Não sou um especialista em agricultura, mas acompanho há muito, com gosto e atenção, esta realidade, que é muito mais que uma mera actividade económica de produção de alimentos.
E foi nessa qualidade, que estive recentemente na Madeira, num notável seminário promovido pela AJAP-Associação dos Jovens Agricultores de Portugal e pelo Governo Regional da Madeira, onde pude apreciar excepcionais contributos de diversas personalidades da vida académica e da política nacional, como Augusto Mateus, Daniel Bessa, Ângelo Correia, Correia de Campos, Arlindo Cunha e Marques Mendes, sobre a evolução da agricultura portuguesa e dos desafios que esta tem pela frente.
De facto, como ali pudemos mais uma vez constatar, muito mudou na agricultura nacional desde que Portugal aderiu à então Comunidade Económica Europeia. Deixamos de ter liberdade plena para decidir sobre a nossa vida e passamos a estar sujeitos às regras da Política Agrícola Comum, a famosa PAC. Apareceram as quotas de produção, as ajudas comunitárias e a figura do jovem agricultor. O agricultor ganhou estatuto e reconhecimento social. Evoluiu para o “empresário agrícola”.
Em 1985, o sector agrícola nacional empregava cerca de 1 milhão de pessoas. Volvidos 30 anos, a população activa na agricultura portuguesa não ultrapassa as 342 mil pessoas.
Mas se é verdade que hoje temos menos trabalhadores e explorações agrícolas, e mesmo uma significativa redução nas áreas de cultivo, não é menos verdade que actualmente possuímos uma agricultura bem mais produtiva e claramente mais competitiva. De tal forma que as exportações do sector agrícola aumentaram cerca de 400% entre 2000 e 2015. Segundo dados do INE, só a exportação de produtos hortícolas passou de 108 milhões de euros em 2004 para 212 milhões de euros em 2014, e a exportação de frutas, de 137 milhões de euros para 438 milhões de euros, em igual período.
O agricultor de hoje tem mais formação, as explorações agrícolas ganharam dimensão, organização e capacidade empresarial. Os jovens trouxeram inovação e uma forma diferente de estar no sector. As apostas em novas tecnologias, em novas culturas, na especialização, numa produção mais virada para as necessidades do mercado, têm-se revelado opções acertadas.
A actividade agrícola é hoje muito mais atractiva, diria até que está na moda. Muitos são os licenciados, inclusive sem especial tradição ou formação agrícola, que esqueceram as suas profissões e escolheram o mundo rural e a agricultura para concretizarem os seus investimentos e desenvolverem os seus projectos de vida.
Entre 2010 e 2015 foram investidos mais de 10.000 milhões de euros no sector agrícola e agro-industrial. Em média, durante esse período, foram aplicados cerca de 500 milhões de euros por ano em projectos agrícolas e 1500 milhões de euros em projectos agro-industriais. E só relativamente a projectos promovidos por jovens agricultores, foram investidos durante esses cinco anos, mais de 1000 milhões de euros, dos quais 627 milhões de euros, alavancados por fundos comunitários.
Enquanto a economia portuguesa passava por uma profunda recessão entre 2011 e 2013, a agricultura, em contraciclo, registava crescimentos na ordem dos 2,8%.
Sendo que, mesmo assim, Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer no que respeita ao rejuvenescimento do seu tecido agrícola. Com efeito, cerca de dois terços dos agricultores nacionais possuem mais de 55 anos de idade, bem acima da média da União Europeia, cujos agricultores nessa faixa etária são pouco mais de metade.
Mas é importante que se perceba que os agricultores não limitam a sua actividade apenas à produção de bens alimentares. Enquanto agricultores, prestam toda uma série de serviços à própria comunidade, designadamente a nível da conservação e manutenção da paisagem rural, da protecção e sustentabilidade do meio ambiente, da protecção e gestão dos recursos naturais, da prevenção de fogos florestais, e da própria fixação das pessoas no mundo rural, que urge reconhecer e valorizar.
Daí que os apoios (também conhecidos por ajudas ao rendimento) que os agricultores recebem da União Europeia, decorrentes das regras da PAC, e que por vezes algumas vozes da sociedade civil parecem contestar, não devam ser entendidos exclusivamente como subsídios à produção, como simples instrumentos destinados a estabilizar os mercados agrícolas, assegurando preços acessíveis aos consumidores, mas também como justa remuneração pelo desempenho pelos agricultores de todas as outras funções que assumem em benefício da comunidade e do território.
Sendo que em Portugal, a fuga das pessoas do interior para o litoral, e designadamente, do mundo rural para as áreas urbanas, é um fenómeno constante e crescente nos últimos anos. E não creio que o mundo rural possa sobreviver apenas com os agricultores, e que estes encontrem lá a “felicidade”, vivendo em solitário… Sendo com particular expectativa, que espero pela implementação da figura do “Jovem Empresário Rural”, figura que a AJAP vem defendendo há mais de uma década, e que parece que o actual Governo vai finalmente acolher. E que se tiver o êxito que reconhecidamente teve a figura do “Jovem Agricultor”, criada nos passados anos 80, teremos por certo encontrado uma medida verdadeiramente eficaz de combate à desertificação do mundo rural.
Entretanto, voltando ainda à produção, não podemos esquecer alguns desafios que se colocam à agricultura nacional e europeia, nesta época da globalização, em que a competição é cada vez mais feroz e se afirma numa escala cada vez maior e em condições e com regras muito distintas. Designadamente, em virtude da pressão que se vai exercer sobre a produção, face ao aumento da população e ao consequente crescimento das necessidades alimentares, estimando-se que a população mundial, que hoje se cifra aproximadamente em 7,3 mil milhões de habitantes, atinja os 10 mil milhões em 2050.
É importante que os agricultores europeus não percam a sua missão de produzir alimentos de qualidade, contribuindo para a saúde e segurança dos consumidores. E continuem a desenvolver a sua actividade em respeito pelo meio ambiente e pela boa gestão dos recursos naturais, sem prejuízo de persistirem na procura das melhores técnicas e soluções tecnológicas.
E no que concerne aos agricultores nacionais que pretendam competir no mercado mundial, habitualmente detentores de pequenas explorações, é fundamental o estabelecimento de parcerias com outros agricultores que lhes permitam ganhar escala, bem como gerir necessidades e interesses comuns de forma mais eficiente. Sendo a aposta em produtos de grande qualidade e de elevado valor acrescentado um caminho claramente a seguir. Não devendo os empresários do sector também perder de vista a possibilidade de assumirem desafios mais ambiciosos de internacionalização, que passem mesmo pela produção de bens agrícolas em territórios estrangeiros, designadamente em países como Angola e Moçambique, territórios reconhecidamente de grande potencial agrícola, e cujos investimentos sempre seriam acolhidos com agrado pelas populações e Governos locais.
PAULO RAMALHO
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia