 para 26 de abril de 1986, um teste de segurança correu mal e o reator nuclear nº 4 explodiu, pela 1.23h da manhã, criando o que é agora uma cidade de casas fantasma e parques abandonados, onde no horizonte se ergue um sarcófago, edificado sobre o reator em que ocorreu o acidente que espalhou material radioativo por quase toda a Europa.
Por cerca de uma centena de euros, os turistas podem fazem visitas de um dia à zona de exclusão, o perímetro de segurança criado após o desastre, que engloba território tanto da Ucrânia como da Bielorrússia.
Antes de sair de Kyiv é necessário verificar se possuem o passaporte e roupa e calçado adequados. São cerca de duas horas de estrada numa carrinha luta para se desviar dos vários buracos que retalham a estrada e onde a rede de telemóvel é cada vez mais fraca. Um vídeo que conta a história de Chernobyl acaba por ser o único entretenimento até à chegada à zona de exclusão. Esta fronteira, que tem de ser transposta a pé, é o início da barreira de segurança criada após o desastre nuclear e conta com um aparelho que mede o nível de radiação de cada pessoa, procedimento indispensável tanto à entrada como à saída.
As placas de alerta por causa do material radioativo são uma constante ao longo do caminho, mas a exposição à radiação durante a visita não é particularmente perigosa. No entanto, é necessário seguir algumas regras, principalmente com vista à minimização do risco proveniente do contacto com objetos ou superfícies contaminadas.
No primeiro impacto com a zona de exclusão vemos casas abandonadas, veículos e máquinas usadas na limpeza da radiação e um monumento de homenagem aos que trabalharam para salvar vidas. Após um segundo controlo é possível chegar perto do sarcófago que envolve o reator nº 4. Passamos por locais onde centenas ou talvez milhares de pessoas foram mortalmente contaminadas pelo material radioativo que se libertava da central nuclear enquanto se negava a tragédia. O nível de radiação medido pelos contadores vai sempre oscilando, dependendo do local onde nos encontramos.
O almoço, uma refeição ligeira composta por comida tipicamente ucraniana, é servido num restaurante onde o controlo da radiação é igualmente essencial para quem entra e sai. Esta visita guiada permite ainda ver as escolas, o hospital, a piscina municipal, lojas de música e, claro, o parque de diversões que seria inaugurado a 1 de maio, com carrinhos de choque e uma roda gigante. Ao fim do dia é tempo de voltar a Kyiv.
Ao abandonar a cidade de Pripyat, os seus 50 mil moradores pensaram que voltariam após pouco tempo, deixando um cenário perturbante feito de milhares de vidas em suspenso. Prédios vazios com mobília e outros objetos deixados para trás, bonecas e brinquedos de criança pelo chão, pedaços de roupa, edifícios degradados e invadidos pela natureza. Em várias ruas e em vários prédios estão ainda presentes os símbolos e as imagens que remetem ao comunismo. Em todos estes locais, a história da URSS sobreviveu e ficou preservada.
Na URSS, o dispersar de recursos humanos válidos era instrumental para a sobrevivência do sistema. Isto é, se alguém mostrava qualidade suficiente para ser útil, o entendimento era que mais tarde ou mais cedo mostraria qualidade suficiente para ser uma ameaça. Apenas a mediocridade era tolerada pois era inofensiva. Após o desastre de Chernobyl já não havia razões para defender o regime.
João Loureiro