No momento em que caminhamos para um novo pico da pandemia, o vírus não dá tréguas e o Governo mostra sinais de desorientação.
Primeiro, o disparate da obrigatoriedade de implementação da aplicação “Stayaway Covid”, entretanto revertida, agora a hipótese de vir a ser implementado novamente o Estado de Emergência, que é fortemente restritivo, dura apenas 15 dias e em nada vai contribuir para combater a pandemia.
A implementação de algumas restrições (como as de circulação ou o encerramento de estabelecimentos mais cedo) faz sentido e era imperativo que algo fosse feito para travar os recordes quase diários do número de mortos e infetados.
A crítica deve incidir sobretudo no lado daquilo que não foi feito, sendo que Portugal é foi um dos países da Europa que menos investiu para combater a pandemia, em todas as áreas de intervenção pública.
Porque não foram contratados atempadamente os profissionais de saúde que o SNS necessita? Porque não usou o Governo os 4.500 milhões de euros disponibilizados no Orçamento Suplementar que o Parlamento aprovou para responder à falta de meios nos hospitais e centros de saúde e à crise económica e social?
A política não se faz de anúncios vazios. Antes da pandemia, o SNS já precisava de meios e o Governo saiba que viria aí uma segunda vaga, mas preferiu desperdiçar o tempo que teve para a preparar no verão passado. Ainda que sejam abertos agora os concursos prometidos, a maioria das vagas ficará por preencher. As condições laborais e remuneratórias não foram asseguradas de modo a atrair esses profissionais.
Devemos-lhes a “sorte” que se atribui ao país na resistência à primeira vaga. Mas os salários e a exaustão das muitas horas de trabalho extraordinário a que estão obrigados não ajuda à motivação. Muitos médicos continuam sem ter acesso à especialidade, os baixos salários continuam a ser regra para os enfermeiros e os auxiliares da saúde continuam sem ver reconhecida a sua carreira.
O resultado, é que em vez de haver mais, há hoje menos 1.000 médicos do que havia antes da pandemia e um milhão de portugueses continua sem ter acesso a um médico de família, devido à saída de clínicos.
Nada do que foi acordado com o BE nos Orçamentos de Estado de 2019 e 2020 foi cumprido na área da saúde! Um plano plurianual de investimentos no SNS, um plano nacional de saúde mental, a contratação de 8.400 profissionais de saúde para o SNS (muitos estão agora de baixa, infetados com a COVID-19), o reforço da autonomia das instituições de saúde para contratar pessoal, investimento nos centros de saúde para haver centrais telefónicas com capacidade de responder aos utentes atempadamente, incentivos à fixação de médicos nas zonas carenciadas, um regime de dedicação plena dos profissionais de saúde ao SNS, entre outras medidas com as quais o Governo concordou mas que nunca saíram do papel fariam hoje toda a diferença na capacidade do país responder à crise de saúde pública que vivemos.
O próprio Orçamento de Estado para 2021 prevê menos 144 milhões de euros de dotações para o SNS do que o inscrito no Orçamento Suplementar!
Grave é também a intenção do Governo de gastar milhões a contratualizar os cuidados continuados com o setor privado e social, que tem andado a empurrar para o SNS os doentes mais graves. No período da primeira vaga, os grupos de saúde privados não foram alvo de requisição civil na vigência do Estado de Emergência, apesar de receberem anualmente milhares de milhões de euros do Estado e disporem de meios.
Em vez de engordar ainda mais este lucrativo setor com dinheiro que é de todos, o Governo deveria obrigar os privados a estar sob gestão e planeamento do SNS e recorrer já à requisição civil de equipamentos, profissionais e instalações privadas que se revelem necessárias. Essa possibilidade existe, está prevista na própria Lei de Bases da Saúde para a eventualidade de uma pandemia e não requer a declaração do Estado de Emergência para se efetivar.
Os serviços seriam requisitados pelo Estado a um preço justo fixado administrativamente e a capacidade instalada seria gerida de forma mais homogénea em todo o país, em vez de serem os privados a decidir casuisticamente conforme lhes convém.
Há hospitais privados que reduziram serviços e até que fecharam em plena pandemia. O país não pode ficar refém dos seus interesses no meio de uma crise sanitária, é preciso olhar para o sistema de saúde de forma global (independentemente de ser público ou privado) e estruturar a sua resposta de forma a garantir que ninguém fica sem tratamento e não se esgota essa resposta.
Mas também é fundamental que as pessoas compreendam bem a informação que o Governo e a Direção Geral de Saúde vão transmitindo à população acerca da pandemia, os riscos e os cuidados a ter e as perspetivas de evolução da doença.
Se não existir uma comunicação eficaz, de nada vale aprovar leis com medidas severas e punitivas que em vão põem em causa as nossas liberdades e garantias. As medidas de saúde pública devem ter uma adesão essencialmente voluntária, o que só será possível se, para além de adequadas, ponderadas e proporcionais, elas forem compreendidas de forma coletiva.
Jorge Santos
Advogado estagiário e membro da Concelhia da Maia do BE