A recente tragédia ocorrida às 18 horas 08 minutos e 18 segundos em Beirute, capital do Líbano, parou o mundo – uma vez mais – e fez-nos refletir sobre as causas e as consequências de tal acontecimento. A forte explosão na capital do Líbano, na tarde de terça-feira, causou já 135 mortos, cerca de cinco mil feridos e dezenas, até ver, permaneceram desaparecidos.
Este desastre, embora com níveis de energia inferiores, é já comparado ao de Hiroshima e de Nagasaki, devido ao rasto de destruição provocado pela explosão de milhares de toneladas de nitrato de amónio.
Ainda não são conhecidas as causas deste acontecimento, se o mesmo teve origem num ato criminoso, acidental ou negligente, mas uma investigação da rede de televisão árabe Al Jazeera compilou vários documentos importantes, nomeadamente materiais públicos recolhidos nos últimos anos, e concluiu que a substância já era conhecida por parte das autoridades libanesas, que sabiam do perigo que representava, constituindo um risco de explosão iminente.
A mesma investigação jornalística revela que o nitrato de amónio entrou em Beirute em 2013, através de um navio proveniente da Rússia, que atracou na capital libanesa devido a questões técnicas. Depois do incidente a tripulação deixou o navio ao abandono e, consequentemente, a carga explosiva também.
Hoje, sabemos que o Governo Libanês já decretou o estado de emergência por duas semanas e ordenou a prisão domiciliária dos responsáveis pelo porto de Beirute.
Ora, apesar do recente terror vivido em Beirute, a verdade é que a cidade que outrora ficou conhecido por “Paris do Médio Oriente” sentia já períodos de grande instabilidade política, social e económica.
A tragédia que neste momento assola o Líbano não é o resultado de ações aleatórias do destino, nem tampouco poderá ser considerada “falta de sorte”. O povo libanês há muito que sofre nas mãos de atores políticos e gente influente que usa o governo do país e a gestão da vida pública, como meio para garantir a subsistência dos seus interesses.
Durante uma crise económica de grande escala, fações políticas opostas a lutar entre si, o povo faminto e revoltado na rua, este incidente era tudo o que não poderia acontecer e como disse uma importante personalidade da TV Libanesa, o Chef Antoine El Hajj, “a classe média tornou-se pobre e os pobres tornaram-se indigentes “. A perda efetiva do único porto principal do Líbano, que também acolhia os principais armazenamentos de trigo e cereais de Beirute, servirá para agravar os problemas de segurança alimentar que o país enfrenta no curto e médio prazo.
Portanto, não foi surpresa que a explosão tenha imediatamente gerado uma onda de especulações e suspeitas sobre as origens e a responsabilidade pela explosão. Para alimentar este estado de desconfiança, eis que surge Donald Trump, à sua boa maneira (que é sem maneiras ou respeito por quem está a sofrer neste momento), a injetar ainda mais combustível num país já bastante inflamável, levantado suspeitas de estarmos perante um “ataque terrível” ao Líbano e, posteriormente, especulando que era uma “bomba de algum tipo”.
Ainda que estejamos perante uma profunda incompetência ou negligência do governo libanês, é importante notar que a incompetência e a corrupção no Líbano são parcialmente alimentadas pela interferência de outras potências, nomeadamente o Irão e a Arábia Saudita. O sistema de governo do país divide o poder por grupos sectários, entre sunitas, xiitas e cristãos. Os políticos e funcionários muitas vezes veem as suas posições como uma forma de enriquecimento pessoal, sendo subornados por terceiros para criar condições de maior instabilidade num país já fragilizado.
No entanto, na sequência de uma tragédia surge também a esperança de um futuro melhor. A esperança deve ser devolvida ao povo libanês por todos nós, através da ajuda internacional, mas sobretudo pela sua classe política, que terá de ser capaz de colocar de lado os interesses e as esferas de influência definidas no acordo de partilha do poder celebrado pós-guerra civil e que tem levado à erosão deste país.
Por fim, não podemos deixar de refletir sobre as circunstâncias da nossa vida, o que somos, onde estamos e o que seríamos se fôssemos oriundos de outro país, vivêssemos sob a alçada de outro regime político, tivéssemos outra religião e diferentes hábitos culturais.
Este acontecimento em Beirute recorda-me uma conversa promovida pela JSD Maia com o Pedro Cruz, jornalista e subdiretor de informação da SIC. Tive o privilégio de moderar esta conversa e explorar um pouco do seu percurso profissional e esmiuçar o que viveu nos diferentes teatros de guerra por onde passou, nomeadamente na guerra Líbano-Israel, em 2006.
Nunca me esquecerei das palavras do Pedro quando afirmou que sempre que voltava a Portugal, voltava diferente. Ele dizia-nos que “depois de veres pessoas a morrer à fome, crianças que não podiam ir à escola e lutar por um futuro, mães que perdiam os seus filhos por força de conflitos bélicos, passas a dar mais importância a valores como a paz, o conforto, a segurança, a educação e a relativizar algumas das minudências que por cá se continuam a discutir”.
Eu nunca vivi o que o Pedro viveu, nem nunca senti o que aquelas crianças sentiram, mas o seu testemunho serviu para perceber a sorte que tenho pelas coordenadas da minha vida.
Bruno Bessa
Advogado Estagiário
Presidente da JSD Maia