Este foi o ano letivo com mais candidatos ao ensino superior dos últimos 25 anos. Só na primeira fase, candidataram-se às Universidades e Politécnicos 62.675 jovens, tendo sido admitidos, após a conclusão da terceira fase, 52.963 estudantes (mais 15% do que no ano anterior).
Pela primeira vez, metade dos jovens de 20 anos em Portugal estão a estudar. Números que, sem dúvida, são animadores, porque mostram uma evolução positiva, mas ainda estão longe da média da OCDE e da própria União Europeia, cuja taxa de ingresso no ensino superior é de 6 em cada 10 jovens.
Para isso, muito contribuiu a histórica descida do valor máximo das propinas em dois anos consecutivos (de 1068€ para 697€) e o aumento do número de bolsas sociais, que desde setembro deste ano são mais 10 mil.
Mas essa evolução no sentido da igualdade de oportunidades parece ter morrido a meio do percurso com este Orçamento de Estado.
O PS rejeitou voltar a reduzir as propinas este ano e também recusou fixar um teto máximo para as (elevadíssimas) propinas dos mestrados, bem como a isenção do pagamento de propinas para estudantes com deficiência.
Para semos capazes de aproveitar o enorme potencial de crescimento do grau de qualificação dos jovens no nosso país, é preciso ser audaz e não ter medo de desbravar caminho no combate às desigualdades, que a crise pandémica veio revelar e acentuar.
Em março, a pandemia chegava a Portugal. Em pouco tempo, a comunidade académica viu-se obrigada a adaptar-se ao ensino à distância, esse “novo normal”. Assim, a suspensão das aulas presenciais no período de confinamento veio desvendar uma fragilidade invisível mas que já existia: a desigualdade das famílias e dos estudantes de menores recursos no acesso aos meios informáticos e tecnológicos necessários para o acompanhamento das aulas à distância.
Segundo um inquérito realizado em junho pela Federação Académica do Porto (FAP), 27% dos estudantes não têm recursos que lhes permitam assistir às aulas por meios de comunicação à distância.
Ora, a falta de recursos económicos não pode continuar a ser um obstáculo que leve os estudantes a desistir de continuar os seus estudos.
O desemprego, os lay-offs e encerramentos resultaram na quebra de rendimentos de muitas famílias, o que obrigou mais estudantes a recorrer ao apoio dos serviços de ação social.
Em reunião com estes serviços, o Bloco de Esquerda descobriu que os apoios previstos não estavam a chegar a quem precisa porque havia cativações que impediam a transferência da totalidade das verbas destinadas a apoiar estudantes em dificuldades.
É inconcebível que num momento tão difícil, os velhos hábitos se mantenham, em prejuízo das pessoas que precisam de auxílio urgente que não chega ao seu destino por faltar uma assinatura do Ministério.
Entre os estudantes mais penalizados com esta crise estão os estudantes internacionais, muitas vezes confundidos com estudantes “ricos” e onerados com propinas que chegam a ser 4 a 5 vezes mais caras do que a propina normal. A estes estudantes, quase todos provientes do Brasil e dos países africanos de língua oficial portuguesa, falta o devido acompanhamento, já que as universidades preferem encará-los como um instrumento de financiamento da instituição, em vez de cidadãos com os mesmos direitos que os outros.
O Plano Nacional de Alojamento 2019 previa mais 2500 camas nas residências universitárias. Foram criadas menos de 300.
A pandemia levou a que fossem produzidas normas da DGS que, no mínimo, são absurdas (2 metros de distância entre camas…como se os estudantes não partilhassem cozinha e casa de banho). Enquanto isso não se garantem aos estudantes infetados e obrigados à quarentena quartos singulares para o isolamento. Ao invés, os estudantes são forçados a partilhar quartos sem ventilação com colegas infetados. Medidas que só servem para esconder as debilidades, dando a impressão de que se está a dar uma resposta eficaz de prevenção.
Agora o Governo está a reservar pousadas da juventude e hostels através da celebração de protocolos com instituições privadas e autarquias, uma medida que peca por tardia porque foi proposta em junho pelo Bloco de Esquerda e recusada pelo PS.
Neste contexto, a suspensão do pagamento do alojamento universitário é, por isso, uma medida importante e que se deve à iniciativa do Bloco.
Tal como o mecanismo de regularização de dívidas com propinas, taxas e emolumentos, instrumento pelo qual o BE se bateu desde 2016 e que foi aprovado este verão.
Mas o ensino superior não existiria sem os seus docentes, tal como a ciência sem os investigadores. Dois terços dos professores universitários e investigadores têm um vínculo contratual precário com a instituição que deles depende. O número de “docentes convidados” em Portugal disparou e um sem número são bolseiros ou contratados a prazo.
Por incrível que pareça, o PREVPAP ainda é uma miragem para muitos docentes e investigadores precários que continuam a lutar por ver reconhecida a sua carreira e a imprescindibilidade das suas funções na instituição. O conluio entre Governo e reitores tem levado à recusa da esmagadora maioria dos pedidos (somente 13% tiveram parecer favorável à integração).
Há, neste momento, 116 docentes e investigadores que há 5 meses aguardam a homolgação (a tal assinatura do Ministério) do seu processo de vinculação no âmbito do PREVPAP, não obstante terem obtido parecer favorável e o prazo definido para integração ser de 5 dias.
A política de cativações que atrasa o país alia-se à visão mercantil de muitas universidades e politecnicos públicos, que se veêm como “marcas” e não como escolas, que encaram os estudantes como “clientes” e não como utentes que são.
Há professores que, embora integrando um grupo de risco, viram recusado o pedido para dar aulas à distância, por meras razões económicas e com base em decisões discricionárias de reitores e presidentes de politécnicos que nada sabem de medicina.
À recusa do teletrabalho e da contratação de professores substitutos que permitam desdobrar turmas em sistema sistema rotativo, os docentes responderam com a greve em outubro passado.
Mais ensino superior, mais direitos sociais e laborais é o que faz falta para proteger o emprego e combater a precariedade e a emigração forçada de toda uma geração que merece ter futuro.
Jorge Santos
Advogado estagiário e membro da Concelhia da Maia do BE