Festejamos no passado dia 9 de Maio o “dia da Europa”, dia em que se assinalou mais um aniversário da famosa “declaração Schuman”, de 1950, considerada a semente da actual União Europeia. Dia de, e para muitas reflexões.
E se é verdade que a União Europeia não é uma construção perfeita, nem sequer um projecto acabado, a verdade é que o grande objectivo do então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, foi alcançado. Depois de duas guerras devastadoras durante a primeira metade do século XX, num espaço curto de trinta anos, a Europa mantém-se em paz há mais de setenta anos. Um dos períodos mais longos de paz da sua história, designadamente dos últimos trezentos anos.
E sendo um “espaço” ainda muito assimétrico, constituído por países e regiões em estádios de desenvolvimento muito distintos, e que por consequência, não garante níveis similares de bem-estar a todos os seus cidadãos, não podemos esquecer que é no seio da União Europeia, cujo conjunto dos seus Estados Membros possui apenas 7% da população mundial, onde, anualmente, se despende cerca de 50% do valor destinado em todo o mundo ao chamado “estado social”.
Falo ainda de um “espaço”, que representa aproximadamente 25% do PIB do nosso planeta, e que é o principal doador de ajuda ao desenvolvimento a nível mundial, com uma responsabilidade superior a 50%.
Esta é a União Europeia, onde os valores da solidariedade, da tolerância e da defesa e promoção dos direitos humanos, atingem a sua maior concretização. Possivelmente o melhor “espaço” do mundo para se viver…Mas que enfrenta hoje desafios que não pode ignorar.
Desde logo, a permanência ou não do Reino Unido, de um país que é a quinta maior economia do mundo, que é membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que tem um estatuto na Nato que todos reconhecem, e uma influência na história da Europa que ninguém questiona. A eventual saída do Reino Unido da União Europeia, em resultado do referendo do próximo dia 23 de Junho, lançará com toda a certeza o projecto europeu para uma crise, cuja dimensão não é nesta altura estimável. Haverá desde logo quem entenda que a União Europeia, com o grau de integração que hoje conhecemos, não faz sentido sem a presença do Reino Unido, e questione até também a sua permanência. E por outro lado, é bem provável que a Escócia, por sua vez, decida mesmo sair do Reino Unido… e talvez manter-se na União Europeia. E então de seguida, quem sabe se a Catalunha não fará o mesmo com a Espanha. E por aí fora…
Outro dos desafios que a União Europeia enfrenta nos dias de hoje, e que não tem conseguido estar à altura das suas responsabilidades, prende-se com o acolhimento dos refugiados que chegam pelo mediterrânio, vindos da Síria, do Iraque, do Afeganistão, da Eritreia, da Líbia e de outros territórios em guerra. Apesar dos esforços da Comissão, e reconheça-se da própria Chanceler Angela Merkel, a União Europeia não tem conseguido implementar uma politica comum de ajuda partilhada e de distribuição (muito menos de integração…) dos refugiados pelos seus Estados Membros. Pelo contrário, em contradição com a sua tradição e cultura de tolerância, solidariedade e promoção dos direitos humanos, são frequentes as manifestações de xenofobia e indiferença a que se assiste em muitos dos territórios da União Europeia. A Hungria construiu mesmo barreiras nas suas fronteiras para impedir a entrada de refugiados e o seu Primeiro-ministro, Victor Orbán, dá sinais claros de recusa em participar nos esforços de redistribuição propostos pela Comissão Europeia. Entretanto, na Alemanha, Angela Merkel vê a sua popularidade claramente diminuída, e em contrapartida, o novo partido da extrema-direita, com um discurso, claramente anti-imigração, “Alternativa para a Alemanha”, alcançou resultados surpreendentes nas eleições regionais do passado mês de Março.
Estamos perante problemas que afectam inequivocamente a credibilidade e a própria liderança da União Europeia pelo exemplo, como sempre defendemos. Mas um outro desafio se impõe também a este projecto de construção e integração europeia, nesta época da globalização, e que é igualmente importante para a sua sobrevivência: a da afirmação de uma economia sólida e competitiva, continuando a ser o espaço dos direitos sociais e laborais.
Não podemos esquecer, que apesar dos vinte e oito Estados Membros da União Europeia serem ainda responsáveis, no seu conjunto, por cerca de 25% do PIB mundial, nenhuma das dez maiores empresas do planeta pertence actualmente à Europa. A globalização provocou a deslocalização dos sistemas produtivos e a evolução das tecnologias de informação tornou o tempo e o espaço mais próximos. Tudo ficou mais incerto, menos previsível e mais volátil, mas também mais interdependente. Os ciclos económicos são cada vez mais curtos. E mais importante, nasceram novas potências económicas, que não têm problemas de “direitos adquiridos”, que pouco ou nada conhecem de direitos sociais e que têm uma cultura muito diferente sobre os direitos laborais, com quem os países da União Europeia têm de conviver e competir todos os dias. Sendo que hoje tudo acontece e se processa de forma muito rápida. Em 1990 a China tinha 1 milhão de automóveis, em 2012, já possuía 100 milhões. Em 2008 os Estados Unidos eram deficitários em termos energéticos, hoje, fruto do desenvolvimento de tecnologia que lhes permitiu extrair gás e petróleo a partir do xisto, são uma super-potência energética…
Um desafio difícil, este, assente numa equação complexa, mas também decisivo para o futuro da União Europeia. É que por muita vontade que exista na acção política, não se vislumbra como será possível ambicionar a manutenção do nosso modelo de vida, sem uma economia que assegure a sua sustentabilidade.
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia