O Notícias Maia falou com a psicóloga Ana Rita Freitas para entender os problemas e procurar soluções.
A nossa realidade está diferente. Restrições à circulação, contactos sociais reduzidos e distanciamento físico são algumas das medidas que desconhecíamos por completo mas com as quais temos agora de viver.
O país e o mundo estão a combater uma pandemia de um vírus que, não só adoece, como deixa um rastro de destruição como o desemprego, a pobreza e o desespero.
Tendo consciência da importância do tema da Saúde Mental, o NOTÍCIAS MAIA falou com a psicóloga Ana Rita Freias para compreender que tipo de problemas pode causar um confinamento e ainda que hábitos podemos adotar para os evitar.
Notícias Maia (NM): Estamos há oito meses a viver com algumas restrições à nossa liberdade que, até então, não conhecíamos. Que efeitos pode ter esta realidade nas pessoas?
Ana Rita Freitas (ARF): Eu acredito que esta realidade que estamos a viver, e os desafios que nos coloca, vai alterar por completo o mundo e a forma como o vemos. Desde que esta pandemia começou, o que mais se tem notado é que houve agravamento de alguma sintomatologia de algumas perturbações a nível mental. É uma situação muito desafiante para todos. Também temos estado perante muitas dificuldades ao nível conjugal. Eu acredito que esta pandemia, para além de todas as consequências nefastas que provoca a nível físico, também está a marcar a nível mental e no contexto familiar.
NM: E, ao certo, que problemas pode causar um confinamento?
ARF: No que diz respeito ao meu conhecimento, enquanto psicóloga, este confinamento tem, como disse, agravado a sintomatologia de algumas perturbações que as pessoas já possuíam, mas também tem feito surgir outras. Esta questão das dúvidas, da insegurança, dos processos de luto complexos, do medo, ansiedade e angústia, tudo isto se nota mais. O facto de termos de ficar privados e isolados, embora seja nas nossas casas, é sempre uma situação muito complicada e desgastante a nível mental. Não podemos focar-nos apenas nas consequências físicas da doença, que existem inegavelmente, mas também temos de começar a dar alguma atenção real às consequências a nível mental. Agora estamos a tratar as físicas mas, a longo prazo, e talvez nem tão longo assim, teremos que ser muito ativos para tratar as questões mentais.
NM: A questão da importância da saúde mental tem sido abordada várias vezes pela DGS. Considera que não é suficiente?
ARF: Efetivamente a DGS e mesmo a Ordem dos Psicólogos tem feito um grande esforço nesse sentido, que é de louvar. Mas é crucial erradicar alguns tabus que ainda vemos em relação à procura de apoio a nível psicológico. As pessoas ainda ficam retraídas. E sofrer em silêncio não é nem nunca será uma solução. É importante que as pessoas tenham cada vez mais consciência da necessidade de procurar ajuda profissional e que toda a sociedade e também o Governo faça cada vez mais um esforço nesse sentido. Mas existe sim uma rede interessante de apoio, mesmo quando se liga para a saúde 24, por exemplo. Há vários mecanismos e as pessoas devem recorrer aos mesmos.
NM: Como é que podemos identificar que precisamos da ajuda de um profissional?
ARF: Nós costumamos dizer que o medo é protetor até um certo nível. Desde que não nos impeça e nos bloqueie. E o que acontece com o medo, acontece com outras emoções. Nós temos de estar atentos aos sintomas. A mente pode mentir mas o nosso corpo não. E o corpo dá-nos esses sinais, como o desgaste, a falta de energia ou alterações no sono e na alimentação. É óbvio que todos temos dias maus, nunca vai ser de outra forma. E também é lógico que estamos a passar uma situação com stress acrescido, com a qual temos de aprender a lidar. Mas um mau dia não é uma má vida.
NM: Que hábitos podemos adotar para nos mantermos mais positivos e evitarmos problemas como os que falou há pouco?
ARF: Apercebo-me que cada vez mais as pessoas estão muito envolvidas nas notícias. É importante filtrar o que lê-mos porque há notícias falsas e que criam muito alarmismo. É preciso ter atenção à credibilidade do que estamos a ver. Para além disso, devemos manter-nos sempre ativos, em termos físicos e não só. É importante que a pessoa tenha a vida organizada e que crie rotinas e horários. É muito benéfico que pratiquem desporto, façam uma boa alimentação, leiam livros, contactem com outras pessoas, agora através dos meios digitais, mas que se mantenham ativas. Há muitas estratégias às quais as pessoas podem recorrer e por em prática.
NM: O impacto de uma obrigatoriedade em permanecer em casa e reduzir naturalmente os contactos socias pode ser diferente dependendo da cultura?
ARF: Essa é uma pergunta muito interessante. Eu acredito que que sim. Por exemplo, eu acredito que, de alguma forma, para as pessoas que são de um meio mais pequeno e tranquilo, não esteja a ser tão difícil lidar com estas questões de isolamento. Porque, de alguma forma, elas já viviam isoladas. Para as pessoas que vivem em cidades muito agitadas, acredito que possa estar a ser mais dramático e complicado e gerir. E também é diferente estarmos isolados num apartamento, onde o espaço é reduzido, e estarmos numa casa com jardim que nos permita estar no exterior. Mas também a cultura. Há culturas e países onde já era habitual ficar por casa nos fins-de-semana. Na nossa cultura, talvez não. Somos sempre muito ativos e há sempre atividades para fazer. Nesse sentido, acho que para nós possa ser mais difícil de gerir.