1.- confesso que vieira de carvalho era para mim um homem de direita. extrema direita até. presidente da câmara nomeado por um governo que me tolheu a vida. só porque queria liberdade e democracia. preso após o vinte e cinco de abril. foi porém eleito presidente da câmara da maia após vinte e cinco de abril. em democracia e pelo povo. esmagadoramente. nem que fosse como independente ganharia todas as eleições. nem que fosse candidato pelo partido comunista dos trabalhadores portugueses- mrpp. foi professor pouco tempo. o resto da sua vida deu-a à maia. um maiato de gema. como costuma dizer-se. erros com certeza que teve. na minha humilde opinião. entregou-se no entanto à maia com todo o seu ser. confiava em deus, com letra maiúscula. e na nossa senhora do bom despacho. era devoto muito sincero. fiquei a conhecê-lo quando fui eleito deputado à assembleia municipal da maia. onde tivemos discussões acesas. porque eram diferentes os caminhos que percorríamos. e os pensamentos também. uma coisa nos unia porém. acreditar nos homens e em deus, com letra maiúscula. ficamos amigos. mesmo muito amigos. porque no calor das discussões que tínhamos vieira de carvalho cada vez era mais meu amigo. e também agora confesso que vieira de carvalho não tinha sentido político porque acima de tudo era da maia. nem direita nem esquerda. da maia. e de nossa senhora do bom despacho.
2.- recordo uma vez que tive de ir à câmara municipal da maia. tratar de um assunto da minha casa. na altura ir à câmara tratar de um assunto era um dia. ia mudar o telhado. era de fibrocimento com amianto. queria colocar outro tipo da telha. não aquela que agora tenho. uma anterior. cheguei aos serviços camarários e entrei numa fila. cerca de uma hora depois cheguei à senhora que tratava disso. afinal não era ali. tinha primeiro que ir à arquitetura. pedir uma certidão. subi à torre do lidador. cerca de meia hora de espera. no fim pedi a planta. mas tinha de pagar primeiro cá em baixo e depois poderia pedir. mesma fila em que tinha estado. já tinha uns metros. para lá fui. seria mais uma horita de espera. no entanto a gentil senhora que tratava de questões junto a vieira de carvalho viu-me e fez o favor de perguntar-me o que estava ali a fazer. nessa altura era deputado municipal. lá lhe disse da minha via-sacra. subiu e desceu. o senhor presidente queria falar comigo e pedia o favor de ir ter com ele. fui. mandou-me sentar. à sua frente uma secretária cheia de papéis. primeiro reparo. disse-me que quando entrasse naquela câmara o primeiro sítio onde devia ir era ao seu gabinete. porque ele gostaria de me cumprimentar. segundo reparo. mas se era só mudar o telhado porque ser de fibrocimento que continha amianto. um obrigado por isso fazer. vá e faça. deixe lá estas chinesices de papeis para cá e para lá.
3.- uma outra ocasião. um domingo. vieira de carvalho passeava ao domingo pela sua maia. que conhecia como as suas mãos. apareceu-me. estava junto de um velho amigo e fui cumprimenta-lo. existia atrás de minha casa um terreno. que viria depois a ser vendido a todos nós. os meus vizinhos. a sua preocupação porém é que esse terreno tinha um sobreiro. que até já não se via a olho nú. mas ele sabia que existia ali um sobreiro e vinha pedir pelo sobreiro. era para o conservar porque em sobreiro não se mexe. como sabia que estava ali um sobreiro. a minha maior interrogação. é que ele sabia tudo o que a sua terra do lidador tinha. até um sobreiro no meio dum terreno que era um matagal.
4.- quanto mais discutia com ele mais amigo meu era e eu dele. Difícil é encontrar homens assim. mais uma recordação. no dia do seu funeral. lado a lado valentim loureiro e narciso miranda. dois presidentes de câmara. prestavam homenagem a um homem ímpar. uniu duas pessoas de partidos diferentes. unidos numa mesma homenagem. ao homem. acima de tudo a maia. acima da maia só deus, com letra maiúscula. e aquela que lhe dava forças. nossa senhora do bom despacho. discuti muito com ele. com violência. mas cada vez mais amigos. ainda o somos!
Joaquim Armindo
Doutorando em Ecologia e Saúde Ambiental
Mestre em Gestão da Qualidade
Diácono da Diocese do Porto