Não tendo ganho as eleições legislativas, a verdade é que hoje António Costa e o Partido Socialista são Governo. E Passos Coelho e a Coligação PSD/CDS-PP, apesar de as ter vencido, são Oposição. É certo que a tradição já não é o que era, e portanto de futuro, é bom que o partido que vencer eleições legislativas sem maioria absoluta, não alimente grandes festejos. Mas a verdade é que esta situação de facto que vivemos actualmente, e desde 26 de Novembro de 2015, é do ponto de vista constitucional perfeitamente legítima, pelo que nada a acrescentar ou a contestar a esse propósito.
Passaram-se entretanto quatro meses…de novo Governo…e de nova Oposição, em que António Costa é Primeiro-ministro e Passos Coelho Líder da Oposição. E em que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, que viabilizaram o Governo socialista no Parlamento, são por isso quase sempre “Governo”, apesar de pretenderem também ser Oposição. Mas em que o próprio CDS-PP, agora também na Oposição, quer parecer diferente do seu então parceiro de coligação, com quem esteve até há poucos meses no Governo.
Aliás, o que tudo logo se percebeu com a discussão e aprovação do Orçamento Rectificativo de 2015, apresentado pelo Governo liderado por António Costa, a propósito da medida de resolução aplicada ao Banif, que apenas foi viabilizada na Assembleia da República, face à abstenção do PSD (três deputados da Madeira votaram mesmo a favor…), uma vez que BE, PCP, CDS-PP, PEV e PAN votaram todos contra.
Sendo que entretanto, Paulo Portas, o Vice-primeiro ministro do Governo de Passos Coelho saiu de cena, deixando a liderança do CDS-PP. Claramente não quis continuar neste filme. Passou o testemunho a Assunção Cristas, que já promete “trabalhar para ser a primeira escolha dos portugueses”.
Por sua vez, nestes primeiros quatro meses, António Costa não surpreendeu. Fez a vontade ao BE e ao PCP, e promoveu a reversão dos contratos de concessão dos transportes públicos, da Carris/Metro de Lisboa, do Metro do Porto e dos STCP. E Colocou em causa o processo de privatização da TAP que o anterior Governo havia desenvolvido e concretizado, “obrigando” o consórcio privado a abrir mão de parte do capital da companhia que havia comprado. Mesmo perante a acusação do “Finantial Times” de que este tipo de acções poderia colocar em crise a credibilidade externa de Portugal, designadamente perante investidores estrangeiros.
Em contrapartida, António Costa conseguiu mobilizar a vontade do BE, PCP e PEV para aprovar o Orçamento do Estado para 2016. Orçamento que afinal não ditou o fim das medidas de austeridade, como era suposto, e que na opinião de grande parte dos analistas, e da própria Comissão Europeia, levanta as maiores reservas sobre a real capacidade da sua execução. A presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso, alerta mesmo para a necessidade de medidas adicionais para que o Orçamento do Estado possa ser cumprido…
São as consequências da gestão dos equilíbrios, da conciliação do quase impossível, que António Costa tem diariamente que fazer com partidos de uma esquerda mais radical, com quem o Partido Socialista tradicionalmente não se revê, mas que é uma tarefa absolutamente essencial para a sobrevivência do actual Governo.
Daí que a questão que se coloca, é até quando é que António Costa vai conseguir manter-se em cima do arame?… É que o BE e o PCP, em boa verdade, não são Governo, não integram este Governo, apenas asseguram a sua existência enquanto assim o entenderem. Para o bem e para o mal, este Governo é mesmo do Partido Socialista, que apenas tem 86 deputados, dos 230 que constituem a totalidade da Assembleia da República.
Sendo que a próxima batalha de António Costa ocorrerá já durante este mês de Abril, quando o seu Governo tiver de enviar à Comissão Europeia o “Programa de Estabilidade” que define as metas de médio prazo a nível orçamental do país. Programa que antes de ser remetido a Bruxelas, vai ser discutido na Assembleia da República, sendo bem conhecidas as divergências do BE e do PCP com o PS sobre os graus e formas de integração europeia, e designadamente, para com as exigências da Comissão Europeia. Recorde-se que em Outubro do ano passado, Marisa Matias do BE e João Ferreira do PCP chegaram mesmo a clamar no Parlamento Europeu, pela rejeição do “Tratado Orçamental”!
Um desafio permanente, a sobrevivência do Governo de António Costa.
E Passos Coelho, enquanto Líder da Oposição?
Não é também fácil a vida do ex Primeiro-ministro, que retirou o país da bancarrota e lhe devolveu a credibilidade internacional. E que apesar de ter vencido as eleições, foi impedido de continuar a governar por uma “coligação de esquerda”, entretanto construída no Parlamento.
Pedro Passos Coelho foi recentemente reeleito para mais um mandato na presidência do PSD e acredita que tem condições para voltar a liderar o país. Mas a concretização dessa vontade estará sempre dependente do insucesso do Governo de Costa ou do grau de turbulência no seio da actual maioria parlamentar de esquerda. Sendo que para o bem e para o mal, Passos Coelho será sempre igual a si próprio, mesmo na Oposição, obstinado pelas suas convicções e sempre alinhado com a extensão do que lhe dita o sentido de responsabilidade. Daí que tenha votado contra o Orçamento do Estado para 2016 e tenha viabilizado o Orçamento rectificativo de 2015, a propósito da resolução do Banif. Mas Passos Coelho sabe que precisa ainda de executar uma outra tarefa, agora que não existe “Memorando da Troika”, nem coligação com o CDS-PP: a de recentrar o PSD na social-democracia, retirando-o da “direita”, como foi frequentemente qualificado durante o tempo em que esteve na governação do país…Esperemos o que sobre esta matéria, nos diz o Congresso do próximo fim-de-semana, em Espinho.
Entretanto, a vida dos portugueses continua, esperando, pelo menos, que os sacrifícios que fizeram nos últimos anos não tenham sido em vão…
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia