Nelson Ferreira tem 37 anos e está, desde 2015, a viver na cidade de Arhus, na Dinamarca. É doutorado em Ciências Biomédicas pelo ICBAS e, na mesma universidade, fez um pós-doutoramento na área da Paramiloidose, também conhecida por “Doença dos Pezinhos”. Aos 32 anos e, por considerar que a sua carreira tinha chegado a um ponto de independência científica em Portugal, candidatou-se a uma bolsa de investigação na Dinamarca para estudar os mecanismos moleculares responsáveis pela doença de Parkinson. Desde 2019 é também professor assistente na Universidade de Arhus. O NOTÍCIAS MAIA foi conhecer este Maiato pelo Mundo.
Notícias Maia (NM): Qual foi a impressão que teve da Dinamarca nos primeiros tempos?
Nelson Ferreira (NF): Eu já cá tinha estado como turista mas só quando cá vivemos é que sentimos as diferenças culturais, que são muito grandes. A Dinamarca está no extremo oposto aos países do sul. É um país escandinavo com uma sociedade completamente diferente em certos aspetos. A sociedade dinamarquesa é muito baseada no conceito de igualdade económica e de género e tem uma hierarquia muito plana. Aqui não existem as diferenças salariais absurdas entre um funcionário médio de uma empresa e o CEO. Aqui as pessoas tratam-se todas pelo primeiro nome e as interações são muito informais. Os dinamarqueses são muito diretos e muito pragmáticos.
NM: Encontraria alguma parecença entre os dinamarqueses e os portugueses?
NF: Não é fácil (risos). A nível social é bastante diferente. Diria que algo que ambos têm em comum é a relação muito próxima com o mar. A Dinamarca é um país que está rodeado por mar e também eles foram grandes navegadores. Não à nossa escala mas com um legado também significante. Ambas têm um certo orgulho no seu passado histórico e nas suas descobertas. Posso salientar também um ponto em comum mas que os portugueses não valorizam muito. Quem vive fora de Portugal, num país como a Dinamarca, consegue entender que o Sistema Nacional de Saúde (SNS) Português não fica, em nada, atrás do Dinamarquês. E eu acho que os portugueses não têm essa perceção. O SNS é algo de que os portugueses se deveriam orgulhar e proteger.
NM: Na sua opinião, a que se deve esta eficiência do SNS?
NF: Decorre do excelente nível dos profissionais de saúde portugueses, formados nas nossas universidades públicas. Portugal tem um dos melhores sistemas de saúde a nível europeu. Sem dúvida. E aliás, tem-se refletido na boa resposta do país, muito semelhante à dinamarquesa, nesta pandemia. Comparando o SNS português ao SNS da Dinamarca, que é um dos países mais ricos da europa e com uma melhor qualidade de vida, o nosso sistema de saúde não fica nada atrás.
NM: Nesse sentido e falando da resposta à pandemia, como é que a Dinamarca está a lidar com esta realidade?
NF: Acho que as respostas da Dinamarca foram muito semelhantes às de Portugal. Ambos os governos foram muito rápidos na resposta assim que começaram a ter os primeiros casos e isso fez toda a diferença. Os dinamarqueses acataram facilmente as ordens do governo. Eles, como povo, são muito organizados e adoram seguir as regras! Nós portugueses não gostamos tanto mas acho que, perante esta situação de grande dificuldade, o país está a superar-se. Acho que os portugueses tiveram uma resposta ao nível dos melhores da europa. Quer o governo, quer a população.
NM: Sentiu-se alguma vez discriminado por ser estrangeiro?
NF: Não, nunca senti nenhum tipo de discriminação. O meio social onde vivo é bastante internacional. Também a área da investigação tem naturalmente pessoas de todo o lado a trabalhar juntas. Tanto Arhus como Copenhaga são cidades multiculturais. Há muitos estrangeiros a trabalhar aqui e os dinamarqueses não discriminam, até pelo contrário. A maioria dos estrangeiros que aqui trabalha é altamente qualificada e os dinamarqueses gostam de atrair os melhores profissionais. Portanto, nunca tive esse problema. Aliás, como os dinamarqueses falam um inglês perfeito, a integração foi muito fácil.
NM: Para terminar, como é que avalia a experiência até então na Dinamarca? Pensa voltar para Portugal?
NF: A médio prazo não me vejo a voltar a Portugal. Primeiro, porque estou bem estabelecido, a minha investigação está a correr muito bem e, se voltasse a Portugal, iria encontrar os mesmos problemas que me fizeram querer mudar de país. Para quem trabalha na área da ciência e da investigação é difícil trabalhar num país onde as políticas para a ciência são muito instáveis. Consequentemente, a incerteza que daí advém. É muito difícil para quem sai de Portugal e vai para um país cientificamente mais desenvolvido querer voltar e poder desenvolver o seu trabalho ao mesmo nível.