Nuno Borges tem 23 anos e é um nome cada vez mais sonante no ténis nacional. Maiato de gema, deu nas vistas quando no último Circuito Sénior da Federação Portuguesa de Ténis venceu João Sousa, o tenista português melhor classificado no ranking mundial.
O jovem tenista é aquilo a que podemos chamar uma promessa mas a verdade é que, apesar de competitivo, sempre levou o desporto com leveza. Conta-nos que aos 18 anos foi estudar para os Estados Unidos, por não se sentir ainda preparado para participar num Circuito Nacional. Partiu para a Universidade de Mississippi State e formou-se na área da fisioterapia, ciências médicas e da preparação física. Regressou a Portugal em 2019 e acaba de se sagrar campeão nacional.
O NOTÍCIAS MAIA abordou esta vitória, o percurso e o futuro. Atualmente é o número 599 no ranking da Associação de Tenistas Profissionais (ATP) mas, até ao final do ano, espera chegar ao Top 300. Um dia, ao Top 100.
Notícias Maia (NM): Como é que o ténis entra na tua vida?
Nuno Borges (NB): Não tenho nenhuma razão específica exceto o facto do Complexo de Ténis da Maia ser muito perto de onde eu vivo. Na altura estava a entrar na escola, com seis anos, e, apesar de já andar na natação, quis praticar outro desporto. Era miúdo e tinha muito tempo livre (risos). Escolhi o ténis, acabei por gostar e fui continuando a jogar!
NM: Quando é que entendeste que podia passar de um desporto para uma profissão?
NB: Foi bem mais tarde. Não fui daqueles miúdos que com 12 anos já achava que queria fazer isto da vida. Já levava a sério mas não pensava muito nisso. Sempre mantive em aberto mas nunca abdiquei dos estudos para jogar. Sempre tive os dois em prioridade igual, talvez até priorizasse mais os estudos. Quando fui para os Estados Unidos é que percebi que queria fazer mesmo isto.
NM: Foi aí que levaste o ténis ainda mais a sério?
NB: Eu sempre encarei o treino a sério. Gostava de fazer as coisas direitas e, já aos 12 anos, não me distraia para brincar e queria ganhar. Acho que trabalho mais duro hoje do que trabalhava há um ano atrás e sempre foi assim. Consigo ir vendo o que posso melhorar e trabalhar nesse sentido. A motivação também aumenta. Aos 15 anos eu via os outros miúdos que eram melhores que eu e sabia que eles treinavam mais. Então o meu treino tinha que valer por dois. Eu gostava de sair do treino a pensar que valeu a pena.
NM: Qual é o primeiro momento marcante que te recordas no Ténis?
NB: Eu sempre gostei muito de competir, até fora do campo. O meu primeiro torneio foi um marco por sentir aquele nervosismo de estreante. Acho que foi o competir que me deu vontade para continuar e querer sempre jogar. Apesar de detestar perder e lidar muito mal com isso (risos).
NM: Foi difícil, enquanto miúdo, conseguir o rigor e a disciplina que um desporto de competição exige?
NB: No início era muito levezinho, treinava no máximo duas vezes por semana, uma hora por dia. Era brincadeira e diversão. Acho que, nessas idades, deve ser mesmo assim e não se devem levar as coisas muito a sério. Depois corres o risco de chegar a uma idade mais avançada e já estares farto e sem paciência. Eu acho que passei por todas as etapas e, nessa altura, era só diversão. Quando achei que estava pronto, levei a sério! Mas é preciso passar pela brincadeira para aproveitar este desporto. não pode ser só trabalhar.
NM: Hoje, aos 23 anos, sentes que estás no sítio certo? Orgulhas-te de ter chegado até aqui e de ter conquistado este caminho?
NB: Sem dúvida. Desde ter participado nos grandes torneios nos juniores e ver toda aquela realidade, foi um marco. Sinto muito orgulho em ter ido para os Estados Unidos e ter ganho muito lá, depois ter ganho torneios internacionais e ganhar agora o nacional. Penso muito neste meu percurso e, quando olho para trás, apetece-me chorar. Sou muito emotivo acerca disso. Só de pensar em tudo o que passou, fico muito feliz pelo que já está feito.
NM: Em que fase da tua vida, enquanto tenista, é que achas que te encontras?
NB: Eu sinto que tenho muito para progredir. Ainda não encontrei o meu potencial, digamos assim. Acho que estou no caminho certo e que preciso de continuar a evoluir. Acredito mesmo que não é aqui que vou ficar e que posso ir mais longe.
NM: Sempre treinaste neste Complexo de Ténis. O que significa a Escola de Ténis da Maia para ti?
NB: Significa muito. Eu nunca treinei oficialmente noutro clube, apesar de já ter feito treinos fora, sou federado pela Maia todos os anos e nunca conheci outra realidade. Passei muito tempo fora, porque os torneios são quase todos noutras cidades, mas é um local muito especial. Foi mudando um bocadinho ao longo do tempo, para melhor. As pessoas também foram mudando, mas há algumas que estão desde o início, como o meu treinador. Este local diz-me muito, tantas vezes saí dos treinos frustrado e a chorar por não ter jogado bem. Cada campo é quase uma história diferente.
NM: Mesmo a jogar de forma competitiva, nunca desististe de tirar uma formação superior. Porquê?
NB: Aos 18 anos achei que não estava pronto para o Circuito. Podia jogar mas ia ser mentalmente muito desgastante jogar o ano todo e provavelmente não ia ganhar assim tanto. Então achei que precisava de continuar a treinar. Estudar aqui ia ser muito complicado. Muitos sabem que é um desafio competir e continuar a estudar em Portugal. Nos Estados Unidos eles têm um sistema muito mais flexível, têm um circuito universitário numa escala muito maior do que há aqui. Treinei muito bem lá com condições muito boas. E foi um bocado por aí, depois foi escolher a universidade certa.
NM: Sentes que esses quatro anos foram importantes para chegares preparado a este Circuito Sénior?
NB: Sim, sem dúvida. Eu aprendi muito lá, a todos os níveis. Tornei-me mais responsável e mais maduro, ajudou-me a crescer, mesmo em termos de lidar com as adversidades. O sistema lá é muito competitivo e todos os jogos importam como se fossem o último. Isso ajudou-me a encarar todos os jogos com rigor. Não importa se o dia correu mal, é preciso fazer por jogar e fazer render! Se o adversário não está tão bem, temos que aproveitar isso.
NM: O estado emotivo dos jogadores acaba sempre por influenciar.
NB: Estamos a jogar com outra pessoa e às vezes não importa como te sentes ou como estás a jogar, se o outro não conseguir superar continuas a estar por cima. É jogar com o adversário porque não és só tu no campo. Um jogo não resume uma carreira e podes treinar muito bem durante a semana, chegares ao jogo e não conseguires executar. Acontece muito, e o contrário também.
NM: Esta pandemia parou o mundo. Como é que viveste esta paragem enquanto atleta?
NB: Um bocadinho antes da quarentena eu lesionei-me. Portanto, para mim, esta paragem deu-me tempo para recuperar e poder sentir-me bem. Não senti esse peso de não competir porque também teria de estar a recuperar. Aproveitei o tempo para melhor em termos físicos. Mais tarde consegui treinar com um colega e, a partir daí, foi fluindo. Estava com a minha família, estava bem.
NM: E agora foi possível voltar aos courts. Qual a sensação de poder voltar a competir?
NB: Foi ótimo. Os torneios foram incríveis e o nível foi muito bom. Conseguiram trazer aqui os melhores Portugueses da atualidade e isso foi muito satisfatório. Não me lembro de umas provas portuguesas terem este calibre e estes atletas a jogar.
NM: E na primeira etapa do circuito sénior vences o João Sousa, o tenista português mais bem classificado no ranking da ATP. O que significou para ti essa vitória?
NB: Foi muito especial, claro. Ele certamente não fez o melhor jogo e eu também não me senti no meu melhor. Eram os primeiros jogos que estávamos a fazer e era normal as coisas estarem um bocadinho enferrujadas. Mas foi mesmo muito gratificante. Senti que o trabalho que eu estava a fazer estava a compensar. Mas mesmo que não tivesse ganho, só o estar ali taco a taco com ele, já teria sido muito bom.
NM: O João Sousa é para ti uma referência?
NB: Sem dúvida. Tudo o que ele já fez é impressionante e nunca antes feito por um português. Acho que ele levou Portugal a um outro nível. E espero continuar a vê-lo durante mais alguns anos. Ele é um exemplo para todos nós em termos de trabalho e dureza mental.
NM: Gostaste de saber que ias jogar contra ele?
NB: Adorei. Eu queria jogar contra ele! Sinceramente, com tantos torneios, já me tinha mentalizado que seria ok perder logo na fase de grupos com o João Sousa ou com outro jogador assim incrível. Tirei um bocadinho de pressão e tentei usar apenas como uma oportunidade.
NM: Se calhar tirares a pressão ajudou-te.
NB: Claro, eu não tinha nada a perder. Se fosse para perder 6-0, que fosse com ele (risos). Mas também não entrei para fazer disparates, levei o jogo muito a sério e acabou por correr bem.
NM: Qual é o teu grande objetivo? Onde queres chegar?
NB: Eu tenho mantido os objetivos um bocadinho a curto prazo, de ano a ano. Estava a pensar acabar este ano a top 300. Já era ambicioso mas agora ainda mais porque só vou jogar praticamente meio ano. E gostava de, um dia, mais a longo prazo, chegar ao Top 100. Acho que é o sonho de todos os jogadores ser Top 100 porque é aí que se joga nos grandes estádios e nos grandes torneios. Tenho orgulho em ser o número 599 porque significa que tenho um grande caminho para percorrer. Tenho que fazer valer esse otimismo e sinto que se competir consigo chegar facilmente a esse Top 300.