Há algumas semanas atrás a Câmara Municipal da Maia organizou uma sessão solene para “Comemoração dos 500 anos do Foral da Maia”, enviou-me um convite – que agradeço -, e lá fui eu. Três pontos mereceram a minha atenção. Um primeiro, que todos os homens quando se levantavam para receber o memorial, apertavam o botão do casaco, o que parece ser uma normalidade; quando estamos sentados devido à barriga temos o casaco desapertado e quando nos levantamos, enquanto personalidades apertamos o casaco. Parece que estou a brincar, mas não estou. Veja-se em todos os areópagos nacionais e internacionais, quando nos levantamos para falar apertamos o botão do casaco. Um símbolo. Estava a esquecer-me que o maestro Samuel dos Santos não apertou o casaco para cantar, também eu sei que era para cantar, não para falar ou receber a “comenda”, ou seja, o memorial. E está bem, um homem levanta-se aperta o casaco e cumprimenta o senhor presidente. Uma senhora levanta-se, não tem casaco para apertar, dá dois beijinhos ao senhor presidente e leva o memorial. Mas o que estou a contar passa-se em todas as reuniões deste tipo, vejam lá que ainda só não vi o Bolsonaro, o Trump ou o Boris, a apertar o botão do casaco. Mas reparem e depois digam-me alguma coisa.
Um segundo ponto o memorial idealizado por Siza Vieira, e o filme como ele idealizou o memorial. Bem engendrado, começou pela mistura das letras Maia, e deu o que deu, um M, um A, um I e um A, num único conjunto. Mostrou-se aqui arte, de um grande autor, sem dúvida. A única dúvida é que os munícipes percebam isto, tenham conhecimento da arte e saibam ser coautores culturais do artista primeiro. Para tal é pensar em cultura, é pensar que a cultura tem que estar enraizada no âmago das populações, senão para que serve “memoriar”, se o sentir popular não for o intérprete essencial do que se propõe no salão nobre da câmara. O normal da cidadã ou cidadão, pelo menos sabe o que é o foral e porque Siza interpretou assim, creio bem que não sabe, mais, o foral é não é do conhecimento da maioria da população. Siza fez, o doutor Maia Marques o dá a conhecer, e bem, mas seria necessário muito mais, para que tudo o que se passa na Maia, cative a população. De resto se não existir um grande abanão cultural, tudo se resume a apertar o botão do casaco.
Mas ainda o que marca – este o terceiro ponto -, é ter ouvido o discurso do senhor presidente da câmara. Teve um mérito demorar o tempo necessário. Como diria o outro “tiro-lhe o chapéu”. Mas já não tiro quando afirma que a “Maia é um concelho sustentado”, a não ser que tenha sido um erro, mas se foi é necessário começar a emendar. Entre “Concelho Sustentado” e “Concelho Sustentável” vai uma enorme distância. Existem duas formas de compreender a palavra “sustentar”: uma passiva que significa “segurar por baixo, suportar” e outra positiva, como “proteger, manter alimentar, prosperar”. Ora, o Sustentável é uma palavra ativa, e nunca passiva, no seu sentido positivo como conservar, manter, proteger e não suportar, impedir, em sentido negativo. Por exemplo, se falamos em “concelho sustentado”, sustentado por quem? Então o concelho da Maia não é viável em si, isto é, não é sustentável? Um filho nosso é sustentado pelos pais, até que possa adquirir a sua sustentabilidade.
Quando falamos em “sustentável” referimos não à resolução dos problemas económicos em “crescimento contínuo” e de “conquista da natureza”, mas ao entendimento de todas as questões sociais, económicas, ambientais e culturais, e de justiça e paz, que promovam a defesa da vida na Terra, neste caso concreto na e da Maia. Só assim poderemos sorrir para a vida na Maia.
Não é uma questão de semântica ou jogo de palavras, mas essencialmente uma questão das práticas correntes. Também é sobretudo uma questão de cultura e de uma “espiritualidade” do querer que a nossa terra, ou a terra onde vivemos, seja antes de tudo uma doação, um serviço, que não se compadece com poderes, ou até certos “populismos” que envergam casacos com botões a abotoar.
Talvez seja necessário começar pelas reflexões necessárias ao chamado “poder local”, que é o Amor – palavra pronunciada naquela comemoração -, das confluências ecológicas do Desenvolvimento Humano Integral, que passa, ao nível local, pela compreensão da nossa atividade atuante sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Aqui fica esta reflexão, para quem quiser “perder” um pouco de tempo a ler.