Nuno Sousa tem 23 anos e vive no Malawi, em África. Acabou a licenciatura em Economia e, 1 mês depois, aceitava uma proposta para trabalhar no departamento financeiro da Mota-Engil, no Malawi. Em Novembro, faz 1 ano que lá está. O Notícias Maia falou com ele para perceber as motivações e a realidade de quem decide partir numa aventura como esta.
Notícias Maia (NM): Como é que se toma a decisão de ir viver e trabalhar para um país tão distante de Portugal?
Nuno Sousa (NS): Depois de pensar muito, na verdade. Confesso que a proposta apareceu sem eu estar à espera. Começa-se por pensar na família, nos amigos, naquilo que vai ficar em Portugal e se a aventura e o desafio compensam. Pensa-se em tudo e, ao mesmo tempo, não se pensa em nada. Isto porque as certezas são sempre poucas do que pode acontecer estando no desconhecido. Eu não tinha o menor conhecimento do que é a vida em África.
NM: Quais foram as maiores dificuldades de adaptação ao país?
NS: Acho que uma das maiores dificuldades foi a diferença de tempo útil de um dia. Isto é, o dia aqui começa muito cedo. O nascer do sol é às 5h e, a essa hora, já começa quase tudo a funcionar. Aqui, o dia e o movimento nas ruas vai das 5h até às 19h, às 17h já é praticamente noite. Foi difícil habituar-me a esta rotina porque foi como reduzir o meu dia em várias horas. Depois, há também a questão de não haver oferta de atividades para passar o tempo. Ou seja, é trabalhar e pouco mais.
NM: Sentiste um choque cultural?
NS: Há sempre um grande choque. Na cidade e, essencialmente em Lilongwe, que é a capital, o choque acaba por não ser tão grande. Isto porque há bastante semelhança com uma cidade europeia, tirando a qualidade das estradas e o ambiente que aqui é muito mais quente. Quando saímos do centro da cidade e começamos a caminhar para as periferias, aí sim sentimos o grande choque e reconhecemos a imagem de como nos apresentam a África. Vemos as pequenas aldeias com mercados na rua onde a carne e o peixe são pendurados para venda e passam horas ao sol rodeados de moscas. Vemos casas com telhados de palha, muito pequenas. A pobreza extrema.
NM: E é assim que vive a maioria das pessoas? Ou há muitas pessoas a viverem nos centros com melhores condições?
NS: Eu diria que há mais pessoas a viver nos centros mas em condições também de bastante pobreza. Ou seja, o nível de vida das famílias no centro da cidade não melhora assim tanto comparado com as pessoas que vivem nas periferias. Mesmo trabalhando, não conseguem ter capacidade financeira. As pessoas a viverem melhor são as que não nasceram aqui.
NM: O que sentes em relação a essa realidade de África?
NS: África é um continente onde a pobreza extrema é uma realidade para um número imenso de pessoas. Mas este é um país tão rico. Aqui não existe falta de recursos naturais, existe é falta de quem queira investir e acredite. Não é a enviar dinheiro e roupa que vamos conseguir acabar com esta realidade. Investir em ações e não em doações.
NM: Sentiste-te em perigo, em algum momento?
NS: Não me senti em perigo mas agora sinto menos segurança. Isto é, com as eleições em maio, o Governo que estava em funções manteve-se. Mas há uma onda de suspeitas de corrupção na eleição. Isto levou a que os Malawianos se revoltassem e, desde maio, tem havido bastantes manifestações pelas cidades. Por vezes, essas paradas ficam mais violentas e, nesses dias, a empresa fecha e nós ficamos em casa com ordem para não sair. O povo aqui sempre foi muito tranquilo e agora está a tornar-se mais revoltado.
NM: O Malawi trouxe-te surpresas boas? Boas experiências?
NS: Experiências incríveis. Foi aqui o meu primeiro safari que, sinceramente, foi do melhor que já fiz na vida. É estar no meio da floresta ou da savana e ver os animais livres onde devem estar, no seu habitat natural. Quem está preso, no carro, somos nós. Vês mesmo a realidade do mundo animal. Para além disso, o Malawi deu-me um chamado “abre-olhos” porque me mostrou uma realidade completamente diferente da que eu conhecia. Estar aqui foi abrir os meus horizontes e, para mim, isso foi a maior bênção de ter vindo. Estar aqui deu-me a oportunidade de vivenciar o desconhecido.
NM: E depois de quase 1 ano a viver no Malawi, sentes que tem sido uma experiência enriquecedora?
NS: Olha, foi um ano do caraças! (risos). Superou muito as minhas expetativas. Confesso que vinha apreensivo com o que poderia encontrar. A verdade é que tudo o que aconteceu de positivo superou os momentos mais negativos.
NM: Se pudesses falar com o Nuno que há 1 ano estava a decidir se ia ou não para o Malawi, o que lhe dizias?
NS: Não penses tanto, simplesmente vai! Não penses no que vai ficar em Portugal porque o que lá está, não vai desaparecer. E só te arrependes do que não fazes. Vai e segue o teu caminho.
NM: Para terminar, o que é que o Malawi tem que a Maia não tem?
NS: Acho que é a natureza. Aqui tu sentes que estás a viver no meio da natureza e não que tens pontos de natureza. Se eu estiver a conduzir durante a noite e desligar o carro, sinto-me minúsculo tendo em conta a imensidão da natureza que me rodeia.