Este espaço de opinião tem sido usado mormente para reflexões sobre decisões politicas, mas sobretudo para tentar construir uma visão construtiva sobre problemáticas nacionais que nos assolam de uma forma ou de outra.
Também é usado muitas vezes para informar de forma isenta. Acredito que só com a verdade e com a informação conseguimos fundamentar as nossas opiniões, construindo sobre elas novas reflexões. Talvez mais importante do que isso, construímos a nossa opinião.
Já por aqui elogiei o Sr. Ministro da Saúde (MS), o Dr. Paulo Macedo, assim como o critiquei nalgumas decisões. Algumas destas decisões até pacificas do ponto de vista da aceitação da opinião publica.
Sendo o nosso MS um homem das contas, habituou-nos ao rigor que o seu ministério exigia. Desta forma, conseguiu endireitar parte das contas e proporcionar aos doentes acesso mínimo com as contingências devidas a uma crise económica que nos assolou.
Temos, portanto, uma assertividade tremenda quando o nosso MS se dedica aos números, mas uma grande taxa de erro quando o nosso MS aborda causas clínicas com a objectividade dos números a que está habituado.
Em boa verdade, a crítica deveria ser para quem o acessoria, uma vez que, esses sim, deviam ser um complemento multifacetado das falhas naturais do seu líder, e não uns “Yes Man” de bajulamento sem reflexão ou critica pelo que passa no mundo real.
Por partes!
Uma das primeiras medidas surpreendentes foi a tentativa de resolução do problema da falta de médico de família com um aumento de 2500 utentes por médico de família. Para isto os médicos teriam potenciais benefícios financeiros.
Aproveito, antes de desenvolver este pensamento, explicar que a Medicina Geral e Familiar (MGF) de onde saem os Médicos de Família, é uma especialidade médica como outra qualquer. É tão especialista um médico de Família, como um cardiologista, ou gastroenterologista ou qualquer outra especialidade hospitalar.
Longe vão os tempos em que existia o médico “da caixa”, indiferenciado que se limitava a passar receitas. Neste momento, muitas das decisões clinicas passam pelo médico de família que consegue enquadrar a multiplicidade das patologias orgânicas diagnosticadas pelos Médicos de Família ou de outras especialidades somá-las e dividi-las e enquadrá-las numa pessoa que é única e tem um contexto psicossocial determinado, muitas vezes só partilhado com o seu médico de família.
Posto isto, e fácil perceber que um bom especialista em MGF necessita na maior parte das suas consultas de muito mais tempo do que aquele que lhe é atribuído pelo Ministério, tendo em conta o seu volume dos doentes. Às vezes é preciso tempo para compreender os verdadeiros problemas, problemas esses que muitas vezes o próprio doente ainda não tinha sequer descoberto.
Vivo a realidade de 1900 utentes na lista, e sei do que falo. Gerir uma lista deste tamanho implica estar sempre muito mais horas de trabalho do que aquelas que contam do meu horário de trabalho. Aumentando este número em 600, mesmo com algumas regalias financeiras é tapar o sol com a peneira! Não há muito tempo as listas de utentes tinham 1500 utentes. 2500 implicam quase 2 listas de utentes, logo quase duplicar o horário. Neste capítulo espero que haja bom senso de parte a parte (dos médicos e do ministério). Da parte dos médicos que percebam as suas eventuais limitações e respeitá-las. Da parte do MS que não destrua a relação Médico doente, não tentando tapar o sol com a peneira e lançar mal entendidos na praça pública.
As confusões poderiam ter parado aqui, mas não pararam…!
O MS proferiu pelo seu ministro uma frase infeliz, afirmando que deveria haver mais interesse em ser médico pelos alunos portugueses. Como provavelmente naquele ministério existe alguma desactualização vou ajudar a informar. Portugal é dos países com melhores e maiores rácios de faculdades de Medicina da Europa por habitante, e dos maiores rácios de medico por habitante. Tanto é assim que sistematicamente os países europeus vêm cá procurar os médicos Portugueses (com formação de excelência) para colmatar as suas falhas no sistema. Repare que não é ao contrário!!! Está, inclusivamente, previsto acentuado desemprego médico em Portugal dentro de 1 -2 anos. Faltam doentes? Claro que não! Então qual será o problema se até existem médicos disponíveis?
A terminar não resisto a comunicar um recente episódio. O MS na tentativa de resolver no curto prazo alguns problemas da carência de médicos no interior ofereceu a médicos espanhóis o mesmo que se oferece por ca a um médico nacional para que colmatasse algumas falhas na fronteira. Para surpresa do Ministro, mas de mais ninguém, nenhum médico espanhol aceitou, uma vez que em média ganhavam o dobro por menos horas de trabalho. Então onde estão os médicos em Portugal principescamente pagos?
Há algum tempo fiz algumas intervenções públicas sobre a qualidade de saúde no ACeS na Maia, que aliás mantenho a opinião sobre a sua excelência. Mas uma das pessoas que assistiu a uma das minha intervenções, no final veio ter comigo e disse algo curioso “Sabe Dr. Isto dos números e das estatísticas é muito relativo, depende dos olhos que os interpretam!”.
Nunca tinha pensado nisso, porque estou formatado para a ciência, mas a verdade é que sempre que vejo tomadas de posição politicas deste calibre o primeiro pensamento viaja para essa reflexão e depois concluo… pois é…
Com a verdade me enganas!
Ricardo Filipe Oliveira,
Médico;
Doc. Universitário UP;
Lic Neurof. UP;
Mestre Eng. Biomédica FEUP ,
não escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico.