No final de 2016, todos dizíamos que o ano político de 2017 seria ocupado essencialmente pelas eleições autárquicas, que terão lugar durante os próximos meses de Setembro ou Outubro, e por todo o processo associado às mesmas: escolha dos candidatos, elaboração das listas, campanha eleitoral, resultados e consequências dos resultados.
O Orçamento de Estado tinha sido aprovado sem dificuldade, perante um aparente e tranquilo consenso entre as diversas forças políticas que suportam e apoiam o actual Governo de António Costa no Parlamento, pelo que a “geringonça” parecia caminhar de “vento em popa”, em direcção ao destino 2019.
E até já se especulava que o próprio Governo, também mais preocupado com a sorte das eleições autárquicas, guardava inclusive medidas particularmente simpáticas para apresentar ao país lá para o início do Verão. E ainda, que o próprio Bloco de Esquerda, ao optar por deixar de fora as suas principais figuras nas candidaturas às Câmaras de Lisboa e Porto, parecia até estar a fazer um “favor” às candidaturas apoiadas pelo Partido Socialista…
Especulação ou não, o certo é que tudo parecia estar pelo melhor no seio da “geringonça”. E já agora, a correr de feição ao Governo de António Costa e ao Partido Socialista, pelo que a prioridade do ano 2017, também para estes, era mesmo as eleições autárquicas e o resultado destas.
E para Passos Coelho e o PSD, agora na Oposição, as autárquicas também não podiam deixar de ser uma prioridade. Pois foi sempre a partir de bons resultados em eleições locais, que os sociais-democratas construíram o caminho de volta à governação do país.
Sucede que, de um momento para o outro, tudo parece ter-se alterado. As autárquicas continuam a ser importantes, mas a “geringonça” passou a navegar em águas menos tranquilas e ventos até adversos.
O Governo “negociou” com os parceiros sociais uma descida na “Taxa Social Única” contra a vontade dos seus parceiros políticos, ou seja, do BE e do PCP. E estes, de imediato, no sentido de tentarem reverter essa medida e salvarem a face junto do seu eleitorado, decidiram esquecer o também “seu Governo” e levaram o assunto a discussão da Assembleia da República. Só que desta vez, a coisa afigura-se não ir ficar pela mera discussão, pois Passos Coelho e os sociais-democratas decidiram “dar andamento” à vontade de bloquistas e comunistas, alinhando ao seu lado, pelo que a reversão (tudo indica…) vai ser mesmo uma realidade, ficando o Governo na desconfortável posição de não poder levar por diante a descida da TSU então ajustada com os parceiros sociais.
Desconforto reconheça-se, provocado exclusivamente pelo BE e PCP, partidos que fazendo parte da maioria parlamentar que apoia e suporta o Governo, circunstancialmente pretenderam assumir agora o estatuto de Oposição. Pois relativamente a Passos Coelho e ao PSD, estes sim, claramente da Oposição, em boa verdade, nada tinha o Governo a esperar. Nem António Costa tem legitimidade para lhes cobrar o que quer que seja, pois foi ele próprio, agora Primeiro-ministro, quem em plena campanha eleitoral, afirmou desde logo, que não viabilizaria o Orçamento de Estado para 2016, caso a então Coligação PSD/CDS-PP ganhasse as eleições legislativas de 4 de Outubro de 2015! E António Costa, para além de inteligência, tem memória…
É evidente que podemos sempre acreditar que o BE e o PCP não tiveram com esta iniciativa qualquer vontade de fragilizar António Costa e o seu Governo, pois tinham a profunda expectativa que os sociais-democratas acabariam por viabilizar a dita descida da TSU, quanto mais não fosse para não desagradar aos parceiros sociais…Mas a verdade é que com esta iniciativa, o BE e o PCP “entalaram” mesmo o actual Governo.
E de tal forma, que há quem clame já, entre os socialistas, por “eleições antecipadas”, entendendo que a “maioria parlamentar desapareceu” e que a “estabilidade politica está em risco”, como se constata pelas declarações recentes do eurodeputado Francisco Assis.
Não creio, obviamente, ser motivo para tanto. Mas Francisco Assis tem razão quando alerta para a fragilidade da coligação parlamentar que suporta o actual Governo, e que a qualquer momento pode desencadear episódios semelhantes ao da baixa da TSU. É que o BE e o PCP não se identificam propriamente com as matrizes programáticas do Governo de António Costa, de quem divergem aliás, de forma muito clara, em muitas matérias. E têm necessariamente de agradar ao seu próprio eleitorado para sobreviverem. Não sendo novidade para ninguém que o acordo parlamentar que celebraram com os socialistas, visou muito mais impedir que Passos Coelho e a coligação PSD/CDS-PP voltasse à liderança do país, do que outra coisa qualquer, designadamente de índole programática.
Mas não deixa de ser verdade também, que se este episódio do BE e do PCP causou embaraço ao Governo, também abriu uma nova janela a António Costa e ao Partido Socialista, oferecendo um primeiro argumento a estes para desencadearem, eles próprios, no momento que considerarem mais oportuno, uma crise politica que leve à antecipação das eleições legislativas programadas para 2019. Naturalmente, com a justificação da necessidade de uma clarificação eleitoral que lhes permita governar com estabilidade. Ou seja, que legitime a reclamação de uma maioria parlamentar.
E reconheçamos que, apesar do preocupante aumento da dívida pública, e das próprias taxas de juro, a verdade é que as sondagens, nesta altura, até parecem ser favoráveis a essa gestão “pragmática” de António Costa e do Partido Socialista.
Assim, mais um episódio como o da TSU, e vamos ver se a “geringonça” se aguenta até ao final do ano…
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia