45 anos depois da ONU ter oficializado o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher e chegados a uma altura em que as mulheres têm acesso total à educação, ao trabalho, à liberdade de escolha na carreira e vida pessoal, ainda faz sentido haver um Dia da Mulher?
Esta é uma pergunta cada vez mais premente no mundo ocidental. No caso de Portugal, as mulheres lideram no número de estudantes universitários e desengane-se quem acha que é um fenómeno recente, porque há mais matriculadas do que matriculados desde 1985.
E se a maior qualificação das mulheres portuguesas não merece comoção social, o facto de auferirem um salário médio inferior em 16,3% em relação aos homens, provoca enorme discussão.
A diferença não é evidente se considerarmos funções e habilitações equivalentes. Nestes casos, a disparidade desce e se compararmos um fator fundamental, que é a idade, percebemos que as gerações mais novas encontram um fosso de diferença salarial inferior ao das gerações com idade mais elevada. Discutimos pois, em Portugal, questões de afinação no mercado de trabalho.
Bem diferente é a matéria da pressão social que está subjacente à maioria dos casos de discriminação de género.
Apesar das elevadas conquistas sociais e de uma generalizada consciência sobre a igualdade de género, é hipócrita considerar que, enquanto sociedade, tratamos as mulheres de igual forma.
Desde a pressão social em relação a tarefas domésticas, diferente para os homens e para as mulheres, ao cuidador dos filhos e até mesmo ao casamento, escolhamos, por mero exemplo, a mensurável violência doméstica.
Em 2019 foram 35 as vítimas mortais deste crime hediondo, com destaque para as 26 mulheres. A situação adensa-se quando o resultado de um estudo, realizado pela União de Mulheres Alternativa e Resposta, revelou que 67% dos jovens com idades compreendidas entre os 11 e os 21 anos, aceitam a violência no namoro como normal.
As mulheres continuam a sofrer mais assédio do que os homens, seja na rua, nos transportes públicos ou no local de trabalho. Segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, cerca de 75% das mulheres já passou por situações de assédio sexual no trabalho.
Se olharmos para o panorama internacional, as razões para existir um Dia Internacional da Mulher são por demais evidentes. Segundo a UNICEF, são mais de 700 milhões as mulheres que casam antes dos 18 anos, e destas, pelo menos 67 milhões são obrigadas, sendo que 15 milhões têm menos de 15 anos e algumas até menos de 10.
O flagelo da mutilação genital ainda é prática e nem é necessário recorrer ao exemplo africano. No Peru, há centenas de milhares de mulheres pobres ou indígenas que foram esterilizadas, sem que haja culpados ou responsáveis. Em Portugal, para que se tenha noção, só é considerado crime autónomo desde 2015, aquando da transposição para o Código Penal do estabelecido pela Convenção de Istambul, de maio de 2011.
Há vários países onde o sexo forçado no casamento não é considerado crime, apesar de ser uma violação dos Direitos Humanos desde 1993.
Que fosse uma data que simboliza a luta das mulheres pela igualdade e melhores condições de vida e era suficiente para existir, mas ainda é necessário continuar a sensibilizar para a tolerância de género, principalmente num mundo de aceleradas interações multiculturais por efeito da globalização.
Ainda faz sentido haver um Dia da Mulher? A resposta é um sólido sim.
Aldo Maia,
Diretor