O Coronavírus está a mudar um conjunto de paradigmas. A sociedade precisava repensar um conjunto de “dados adquiridos”. O Planeta precisava de um intervalo, faz muito tempo. A “família” precisava de uma nova oportunidade. Os colaboradores precisavam reequilibrar o seu tempo de actividade, alguns. Os Gestores precisavam repensar a intervenção social. Então e agora?
A sociedade estava num ritmo absurdo de ocupação, mesmo em Portugal, este jardim, quase a cair da europa, que todos cobiçam e queremos vender… e de repente todos temos tempo. Nem nos visitávamos, nem nos víamos quando cruzávamos. As ruas borbulhavam pessoas e carros, táxis e ubers, bicicletas e motas, ruídos e cheiros; agora estão vazias e num silencio estranho.
Hoje, fazemos promessas de visita e de cafés e queremos estar com todos, família e amigos. Mandamos mensagens fraternas de saudade e juras de amizade… Afinal, talvez não precisemos de nos transportarmos todo o tempo, daqui para ali, numa correria que nos sufoca para vivermos.
E agora vivemos. Ainda nem “realizamos” bem este novo estado. Até agora sempre tomamos como garantido que os nossos pais, filhos, tios e amigos, estarão LÁ, para quando tivermos tempo. Agora temos tempo e eles não estão.
Conscientemente, seremos capazes de voltar à liberdade de circulação, de trabalho e de convívio, equilibrando o tempo e o empenho para nós e para as pessoas que valorizamos?
Espero sejamos de voltar aos valores de família e sociedade que se têm diluído neste corre-corre de mil relógios sem tempo, de carros e casas espaçosas sem espaço para nós. Precisamos continuar a equacionar e a julgar os nossos próprios comportamentos. Não apenas porque não vemos os nossos pais ou os nossos filhos à uns dias. Não apenas porque corremos o risco de não ter mais “emprego”, na volta.
E a nossa CASA comum? O nosso Planeta.
A sustentabilidade ambiental é tema que me ocupa a mente muitas vezes. O cuidado que, em privado e socialmente, ainda não temos, com a nossa “casa” e ainda deixamos as “piriscas” e as luvas em tudo quanto é canto.
Que fazemos com a garrafa de água que bebemos? Porque não bebemos “del cano”? Muito mais saudável, em todos os sentidos. Devemos ser cuidadosos com o que deixamos no chão depois dum tempo na praia ou no campo.
Sabemos o que acontece com as garrafas de plástico depois de consumir a água que bebemos? Mesmo assim, já repararam que o planeta ganhou capacidade respiratória? Em apenas meia-dúzia de semanas o Ozono recuperou. Veneza perdeu o cheiro e os UV diminuíram. Já podemos, todos, olhar o céu, como gostaria o Zé Pedro! Precisamos tornar-nos conscientes do impacto dos nossos gestos e atitudes e minorar o impacto da nossa passagem aqui.
É importante que os nossos filhos ainda tenham “natureza” para desfrutar com os nossos netos, sim! Mas, mais importante ainda, é que eles saibam ser filhos desta natureza que teima em resistir, felizmente, aos maus-tratos que continuamente lhe damos e que, de quando em quando, se queixa com eventos ou alertas, como os fogos em Portugal ou da Austrália ou com espécies protegidas a “dar-à-costa”.
E socialmente? As nossas acções têm sustentabilidade? O trabalho à distância vinha ganhando adeptos. Seja pelo sobrepovoamento das cidades e a dificuldade nas deslocações ou simplesmente pelo conforto de ficar em casa ou na esplanada a realizar as mesmas tarefas que se fariam no escritório; contudo, ainda nem todas as pessoas aceitavam esta mudança.
A partir de agora será diferente. A mudança imposta para estas semanas obrigou a que os gestores analisem ou meçam o trabalho realizado; não o tempo de permanência na empresa. Agora nem se passa tempo na empresa! Ou seja, é importante que os nossos Líderes deixem de controlar o horário de trabalho e definam Indicadores de Performance. Com diferentes níveis de relevância, mediante o momento da empresa ou a estação do ano ou ainda o estado da equipa e do departamento. Isto é um conceito novo para alguns e distante para outros.
Como implementar? Primeiro, definir o que é suposto ser feito, depois, como deve ser feito e, por fim, que tempo e meios são necessários para a execução; então é possível definir os indicadores e as respectivas métricas. Claro que a comunicação vai ser ainda mais importante. A clarividência, objectividade e frontalidade, ou numa palavra, a assertividade na apresentação desses indicadores, continua a ser determinante para a sua aceitação.
Vai funcionar tudo bem à primeira? Provavelmente não, mas é um processo, e tem de ser colocado de modo coerente e perseguido de forma consistente.
E a Gestão do Talento? O gestor vê o grupo de pessoas com quem trabalha, como uma equipa? Consegue reunir as competências individuais para formar a equipa que produz os resultados globais pretendidos? Ou vai continuar a colocar tudo no “carregador de piano” e deixar a “vedeta” apenas a socializar?
Todos os elementos de uma equipa, têm pontos fortes e menos fortes, colaboradores e gestores. Conseguimos identificar esses pontos fortes e exponenciá-los, retirando consequente importância aos menos fortes? São elaborados planos Individuais de desenvolvimento de competências? Orientados ao desempenho e à evolução social e profissional? Então os gestores estão a passar a Líderes! E o colaborador? Está a percepcionar a mudança? Estamos a comunicar, o conteúdo, na forma adequada para que o colaborador perceba? E para onde estamos a mudar? Se perceber, será mais cooperante com a empresa e o seu gestor. Saberá que tem direitos proporcionais aos deveres. Só assim, os colaboradores percepcionam o espírito de equipa e sentir-se-ão integrados na cultura da organização.
Outro aspecto equacionado neste período foi o equilíbrio emocional das pessoas. É claro que o equilíbrio emocional e social das pessoas tem influência no desempenho diário em todas as áreas da vida. Precisamos ter tempo, de qualidade, com “os nossos”, filhos, pais, esposos, amigos, namorados, quem seja.
Mas até agora, temos usado este tema apenas como desculpa, quando os resultados são menos bons. Naturalmente, os gestores são os primeiros responsáveis pelo que se vive no local de trabalho, também quando o trabalho é remoto; mas agora fica mais claro que o colaborador é co-responsável pelos resultados.
Seremos capazes de, com sensatez, responsabilizar os colaboradores pelo equilíbrio de horário entre a família e o trabalho? E pêlos resultados consequentes? E vamos ou poderemos passar a fazer diferenciação positiva com as pessoas que se empenham? Ou vamos continuar a fazer todos iguais na categoria profissional? Os colaboradores devem estar conscientes que o seu “posto de trabalho” tem de ser assegurado por via do seu desempenho e não por “contratação colectiva”?
O desenvolvimento das pessoas na vida activa é um outro aspecto que me merece reflexão. Alguns autores contemporâneos referem que “os letrados de hoje são os que conseguem desaprender e reaprender”, ou seja, é importante aprender ao longo da vida. Mais; e já muito se tem dito a respeito. Então, como deixamos, ou obrigamos, que sejam apenas as empresas a proporcionar aos colaboradores a “formação” necessária? Onde fica o desenvolvimento individual, a gestão da carreira e dos objectivos pessoais? Desenvolvimento restrito ao que empresa necessita? Se é a organização a investir, poderemos exigir mais? E o desenvolvimento pessoal e social anexo e conexo? Será, então, correcto exigir que sejam apenas as organizações a pagar, a “formação” dos colaboradores? 30 horas de formação? Até poderiam ser 50 ou 100.
Frequentar uma formação representa incremento de competência? Não de todo; ou mínimo, nem sempre! E por outro lado, quantas pessoas, de mil formas diferentes, melhoram as suas competências, individualmente, preparando-se, pelo menos para o presente, senão para o futuro. Será que não devemos premiar estes, em detrimento dos “passivos”.
Então, porque razão, as instituições públicas desresponsabilizam os colaboradores no seu (não) desenvolvimento colocando, sucessivamente, o ónus no empregador? Talvez tenhamos todos de educar as nossas instituições para a responsabilidade social.
E por falar em instituições. Que vai acontecer nas nossas escolas depois deste período? Vamos manter a forma? Um Professor Doutor a “preletar” (sei que não existe o verbo) para uma plateia de surdos que se mostram conhecedores, não inteligentes, 1 vez por período ou semestre? Irão continuar apenas formando pessoas que sabem memorizar factos, formas ou trajectos? Iremos continuar a obrigar os nossos “alunos” de 4 anos a serem jovens, injectandolhes diferentes matérias sem lhes permitir brincar e aprender a conviver e a estar em sociedade? Serão os professores capazes, por si mesmos, de fazer as alterações que se impõem? Serão os professores os únicos responsáveis por uma revolução que se requisita socialmente, desde o século passado? Não teremos, todos, de interferir em cada casa, na relação com cada criança, jovem ou mesmo adulto? Não será necessário que os, supostos, pensadores da pedagogia reformulem estratégias e metodologias? Seremos capazes de refazer os conceitos, reintegrando as minorias e os “diferentes”, para complementar e melhorar resultados? Vamos continuar a pregar que a aceitação da diversidade traz crescimento e depois formatamos para a igualdade?
Pensar fora da caixa traz resultados positivos e obrigamos a ser todos iguais, mesmo sendo eles diferentes por natureza. Contra-censo! Ou contrassenso?
De facto, o Covid veio obrigar-nos a parar e a valorizar as coisas de modo diferente. Para alguns, é apenas mais um momento de reflexão, para outros é uma mudança ou pelo menos a oportunidade para… mas, para outros ainda, é o inicio de algo completamente diferente. O início dum novo ciclo. De pensamentos e atitudes. De verdades e de dúvidas. É dessas dúvidas que nascem certezas. É desses novos pensamentos que nascem movimentos e que fazem crescimento. Crescimentos pessoais e familiares. Crescimentos académicos e formativos. Crescimentos sociais e de cidadania. Crescimentos empresariais e contributivos. Deixemos que o “Corona vírus” nos afecte, não biologicamente, mas socialmente e psicologicamente.
Vítor Mota