A pandemia de Covid-19 criou uma autêntica revolução. A segurança e a resiliência das organizações, tal como os seus valores, começam a pesar mais do que a prespetiva dos novos desafios e dos novos projetos que acarretam riscos.
A pandemia alterou profundamente a forma como nos relacionamos e como encaramos o dia-a-dia. Entrou nas nossas vidas de maneira abrupta, sem pedir licença, condicionando as rotinas e criando desafios até então inimagináveis. Também nas relações laborais o impacto diário é intenso. Palavras como lay-off, redução e suspensão entraram na ordem do dia. O teletrabalho passou de excepção a regra.
Para compreender melhor a perceção real desta revolução, fomos falar com alguém que conhece de perto o mercado de trabalho e diariamente observa todas estas alterações. Para tal escolhemos o Daniel Sacadura Cabral, Diretor Geral do Grupo Intelac.
Esta empresa instalou-se na Maia no início do ano, abrindo portas precisamente no período mais crítico da pandemia. No entanto, a sua história é mais antiga. Nasceu em 1998 como empresa local de Trabalho Temporário reunindo já nessa ocasião um conjunto de profissionais com conhecimentos na área. Com o passar dos anos, ganhou a experiência do negócio tendo alargado o âmbito dos seus serviços ao Outsourcing, ao Recrutamento e à Gestão de Recursos Humanos.
Notícias Maia (NM): Como é que as empresas estão a reagir ao regresso ao trabalho?
Daniel Sacadura Cabral (DC): A pandemia afetou as empresas de forma desigual, para algumas houve uma paragem total da atividade, outras continuaram a trabalhar privilegiando sempre que possível o teletrabalho. Para os que puderam continuar a trabalhar desde casa, a transição para um ambiente de escritório esteve mais ligada a aspetos logísticos, da adaptação do espaço de trabalho por forma a manter o distanciamento social, da disponibilização e correta utilização de equipamentos de proteção individual e do reforço das medidas de higienização dos espaços.
Para os que estiveram parados, a todos estes aspetos somou-se a necessidade de refazer, formar e motivar as equipas de trabalho.
Porém penso que se notou tanto da parte dos empresários como dos trabalhadores uma grande vontade de regressar ao trabalho assumindo uma postura socialmente responsável, protegendo-se e protegendo os outros.
NM: Há agora diferentes necessidades no que concerne ao recrutamento de colaboradores?
DC: Prevê-se que os colaboradores passem a valorizar fatores como a segurança, resiliência da organização e os seus valores em detrimento dos desafios dos projetos e do risco assumido da própria sobrevivência da organização a que se candidatam.
Num mundo cada vez mais incerto e volátil as empresas têm de saber transmitir os seus valores e solidez assim como precisam de identificar pessoas resilientes e com competências centradas no desenvolvimento e mudança, na autonomia e na habilidade de identificarem e gerirem os riscos do quotidiano sabendo adaptar-se com rapidez a mudanças bruscas do seu entorno.
NM: Como se realiza uma entrevista de emprego nos tempos de hoje?
DC: Com a pandemia a maioria das entrevistas de emprego foram realizadas sempre que possível com recurso a ferramentas de videoconferência.
Embora com o desconfinamento se tenha aumentado o número de entrevistas presenciais, as entrevistas à distância foram uma experiência positiva que deve e vai ser retida e mesmo privilegiada na medida em que permitem não apenas manter a qualidade do recrutamento como também chegar a mais candidatos visto que estes não necessitam consumir o seu tempo em deslocações à empresa recrutadora.
No período pós pandemia terá aumentado a percentagem de entrevistas à distância embora as entrevistas presenciais manterão a sua predominância.
NM: Como funciona o recrutamento de recursos humanos em tempo de pandemia?
DC: O recrutamento em pandemia terá sempre como principal objetivo complementar a satisfação das necessidades do cliente com a contenção da propagação do vírus.
Exige neste período quer aos recrutadores quer aos técnicos de recursos humanos uma atenção às alterações temporárias de legislação laboral como por exemplo alterações por encerramento de escolas e assistência a familiares.
Reforça-se também a disponibilidade do recrutador para esclarecer as dúvidas e natural ansiedade dos colaboradores, motivada por situações não previstas e incertas no tempo presente.
NM: Quais foram as principais alterações ao mercado de trabalho temporário?
DC: A redução da atividade económica levou a uma redução quase imediata dos trabalhadores com vínculo precário e a prazo, pelo que todo o setor do trabalho temporário foi negativamente impactado por esta necessidade que as empresas sentiram de ajustarem o número de trabalhadores à sua atividade.
Acresce o facto de, no entendimento da grande maioria dos juízes, as empresas de trabalho temporário não serem enquadráveis no regime de lay-off simplificado que suporta parte do pagamento dos salários.
Em consequência estima-se que metade dos trabalhadores temporários em funções quando a pandemia foi declarada tenham perdido o seu emprego e engrossado o número de desempregados.
Em funções mais qualificadas e nos setores mais resilientes à pandemia, assistiu-se também ao aumento da contratação de trabalhadores temporários em teletrabalho.
NM: As empresas estão sujeitas a regras de saúde pública mais apertadas?
DC: Sim, com o progressivo desconfinamento, as empresas, setor a setor, tiveram que se adaptar a regras e restrições negociadas com a Direção Geral da Saúde. Mesmo as empresas que não foram obrigadas a fechar durante o estado de emergência incorporaram nos seus planos de contingência e normas de conduta as recomendações da DGS. Torna-se essencial que as empresas, sobretudo as que contactam com o público transmitam uma sensação de segurança.
NM: Há dificuldades em aspetos essenciais como, por exemplo, na mobilidade dos colaboradores?
DC: A mobilidade dos trabalhadores sobretudo em setores de mão-de-obra intensiva
continua a fazer-se com recurso aos transportes públicos sendo que uma parte significativa da população tem receio do uso destes devido a sobrelotação em horas de ponta.
Daí recomenda-se quando possível o desfasamento de horários e a disponibilização de transporte privado por parte das empresas utilizadoras de mão-de-obra.
NM: A necessidade do uso de ferramentas mais digitais criou barreiras?
DC: A súbita passagem a teletrabalho de uma parte muito significativa da força de trabalho evidenciou a necessidade já antiga e prevalecente de reforçar as competências digitais dos colaboradores através de formação muitas vezes negligenciada e adiada pelos responsáveis das organizações.
A estas lacunas que ainda se notam em alguns dos colaboradores, juntam-se uma série de obstáculos logísticos e técnicos a ultrapassar. Nomeadamente é necessário garantir equipamentos em casa de cada colaborador, disponibilizar um acesso à rede com velocidade, assegurar o conforto e a privacidade possíveis dos colaboradores em suas casas e ainda fazer cumprir as regras de proteção de dados.