Ainda não acabamos de pagar todos os danos causados às finanças e economia do país pela gestão que alguns consideram simplesmente “menos cuidadosa ou negligente” e muitos outros, “fraudulenta e até criminosa”, levada a efeito no universo do Banco Português de Negócios e do Banco Privado Português, que tanto dinheiro custou aos contribuintes, e já estamos com outro pesadelo em cima da mesa: o Banco Espirito Santo.
Estamos a falar do banco liderado até há poucos dias pelo todo-poderoso Ricardo Salgado e que a insuspeita Goldman Sachs, considerava em meados de Junho do corrente ano, na sequência de um recente e bem sucedido aumento de capital de 1045 milhões de euros, o meio de exposição mais barato à recuperação da banca periférica europeia e o banco que estava melhor posicionado para captar quota de mercado em Portugal, dada a forte posição de capital que então detinha. Do banco que naquele dia 17 de Junho de 2014, via as suas acções serem negociadas a 0,97 euros a unidade, e a que a referida Goldman Sachs estimava para o mesmo um price target de 1,35 euros por acção. Do banco que o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, assegurava, um mês depois, em 18 de Julho, que possuía uma almofada financeira de 2,1 mil milhões de euros que sempre garantiria a sua solvência e como tal, cobria a exposição directa e indirecta às empresas do ramo não financeiro do Grupo Espirito Santo. Do banco que no passado dia 30 de Julho apresentou prejuízos relativos ao primeiro semestre de 2014 no valor aproximado de 3,6 mil milhões de euros. Do banco que viu a negociação das suas acções ser suspensa por ordem da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários no pretérito dia 1de Agosto, numa altura em que o seu valor (0,12 euros por acção) expressava uma queda de 40% face à cotação do dia anterior. Do mesmo banco que, passados dois dias, foi dividido em “banco mau” e “banco bom”, ficando o primeiro na posse dos accionistas, sem licença bancária e com os activos tóxicos do BES (designadamente créditos ao universo das empresas do Grupo Espirito Santo e participação no BES Angola) e o segundo, denominado de “Novo Banco”, na posse do Fundo de Resolução Bancário e com os restantes activos do BES (nomeadamente licenças, depósitos de clientes, trabalhadores e agencias), e ainda com uma injecção de capital de 4,9 mil milhões de euros. Ou seja, estamos a falar do Banco que em Maio último expressava-se no mercado como uma realidade sólida, próspera e recomendável, e que passados três meses, apresentou-se ao mesmo mercado como uma realidade praticamente insolvente, deixando quase todos, incluindo ao que parece o próprio regulador Banco de Portugal (e até a Goldman Sachs…), numa situação de total estupefacção.
Sendo que a pergunta é inevitável, como é que os reguladores Banco de Portugal e CMVM não perceberam mais cedo o que se estava a passar no BES, e assistiram impávidos e serenos ao aumento de capital promovido no passado mês de Maio? A resposta só pode ser uma, foram olimpicamente enganados pelos responsáveis do BES. E dizemos responsáveis, porque não alimentamos a tese de que isto foi obra de apenas um homem, do todo-poderoso Ricardo Salgado. Com efeito, toda esta sofisticada “engenharia enganadora ”, traduzida em montes de documentação competente, só pode ter sido possível com a acção e cumplicidade de muita gente, entre ela, especialistas de grande qualidade e conhecimento técnico, alguns até, seguramente verdadeiros cientistas da arte.
É evidente que todas as questões que envolvem o BES não são exactamente iguais às que envolveram o BPN e o BPP. Mas a verdade é que, para além dos danos que a gestão levada a efeito no seio dessas três instituições bancárias provocou ao país, à nossa economia, à confiança do sistema financeiro nacional, à nossa credibilidade internacional e a todos nós contribuintes, essa gestão revelou acima de tudo, um certo sentimento de impunidade, uma ausência de princípios e valores que exige uma censura clara e firme.
Esperemos que desta vez, o Estado seja capaz de ser forte…também com os fortes. E a sociedade civil… não se contente apenas com o simples lamento.
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia
1 comentário
E a saga da “ausência de princípios e valores que exige uma censura clara e firme” é bastante expansiva. Repare-se agora na OPA da ES Saúde. Séria possibilidade de abuso de informação privilegiada – que, neste contexto, bem que parece muito plausível… E, claro, dizia hoje na TSF um Operador de Mercado do Banco Carregosa que a confirmação de ta abuso pela CMVM pode levar ao cancelamento da OPA, mas, olhando para a prática internacional, é muito provável que não vá além de uma coima.
E já sabemos a moça que isso faz nos abusadores…