O Padre Domingos Jorge Duarte do Aido nasceu a 16 de julho de 1944, em Arouca. Escolheu este caminho do sacerdócio com apenas 10 anos e acabou por vir estudar para a Diocese do Porto. A sua missão encaminha-o para o Seminário do Bom Pastor e, em 1989, vem para a Maia, na altura, com a Igreja da Nossa Senhora da Maia a começar a ser construída.
Provavelmente, todos os maiatos conhecem ou já ouviram falar do Padre Domingos. A sua vida cruza-se com a da cidade e já leva mais de 30 anos de história no concelho.
O NOTÍCIAS MAIA conversou com o Padre Domingos e, entre vários assuntos, perguntou-lhe se um padre também perde a fé. Uma entrevista que vale a pena ser lida até ao fim, por devotos e não devotos, e que nos dá a conhecer este maiato emblemático.
Notícias Maia (NM): Como é que decide ingressar pelo caminho do sacerdócio? Com quantos anos?
Padre Domingos Jorge (PDJ): Podemos dizer que tinha 10 anos. Estava a sair da 4ª classe. Foi um padre comboniano à minha escola e perguntou quem queria ser missionário comboniano. Na altura eu e outro colega levantamos-mos. Depois ele pediu para falar com os meus pais e enviou-me uma carta. Então o meu pai disse que eu não ia para as missões mas sim para a diocese do Porto. E assim foi.
NM: A decisão então passou muito pelo seu pai.
PDJ: Sim, mas foi o padre comboniano que me tocou, chamava-se ngelo de Lassalandra. Lembro-me que ele falou comigo e mandou-merezar.
NM: O padre nasceu em Arouca, como é que vem parar à Maia?
PDJ: Eu terminei o meu curso, fui ordenado diácono, e escrevi ao D. António para ir para uma paróquia. Ele então perguntou-me se eu queria ir para o Seminário do Bom Pastor ensinar. Permaneci lá 20 anos. Lá eu tinha a gestão da casa toda, eram 250 alunos e dezenas de professores. Numa altura fui falar com o D. Júlio sobre questões económicas do Seminário e ele tinha recebido uma carta do pároco da Maia, o Padre José Pinheiro Duarte. Ele leu-me a carta que dizia que o padre já tinha idade e queria sair. E como havia uma igreja a ser construída, a Igreja Nova, sugeriu que eu viesse para a Maia. Isto acontece em 1989 na altura da bênção da primeira pedra.
NM: É o padre que dá o nome de Nossa Senhora da Maia à paróquia e que promove o restauro da Nossa Senhora do Bom Despacho e ainda a sua proclamação enquanto Santuário. Qual pensa que será o maior legado que deixará na Maia? Do que se orgulha mais?
PDJ: Não orgulho de nada, caminhei. As pessoas caminharam comigo e eu incentivei. E, portanto, um padre vive para isto.
NM: O que é que falta fazer?
PDJ: Algumas coisas. Já há projetos. No parque de estacionamento queremos fazer lá um salão de Catequese porque a igreja foi feita sem Cripta. Na altura da construção perguntei ao arquiteto o porquê e ele disse que não se fez porque as pessoas não quiseram, não colocaram problemas. Até porque tinham uma má ideia de uma Cripta e que depois se poderia tornar um salão de jogos. Uma Cripta elevaria mais a igreja mas, na altura, a obra já estava adjudicada e eu não pude fazer nada. Agora o espaço será para um grande salão e para uma casa paroquial. Esta casa paroquial não será para o padre viver mas terá três andares que vão servir para uma secretaria, uma casa paroquial, para um padre que esteja de passagem, e dois andares para uma residência de estudantes.
NM: Qual é que acha que foi a maior mudança que a Igreja Católica sofreu nos últimos anos?
PDJ: O Concílio Vaticano II trouxe o conceito da Igreja Povo de Deus. Antes havia mais a divisória com os leigos, os padres e a hierarquia. Na Igreja Povo de Deus cada um tem a sua missão. Todos nós participamos da mesma missão, o padre, como ordenado, preside, mas o povo não assiste, participa. E a eucaristia já não é para ser assistir, mas sim para celebrar. A Igreja Povo de Deus trouxe a transformação na mentalidade das pessoas que olhavam para a igreja como uma sociedade hierárquica.
NM: Quais são as maiores diferenças que nota desde os primeiros anos enquanto padre e os tempos de hoje? As pessoas estão mais devotas?
PDJ: Talvez haja uma coisa que eu aprecio. As pessoas estão mais interessadas em descobrir e aprofundar, por isso há mais encontros nesse sentido.
NM: E esse interesse vem dos mais jovens ou dos mais velhos?
PDJ: Vem de todos. Agora os jovens passam ali uma determinada altura sem orientação, porque, muitas vezes, falta-lhe os pais que os educaram sem princípios. Mas depois também há jovens aqui de alma e coração. Nós temos o grupo de jovens e a catequese toda entusiasmada.
NM: Nesse sentido, porque é que agora os jovens não são tão devotos?
PDJ: Eu nem diria devotos. Hoje em dia a sociedade está muito materializada. Quase que dispensa Deus. Quando as pessoas se encontram diante de uma situação, se abrem a Deus, é preciso acolher. E às vezes os jovens não são acolhidos. É preciso ouvi-los nas suas dificuldades o padre orienta e ajuda nesses momentos.
NM: Qual será o futuro da Igreja? Haverá alguma mudança estrutural?
PDJ: O futuro é a Evangelização. Precisamos de levar a Evangelização e ter uma atitude de saída para o encontro de uma sociedade que está paganizada. E a Evangelização é o encontro. Tu reencontras alguém e, ao falar com essa pessoa, entusiasmas-te. Perguntas e tens respostas. Não se trata de convencer as pessoas porque a fé a Jesus Cristo tem de ser uma atitude interior.
NM: Acha que está a faltar o passar a palavra e o dar a conhecer?
PDJ: Também. As pessoas têm vergonha de falar. Eu às vezes falo disso na homilia. Se perguntares a alguém se quer ir à missa, muitas vezes recebes uma resposta pejorativa. Mas se for ao futebol, então já é natural. Encontrei um jovem que teve esse dilema e acabou por vir à missa, porque soube transmitir o que sentia sem vergonha. Na sociedade de hoje não se convida para ir à missa.
NM: E falando dos dias de hoje. Qual foi o impacto da pandemia na igreja e nas comunidades?
PDJ: Houve um ponto de rutura com muitas coisas e um abanão. Depois vieram as leis que nos deram orientações. Também foi um encontro de famílias, a verdadeira família encontrou-se consigo mesma. Houve tempo para os filhos e para os outros.
NM: A fé em Deus torna-se importante em momentos onde somos colocados à prova?
PDJ: A fé não é uma moeda de troca, é uma atitude pessoal. Eu tenho a quem me dirigir e sei quem Ele é. Deus não é só Deus dos cristãos, é Deus do Universo. Eu peço sempre para que os especialistas encontrem a vacina, e pode não ser um cristão. Deus também fala através deles.
NM: E acredita que estaremos a ser colocados à prova enquanto humanidade?
PDJ: Talvez, sim. Isto foi um abanão. Onde é que se pensa que se situa a grandeza de uma pessoa? Ter e usar. Isto foi um abanão que nos lembrou que fazemos parte da mesma sociedade, não é o dinheiro que compra, nem o saber, porque a pandemia não escolhe. A pandemia fez com que reconsiderássemos o valor da vida. Esta não é uma morada permanente. Interrogamo-nos sobre os homens do poder que vêm milhares de mortos e é como se nada fosse, porque eles estão seguros.
NM: “Esta não é uma morada permanente”. Estamos de passagem?
PDJ: Estamos de passagem e a vida é uma porta de saída.
NM: Este ano as celebrações religiosas das Festas da Maia serão diferentes.
PDJ: Sim, mas não vamos deixar de as fazer. Não podemos fazer concentrações mas vai haver a celebração da Nossa Senhora do Bom Despacho e, se calhar, o coração vai trabalhar mais. O essencial é o seguimento da Nossa Senhora do Bom Despacho. Este ano não havia os habituais milhares de pessoas em Fátima, mas o meu coração estava lá. Tenho uma grande alegria para este ano. No dia 5 de julho, foi ordenado padre um jovem jesuíta daqui da Maia, em Coimbra. O João Sarmento foi batizado nesta igreja e, na segunda-feira do feriado, vai celebrar a sua primeira missa.
NM: Qual era a mensagem que gostaria de deixar aos maiatos para estas festas?
PDJ: Caminhemos. E como estamos perto da Nossa Senhora do Bom Despacho, caminhemos à sua luz. Saibamos celebrá-la de coração. Maria foi fiel a Deus e, não foi por isso que não teve muitas dificuldades. Sigam Maria, nossa senhora que preside a esta igreja. E que um dia fez um milagre ao longe.
NM: Qual foi o milagre?
PDJ: Em 1730 havia um homem aqui na Maia que estava na Baía do Brasil. Ele ia ficar cego, tinha percorrido tudo e lembrou-se da Nossa Senhora do Bom Despacho. Chama-se Domingos Luís Barreiros Tomé. Depois ele é curado e escreve ao padre daqui para contribuir na construção deste Santuário. E foi enviando dinheiro para igreja ficar maior, porque só havia um pequeno espaço construído. Foi uma dádiva, é um homem que fez muito pela Maia. Ele estava sepultado aqui e eu trouxe duas tampas tumulares cá para cima para as pessoas se lembrarem mais dele.
NM: Disse-me que não deixou nenhum legado. Mas em que momentos é que se sente mais realizado?
PDJ: A eucaristia, para mim, é extraordinária. Encontro-me com Deus e com as pessoas. Depois, no dia-a-dia, eu conheço muitas das ruas da cidade porque fazia uma caminhada todas as semanas e ia falando com as pessoas. Algumas quase que se confessavam no caminho. O nosso jornal também fez uma caminhada muito importante porque deu a conhecer. E tudo o que é da igreja tem que se dar a conhecer. O que se faz, o dinheiro que se recebe e para onde ele vai.
NM: Um padre também perde a fé em alguns momentos?
PDJ: Pode às vezes sentir-se abanado. Não é perder a fé, é questionar. E questionar-se também é uma forma de interrogar. A fé é um dom que não se perde.
NM: O que é que acha que leva alguém a não acreditar em Deus?
PDJ: É traduzir pelo imediato e pelo mais útil. Ainda há pouco dizia que a sociedade de hoje baseia-se no ter, no poder e no usar. A descoberta da fé é uma descoberta que implica empenho. Eu, querendo e me abrindo, vou-me interrogando várias coisas a nível espiritual e humano.
NM: Alguma consideração final?
PDJ: O jovem deve vir. Tentar descobrir e ser capaz de se interrogar. Fé, Esperança e Caridade são os três pilares essenciais. A Fé em Deus, a Esperança nele e a Caridade que é o amor. E o amor não é um amor possessivo, mas um amor que é uma dádiva. A relação com Deus é sempre uma atitude de esperança.
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