As últimas eleições para o Parlamento Europeu já tinham deixado um sério aviso aos partidos tradicionais da Europa, designadamente àqueles que nos últimos anos se têm “revezado” na governação dos respectivos países. Os chamados partidos do “arco do poder”…
Assim aconteceu, com mais impacto, na França, com a vitória da “Frente Nacional”, um partido da extrema-direita, liderado por Marine Le Pen, e no Reino Unido, com a vitória do “Partido da Independência do Reino Unido (UKIP)”, um partido eurocéptico e anti-imigração, que tem como principal figura Nigel Farage e que conseguiu o feito, de pela primeira vez, impedir a tradicional vitória do “Partido Trabalhista” ou do “Partido Conservador”…E ainda, na Dinamarca, com a vitória do ultranacionalista e xenófobo “Partido Popular Dinamarquês”, liderado por Morten Messerschmidt e na Grécia, com a vitória do ”Syriza”, um partido fundado em 2004, referenciado como de extrema-esquerda, comandado por Alexis Tsipras, um jovem de 40 anos de idade… Mas também, apesar de não ter vencido as eleições, na Áustria, face ao bom resultado então alcançado pelo “Partido Liberdade da Áustria”, conotado com a extrema-direita. Isto, apesar de uma boa parte dos analistas políticos não terem na altura prestado grande relevância a estes resultados, designadamente face à reduzida participação dos eleitores que então se verificou na generalidade dos países da União.
Todavia, o maior abalo aconteceu recentemente, e precisamente na Grécia, com a confirmação da vitória do “Syriza”, mas desta vez em eleições legislativas (e sem a desculpa da forte abstenção verificada nas eleições para o parlamento europeu), tendo o “Pasok- Partido Socialista Grego” sido mesmo relegado para a sétima força política grega, com menos de 5% dos votos! Recorde-se que o “Pasok” dominou durante “anos a fio” o panorama político grego, tendo conquistado seis maiorias absolutas entre 1981 e 2007…
E coisa semelhante poderá acontecer brevemente em Espanha, caso o “Podemos”, partido que nasceu apenas em 2014, a partir do “Movimento
Indignados”, e que tem como líder o eurodeputado Pablo Iglésias (também um jovem de 36 anos de idade), vença as eleições gerais que ocorrerão no próximo Outono. A maior parte das sondagens, nesta altura, colocam o “Podemos” muito próximo do PP e já com alguma vantagem sobre o PSOE…E outras mesmo, já na frente das intenções de voto. Estamos a falar do mesmo “Podemos” que nas eleições para o Parlamento Europeu do ano passado alcançou somente 7,98% dos votos.
A questão que se coloca é, estão os cidadãos europeus a ficar mais radicais, xenófobos, eurocéticos?
Não creio. Nem sequer me parece que este fenómeno derive de grandes oscilações ideológicas.
O Próprio Juan Carlos Monedero, número dois do “Podemos”, defende que a ”linha que separa esquerda e direita esgotou-se”, pois existem “novos elementos que fazem parte da exigência de um comportamento político que não se explica em termos de esquerda e direita”…E recorde-se que o “Podemos” é um partido claramente de esquerda, na opinião da generalidade dos analistas políticos.
Aliás, o “Syriza”, da esquerda radical, depois de vencer as eleições legislativas na Grécia, acabou por fazer um acordo de governação com os “Gregos Independentes -Anel”, um movimento considerado da direita nacionalista…
O problema é de facto outro. Como dizia recentemente o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha, José Manuel Garcia-Margallo, “ com uma crise tão dura e longa, as pessoas começam a pensar que os partidos e fórmulas tradicionais não dão respostas às necessidades e que é necessário uma mudança”. A crise que se instalou na Europa nos últimos anos, e que reconheçamos, tarda em desaparecer, provocou uma diminuição do bem-estar e qualidade de vida a uma grande parte dos cidadãos europeus, e criou noutros o forte receio que o mesmo lhes possa suceder…E a tentação de imputar responsabilidades a quem tem estado no poder é manifesta.
Por outro lado, alguns dos grandes partidos europeus estão nesta altura muito fragilizados na relação de confiança com o seu eleitorado tradicional, quer por incompetência dos seus responsáveis, quer por questões de natureza ética, moral e até do foro da justiça, que afectam a sua própria credibilidade. A vida dos protagonistas políticos é hoje mais escrutinada e mediatizada do que nunca. Veja-se o fenómeno das redes sociais…
O que tudo provoca nos cidadãos uma vontade natural de fazer rupturas, de procurar novas soluções.
Segundo um estudo da consultora TSN, a propósito das eleições legislativas do Reino Unido, que ocorrerão no próximo mês de Maio, 46% dos eleitores britânicos admitem votar num pequeno partido por “já não confiarem em quem lá tem estado”.
Acresce que as pessoas têm cada vez menos paciência para esperar por resultados, exigem respostas imediatas, pelo menos que traduzam uma forte expectativa na resolução dos seus problemas mais prementes, por vezes até dos seus problemas concretos e individuais. Daí que os partidos populistas, com um discurso mais radical e assertivo, possam ter, nesta altura, uma verdadeira oportunidade. Mesmo prometendo “este mundo e o outro”…
O “Syriza” ganhou as eleições a prometer diversas medidas ao povo grego que sabia de antemão que dificilmente poderia cumprir, e outras mesmo, que jamais podia cumprir, estando a Grécia sujeita a um programa de assistência económica e financeira internacional. Recordo desde logo duas, que foram decisivas para a motivação do seu eleitorado: a renegociação da dívida pública (com obtenção de um perdão substancial) e a reposição do salário mínimo nacional nos 751 euros, cujo valor actual se cifra em 586 euros.
Na sequência do ataque terrorista do passado mês de Janeiro e que determinou a morte a oito colaboradores do jornal francês “Charlie Hebdo”, a líder do “Partido da Frente Nacional”, Marine Le Pen (que continua bem colocada nas intenções de voto), já veio defender a “necessidade absoluta de suspender os acordos de livre circulação de
Shengen” e prometeu mesmo que se for eleita nas próximas eleições presidenciais fará um referendo sobre a reintrodução da pena de morte.
E o próprio Primeiro-ministro Britânico David Cameron, líder do “Partido Conservador”, em resposta ao “UKIP” de Nigel Farage, já se apressou a prometer um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, a realizar depois das eleições legislativas do próximo mês de Maio!
Avizinham-se de facto dias difíceis para os partidos tradicionais da Europa. E quem sabe, se para a própria União Europeia…
No que tange ao panorama português, e faltando pouco mais de seis meses para as próximas eleições legislativas, aparentemente não se vislumbra um “Podemos”, um “Syriza”, um “UKIP”, uma “Frente Nacional” ou um qualquer movimento que coloque em causa o estatuto dos nossos partidos tradicionais…Todavia, vamos esperar pelas respostas que nos vão oferecer os próximos tempos…
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia