Calma leitores não é de calão que se falará aqui, mas sim do mito gerado no pós 25 de Abril que identificava Portugal como o país dos três “Efes”: Fátima, Fado e Futebol.
A referida trilogia, apesar de conotada com o regime do Estado Novo, nunca deixou de ser utilizada nas descrições sobre Portugal, tendo inclusivamente sido reavivada muito recentemente em Maio de 2017, quando o Papa Francisco visitou o país nas celebrações do centenário das aparições em Fátima; Portugal venceu pela primeira vez o Festival da Canção e o Benfica, o antigo “clube do regime” alcançou o seu primeiro tetracampeonato.
Agora, venho eu reacender o mesmo conceito em referência a um “pós Estado” mas ao de Emergência, por ocasião do plano de desconfinamento aprovado recentemente pelo Governo.
Claro que o primeiro concerto itinerante (pós Covid) tinha que ser de uma fadista. Neste caso de Cuca Roseta que na iniciativa “cidade à janela” e num palco sobre rodas, percorreu as ruas de Lisboa no último fim-de-semana abrangido pelo Estado de Emergência. A iniciativa, que a artista prometeu levar a mais cidades do país, parece ser uma boa solução encontrada para que, mantido o distanciamento social, os artistas cheguem aos seus fãs, atentas as condicionantes da reabertura das salas de espectáculos em Junho.
Claro que a primeira exceção do actual Estado de Calamidade seria para permitir a celebração do 13 de maio no Santuário de Fátima, ainda que sem peregrinos, mas com um grupo considerável de membros da Igreja católica. De resto, depois da manifestação do primeiro de maio, nem tinham outra opção.
E claro que o Futebol tinha que regressar para o término da liga NOS e realização da final da Taça de Portugal. Ainda que as competições nacionais de todas as outras modalidades colectivas tenham sido canceladas pelas respetivas federações, devido à pandemia de covid-19; ainda que o plano de desconfinamento só preveja a prática de desportos individuais (por não pressuporem contacto físico) à excepção do futebol e ainda que seja um desporto que move multidões, com o seu expoente máximo na final da Taça de Portugal, a prova rainha, mas tenha agora que ser realizado à porta fechada- o que no caso da final da Taça em especial, será retirar-lhe todo o encanto.
Este aparente paradoxo é explicável pelos direitos televisivos dos jogos, principal fonte de receita dos clubes que, recusando-se as operadoras a pagar os direitos caso o campeonato não recomece, ficam numa situação económica muito difícil.
Pelo acesso de três equipas portuguesas à “Champions”, a liga milionária, na época 2021/2022 (dois directos e um em “play off”) e o campeonato se encontrar mais competitivo do que nunca.
E pelo facto do Futebol Clube do Porto se encontrar no primeiro lugar da tabela classificativa quando o campeonato foi suspenso e a final da Taça ser defrontada por aquele clube contra o Benfica. Sim porque quando que se diz que o futebol é um clube de “massas” cada vez menos se quer referir a multidões.
Recentemente, o New York Times publicou um artigo polémico no qual, a propósito do pedido de escusa do juiz no processo do alegado hacker Rui Pinto, motivado pelo facto de ser um assumido benfiquista, classifica o clube como um “Estado soberano” em Portugal, país onde “Os juízes, procuradores e até o primeiro-ministro são do Benfica”.
Não tardou a António Costa convocar os líderes dos três clubes vulgo “grandes” do futebol para discutirem em conjunto com a Federação o futuro da modalidade. Ainda que tivesse mais lógica convocar os representantes de todos os clubes que perdem com a falta de verbas dos direitos televisivos (que não se restringem àqueles), ou então os clubes que matematicamente ainda podem ser campeões (idem). Se há algo de que não podem acusar o primeiro- ministro é de não ser diplomata. Principalmente quando um dos maiores jornais do Mundo fala da influência pouco saudável nos órgãos de poder em Portugal, do clube do qual é fervoroso adepto.
Convenhamos, a LPFP estabeleceu os clubes promovidos e despromovidos das ligas portuguesas de futebol profissional que não tiveram autorização do governo para retomar, tendo como referência a tabela classificativa à data de suspensão dos respectivos Campeonatos, decisão essa assente em critérios de mérito desportivo. Caso a liga NOS também não fosse retomada, os mesmos critérios de mérito lhe seriam aplicados, sagrando-se o Futebol Clube do Porto campeão com mais um ponto do que o Benfica, retirando a este último a possibilidade do bicampeonato e a luta pelo tão almejado penta nos próximos anos.
Os mesmos critérios serão provavelmente aplicados, caso a pandemia se agrave entretanto (esperemos que não) ou algum ou alguns jogadores de uma ou várias equipas venham a testar positivo (idem) já durante o recomeço do campeonato. Na eventualidade de uma subsequente suspensão definitiva do campeonato, estando este pelo menos até ao momento tão competitivo, a tabela classificativa já se poderá ter alterado.
Termino como comecei: Portugal ainda é o país dos três “Efes”…mas uns movem mais que outros.
A autora escreve segundo a antiga ortografia
Angelina Lima