O politicamente correcto está a matar-nos. Lenta e progressivamente como uma doença silenciosa.
Estamos numa época em que tudo é permitido dizer-se, sob a égide da liberdade de expressão e, por outro lado, em que tudo que dizemos é escrutinado pelos interlocutores.
Nunca estivemos tão livres e simultaneamente tão reféns do que transmitimos.
O que antes era decorrente de uma vida pública, hoje estendeu-se ao quotidiano da pessoa anónima, muito fruto das redes sociais e da sua exposição inerente.
As pessoas estão mais sensíveis, mais intolerantes e, como se não bastasse, têm cada vez mais tendência a ouvir para contrapor e não para compreender. As falhas de comunicação resultam não raras vezes precisamente disso mesmo: o querer falar mais do que ouvir.
Já dizia o velho ditado “Há um falar e dois entenderes” realçando os diferentes significados que se podem dar a uma mensagem consoante quem a escute/leia.
Ainda na sabedoria popular “não se pode agradar a gregos e a troianos”. Há os que tentam. E aí surge o politicamente correcto, inimigo das convicções e expressão pessoais, da coerência e sobretudo da liberdade de expressão e da democracia.
Porque os seus reféns começam a evitar expressar certas opiniões, com receio de que estas sejam mal entendidas, nomeadamente em contextos de racismo e machismo. Ainda que o seu intuito seja completamente inofensivo e desprovido de rótulos. Receiam ainda aqueles que, munidos de desonestidade intelectual, distorçam a mensagem para o que lhes for mais conveniente. Essas pessoas vivem numa espécie de acordo tácito social sobre o que pode ou não ser dito e incubam as suas opiniões de forma a não comprometer a sua imagem, carreira, família ou amigos.
No reverso da moeda surgem os politicamente incorrectos, aqueles que julgam que ao abrigo da liberdade de expressão tudo se pode dizer e escrever. O que acaba por ser igualmente desvirtuador quando faz utilizar a irreverência no discurso, não em nome das convicções pessoais, mas como chamada de atenção sobre si. Ou quando começa a trabalhar não ao serviço da liberdade mas da rudez e má educação – muitas vezes uma linha ténue, difícil de traçar.
Os politicamente incorrectos são aplaudidos pela coragem, vitimizados como underdogs, invejados porque dizem o que outros apenas pensam e no fundo são odiados ou amados por essas mesmas razões.
Continuam na realidade a ser mais estigmatizados e marginalizados do que louvados, muito ainda fruto dos grilhões do “não me quero comprometer”, o caminho mais fácil e por isso mais vezes seguido. Mas, sejam as razões porque o fazem mais ou menos nobres, são uma lufada de ar fresco na espécie de letargia social onde o politicamente correcto faz emergir e da qual, ao fim de um tempo, é difícil vir à tona. É sermos seres pensantes que nos dá humanidade, sem ela apenas existimos.
Por essa razão devemos estimular o politicamente incorrecto? Será que efectivamente tudo se pode dizer em nome da liberdade de expressão? Ou essa, como todas as outras liberdades, termina onde começa a do outro, ou onde acaba a educação e correcção?
Para responder a estas questões importa aferir caso a caso, analisando a intenção da mensagem, o contexto e os interlocutores. E sobretudo ter peso e medida. Como em tudo na vida na verdade.
Angelina Lima
(A autora não escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico)