1.- As fontes que serviram os autores dos evangelhos e outros escritos apócrifos, ou mesmo de textos agora descobertos, vão dando uma visão mais detalhada da vida de Jesus. Os primeiros escritos, foram escritos, assim acreditamos, sob a ação de Deus, mas para povos e comunidades com economias, políticas e culturas diferentes; não constituem relatos de um jornalista, antes ações pastorais dos ensinamentos de Jesus. Os textos mais antigos do Novo Testamento são as duas Cartas escritas aos Tessalonicenses, por Paulo de Tarso e só depois apareceu o Evangelho Marcos, e digo sem “de”, porque com efetividade o seu autor pode não ter sido Marcos, o discípulo, mas sim quem caminhou o mesmo caminho de Marcos. Este evangelho [Marcos] apareceu entre os anos 60 a 70 d. C., sem no entanto o último capítulo, tendo este sido acrescentado depois. Em nada estes acontecimentos descritos e aceites pela igreja na sua catolicidade, alteram a fé de quem quer que seja, antes a fortalecem, o que temos é de ser verdadeiros, até porque Jesus é a Verdade.
2.- Vem tudo isto a propósito de estarmos a chegar à Semana Santa, e que comemora a morte e ressurreição de Jesus e cada vez mais vamos aprimorando os conhecimentos científicos sobre todos os acontecimentos que levaram à morte de Jesus, o Filho de Deus. Não há que possuir qualquer medo. Comemoramos desde quinta-feira santa até domingo os sofrimentos de Jesus, a sua vida, e a morte consequente. Um deles é a chamada Última Ceia, na quinta-feira santa, quando Jesus é preso, mas se não se coloca a questão de quando Jesus morreu, numa sexta-feira às três horas da tarde, já quanto a esta ceia não poderia ter sido numa quinta-feira. Os processos eram longos, e de uma noite para a tarde de outro dia não era possível. Uma das fontes é do Evangelho João, quando se diz ter-se realizado em quinta-feira, segundo ele a Páscoa judaica, no ano da morte de Jesus, caiu num sábado e deveria ser a ceia no dia anterior, sexta-feira à tarde, se foi no dia anterior cairia na quinta-feira à noite. Outra das fontes os Evangelhos sinóticos (Mateus e Marcos) referem ter sido no “dia dos Ázimos”, o que seria na sexta-feira. Outra das fontes, os manuscritos encontrados no Mar Morto, em 1947, revelam que no tempo de Jesus existiam dois calendários: um, o solar, dividido em 12 meses e as semanas começavam à quarta-feira e outro o lunar em que todos os meses começavam baseados na lua cheia, o que não significava que a semana começasse à quarta-feira, no ano em que Jesus morreu caiu a um sábado. Por isso os autores dos evangelhos divergem quanto ao dia.
3.- Também o processo de audição e julgamento não poderia ser de um dia para o outro, a lei judaica não admitia que se condenasse ninguém à morte, antes de passar 24 horas depois de ser preso. A calendarização da ceia deveria então ter sido assim: terça-feira à noite Jesus celebrou a última ceia e foi orar para o monte das Oliveiras, tendo sido preso e levado ao sumo-sacerdote; quarta-feira, de manhã, teve lugar a primeira sessão do Sinédrio, ouviu as testemunhas e Jesus passa a noite na prisão dos judeus; quinta-feira de manhã, o Sinédrio reúne, em segunda sessão, e delibera a condenação à morte, Pilatos envia Jesus a Herodes Antipas, governador da Galileia, dado que só este tinha jurisdição, porque Jesus era galileu, e passa a noite na prisão dos romanos; sexta-feira de manhã Pilatos recebe Jesus, pela segunda vez, e entrega-o para ser crucificado. Jesus morre de tarde.
4.- Isto significa que teremos de alterar a liturgia, onde celebramos estes acontecimentos? A liturgia tem um efeito pedagógico e pastoral e não histórico, pelo não existem razões para modificarmos o que temos vivido há séculos atrás, mas, também, temos de falar verdade, é isso que se pretende com esta crónica.
Joaquim Armindo
Doutorando em Ecologia e Saúde Ambiental
Mestre em Gestão da Qualidade
Diácono da Diocese do Porto