Silva Peneda escreveu carta aberta a Pedro Passos Coelho. Transcrevemos na íntegra:
“Exmo. Senhor Dr. Passos Coelho
Presidente do Partido Social Democrata
Maia, 17 de janeiro de 2017
A decisão anunciada por V. Ex.ª, de que o grupo parlamentar do PSD votará contra um dos pontos do acordo celebrado em sede de concertação social fere muito gravemente a identidade do PSD e atenta contra o seu património. Ora, é sabido que quando se começa a alienar património, normalmente o que se segue é a falência.
Qualquer força política só tem credibilidade se for capaz de se apresentar na base de um conjunto de valores coerentes entre si e que a diferencia de todas as outras.
O PSD nasceu em condições muito difíceis, sem beneficiar de apoios internacionais, e cresceu com base num entusiástico apoio popular, muito assente nas classes médias e em muitos portugueses do meio rural.
Os valores fundamentais que caracterizam a identidade do PSD são a liberdade, valor supremo para a plena realização do ser humano; a valorização da chamada sociedade civil, em que o PSD é a força política que melhor soube encarnar o pensamento do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, quando este escreveu: “Tanto do Estado quanto seja necessário, tanto da liberdade cívico-política quanto seja possível”; a importância do papel da classe média, pois o PSD desde o início percebeu que uma sociedade desenvolvida pressupõe uma classe média pujante; a existência de estabilidade política, como elemento basilar para o desenvolvimento; e uma visão de modernidade na forma de governar assente na valorização e no desenvolvimento de uma cultura de compromisso.
Ao contrário de outras forças políticas de origem marxista que querem impor as suas verdades, na base de uma pretensa vitória de uma classe social sobre as outras, o PSD, como partido interclassista que é, sempre entendeu que as melhores soluções para os problemas do país devem ser estudadas, analisadas, discutidas e decididas atendendo aos diversos interesses envolvidos. O crescimento económico e o desenvolvimento não resultam da ação de uns poucos, mas sim do esforço conjugado de muitos.
A concertação social é, por isso, um património do PSD, e prova disso tem sido o papel dos seus governos no desenvolvimento dessa plataforma de entendimento.
Sobre o recente acordo de concertação aceito o facto de o governo ter agido com ligeireza, não cuidando de assegurar que dispunha de todas as condições para assinar o acordo. Também aceito que se possa discordar da solução, relativamente ao desconto da taxa social única para os beneficiários do salário mínimo, muito embora eu próprio, como titular da área social em dois governos de Cavaco Silva, tenha adotado soluções idênticas, para ajudar a atenuar problemas relacionados com grupos sociais mais desfavorecidos em termos de acesso ao emprego como foram os casos dos jovens, dos desempregados de longa duração e dos deficientes, ou para serem aplicadas em regiões mais afetadas por crises económicas e sociais, como aconteceu na península de Setúbal e no Vale do Ave.
Mas tenho muita dificuldade em aceitar que, de forma direta e objetiva, o meu partido vote ao lado de forças políticas que nunca valorizaram a concertação social, nem o diálogo entre as partes, porque sempre tiveram uma conceção totalitária de exercício do poder.
Dos valores que atrás identifiquei como fazendo parte do património do PSD, um deles tem estado esquecido. Refiro-me à importância da classe média, fortemente fustigada durante a aplicação do programa da troika. Neste ponto, não me assiste o direito de responsabilizar exclusivamente o PSD, porque a criação de condições para essa desvalorização tem as suas raízes em governos do PS, mas também não deixa de ser verdade que os governos presididos por V. Ex.ª não evidenciaram sinais evidentes de preocupação com a derrocada que se abateu sobre grande parte da classe média no nosso país.
Mas agora, com a decisão anunciada por V. Ex.ª, a situação é pior porque o PSD criará uma rotura numa das suas bases identitárias, atentará contra o seu próprio património político e contra muito dos seus tradicionais apoiantes que estão nas pequenas e médias empresas, nas instituições particulares de solidariedade social, nas Misericórdias e em sindicatos da UGT.
O PSD só foi um partido de roturas quando sentiu que algum dos seus valores fundamentais se encontrava ameaçado e, nessas alturas, soube portar-se com muita coragem e foi entendido pelos portugueses.
Os portugueses sempre identificaram o PSD como o partido que busca de forma incessante o compromisso.
É em nome desta componente ideológica e de toda uma coerente prática passada, baseada em valores que identificam o PSD como o partido português autenticamente social-democrata, que apelo a V. Ex.ª para que mude de opinião.
Cumprimentos.
José A. da Silva Peneda”