No início de Outubro, o ainda Presidente da Câmara Municipal da Maia insurgiu-se contra a “devastação” e o “abate bárbaro” de árvores de médio e grande porte que circundavam a Via Norte, à entrada do Município.
Como o próprio admitiu, aquela intervenção da Infraestruturas de Portugal (IP), a autoridade responsável pela segurança daquela via, teve lugar em território do vizinho concelho de Matosinhos e não no concelho que preside.
De acordo com Silva Tiago, o Presidente enviou uma carta com críticas à IP e outra carta ao Ministério do Ambiente, que não tem nenhuma competência na matéria mas que achou por bem informar, pois acredita que este “nunca aprovaria semelhante desnorte”.
As críticas do Presidente tiveram corpo num artigo de opinião publicado no JN, em que refere a preocupação que os cidadãos lhe manifestaram e diz que foi uma “maldade” a Câmara de Matosinhos não ter sido informada previamente desta “decisão absurda”, que “só poderia ter sido tomada nos gabinetes de Lisboa, ignorando as pessoas que cá vivem” e os seus “legítimos representantes no poder local”.
A IP defendeu-se alegando que as árvores, no estado de conservação em que se encontravam, caíam o risco de tombar sobre a Via Norte se não tivessem sido intervencionadas, com as consequências que se adivinham. Pelos vistos, não era “uma ou outra árvore” que estavam em mau estado, como se pensou inicialmente, pelo que se aproveitou para intervencionar outros espécimes por uma questão de cautela.
Como não poderia deixar de ser, as críticas deste “ revoltado e indignado” Presidente – tão apressado em criticar terceiros que não procurou antes perceber as razões por trás daquela intervenção da IP – tiveram destaque na imprensa local (suponho que apenas a da Maia, pois aparentemente, num concelho tão grande, ninguém enviou emails ou cartas à Presidente da Câmara de Matosinhos, mostrando a sua indignação com a dita “maldade”).
Para qualquer observador, com estas declarações, Silva Tiago tenta ser notícia por melhores motivos à custa de comprometer outros titulares de cargos públicos, introduzindo abusivamente a foice em seara alheia (talvez até procurando competir com Rui Moreira como o “paladino da luta contra o centralismo”).
Mas desengane-se quem desvaloriza esta atitude, preferindo interpretar a iniciativa do Presidente maiato como uma demonstração de que está atento a tudo o que o rodeia, mesmo que não se passe em território onde tem responsabilidades autárquicas.
O Presidente da Câmara, é, nos termos da lei, a autoridade municipal de proteção civil. É, portanto, o responsável máximo pela gestão dos serviços municipais da proteção civil, que têm como competência zelar pela proteção de pessoas e bens em situações de catástrofe, como os incêndios ou as cheias.
Tratando-se aqui de outro poder administrativo (empresa pública), a IP tem também competências no sentido de zelar pela segurança dos utentes que circulam diariamente nas estradas que a empresa administra e gere. E foi nesse interesse que interveio.
Acontece que, semanas depois destas declarações públicas de Silva Tiago, o mau tempo próprio da época do ano atinge em força o distrito do Porto, levando a vários incidentes de inundações, deslizamentos de terras e mesmo queda de árvores e candeeiros de iluminação pública na Maia.
Até isto acontecer, o Presidente de um concelho que não experienciou outra coisa nas últimas décadas senão a substituição de áreas verdes e corredores verdes por prédios e betão, pareceu ignorar os seus deveres enquanto autoridade de proteção civil a quem incumbe ordenar vistorias técnicas e outros procedimentos com vista a identificar, colmatar e previnir, sempre que possível, riscos de segurança para pessoas e bens como são a subida das águas e a queda de árvores ou outras estruturas.
Para além de se salvaguardar a estabilidade dos solos e das estruturas, é também expectável que a limpeza e manutenção das vias públicas seja feita com regularidade, sob pena de facilmente haver entupimentos quando cai alguma chuva.
Não só isso não acontece na Maia, como é frequente, por exemplo, vermos restos de areia usada nos trabalhos de reparação de arruamentos serem deixados no local, ao longo de muitos meses, com potencial para entupir as sarjetas para onde escorre a àgua das chuvas.
O tom populista com que o Presidente se dirige e insurge contra os “poderes de Lisboa”, “distantes do povo” quase nos faz esquecer que se trata da mesma autoridade que parece talvez até mais distante dos cidadãos do que o alvo da sua fúria de “amante das árvores”, característica que até agora lhe era desconhecida pelos maiatos.
Mas o Presidente vai mais longe. Num exercício de saudosismo dos tempos em que as instituições não eram democráticas nem sucetíveis ao controle da opinião pública, referindo que a extinta Junta Autónoma de Estradas, que plantou aquelas árvores em 1962, “atuava com “mais respeito pela natureza, pelo ambiente e pelas pessoas”, pelo que nunca faria a “maldade” que a sucessora IP praticou na Via Norte.
Se aquelas árvores eram, de facto, “tão importantes para atenuar os impactos ambientais da circulação automóvel”, desde já recomendo ao sr. Presidente que procure compensar o dano plantando mais árvores e construindo mais parques urbanos e também parques automóveis à entrada da cidade, para promover o maior uso do transporte público e o menor uso do parquímetro no centro da cidade.
No meio de tudo isto, haja pelo menos a consolação do último parágrafo do referido texto de opinião. Porque se é esta situação que o leva a ficar “cada vez mais convencido das virtudes da regionalização”, pelo menos a conclusão final é acertada.
Muita coisa mudou em 40 anos de poder local. Espero que dentro de alguns anos tenhamos mais autarcas que saibam estar à altura das responsabilidades e da postura íntegra que os cidadãos exigem, cada vez mais, da parte de quem ocupa este lugar.
Jorge Santos
Jurista e membro da Concelhia da Maia do BE