Foi com um misto de alegria e tristeza que vi no passado dia 3 um avião da Luftwaffe aterrar no Aeródromo de Figo Maduro, em Lisboa, com auxílio vindo da Alemanha destinado ao nosso sistema nacional de saúde, que está neste momento sob forte pressão face ao elevado número de internamentos hospitalares por Covid-19.
Alegria, porque significa que a comunidade internacional, designadamente a europeia, está unida e solidária no combate a esta pandemia, e disponível para acções concretas.
Tristeza, porque nunca pensei que Portugal viesse a necessitar deste auxílio, face à forma como lidamos com a mesma pandemia durante a primeira vaga.
Com efeito, por alturas de Junho e Julho do ano passado, Portugal era internacionalmente reconhecido como um dos países que melhor havia combatido a disseminação da Covid-19, ao contrário de outros países europeus, como a Itália, a Bélgica, a França, o Reino Unido e a Espanha, que foram severamente afectados, quer pelo número de pessoas infectadas, quer em termos de vítimas mortais.
Dentro deste contexto pandémico, Portugal pareceu ao mundo um país seguro e com um sistema nacional de saúde capaz.
Não tenho aliás dúvidas, que essa imagem foi absolutamente essencial para que muitos estrangeiros tivessem escolhido Portugal como o seu destino de férias de Verão em 2020.
Sucede que, de um momento para o outro, tudo mudou. E de tal forma, que nesta altura, Portugal é mesmo um dos países que maior número de óbitos e novos infectados provocados pelo novo coronavírus apresenta à escala mundial por milhão de habitantes.
Recorde-se que só no passado mês de Janeiro faleceram 5785 pessoas por Covid-19 em Portugal, quando em todo o ano de 2020, o número total de óbitos registados em virtude dessa doença não ultrapassou no nosso país os 6972. Ou seja, só neste primeiro mês de 2021, Portugal atingiu cerca de 83% do total de vítimas mortais registadas durante todo o ano de 2020 por Covid-19.
Sendo que nestes primeiros cinco dias de Fevereiro, já são mais 1197 os óbitos a acrescentar à lista.
E tudo isto acontece numa altura em que conhecemos melhor a doença e a forma de transmissão do vírus que a provoca. E já temos inclusive vacinas prontas para serem distribuídas.
É evidente que a responsabilidade por esta triste realidade não é dos nossos profissionais de saúde, que tudo fazem para salvar vidas, trabalhando horas a fio, muitas vezes em circunstâncias particularmente difíceis. Imagino até o que lhes vai na alma quando têm de enviar para os cuidados intensivos mais um doente e olham pela janela e vêm filas de ambulâncias à porta do hospital, aguardando vez…
A responsabilidade é naturalmente dos cidadãos que não quiseram, não souberam ou simplesmente não conseguiram cumprir com as regras a que estavam obrigados e, obviamente, e em primeira instância, de quem nos governa e tinha o dever de tomar as melhores decisões. Não as decisões mais agradáveis ou populares, mas aquelas que mais protegiam a comunidade, aquelas mais ligadas ao dever.
E nesta matéria, ao contrário do que sucedeu aquando da primeira vaga, andou muito mal o nosso Governo, não dando sequer a devida atenção ao que estava a acontecer em boa parte do território europeu.
Em Março e Abril do ano passado, Portugal confinou a sério e foi capaz de controlar as cadeias de contágio. Já não sei se por medo ou convicção, os portugueses mobilizaram-se de forma determinada e foram rigorosos no respeito pelas medidas de prevenção da transmissão do novo coronavírus.
Desta vez, quando muitos dos países europeus, em Novembro e Dezembro, avançavam com regras de confinamento apertadas, com encerramento de parte do comércio e restauração, o Governo português optou por medidas de encerramento parcial ao fim de semana, que nunca foram capazes de evitar a aglomeração de pessoas em centros comerciais, transportes públicos e espaços públicos de lazer ao ar livre, como jardins e passeios junto ao mar, permitindo-se mesmo aliviar essas regras durante o período de Natal e de fim de ano.
E se até podemos compreender a tentativa de insistir na conciliação do funcionamento da economia com o combate à pandemia, compromisso que reconheçamos é sempre complexo, e que carece de ser constantemente avaliado e frequentemente ajustado, já não encontramos qualquer justificação para que o Governo tenha ignorado os conselhos da prudência (e da ciência) e tenha mesmo decidido por um Natal e fim de ano “mais desconfinados”. Todos sabíamos que o risco de correr mal era elevado. Vários especialistas deixaram avisos.
Recordo aliás, que a própria Ordem dos Médicos, no início de Dezembro, tinha alertado que para “a SARS-CoV-2 não existia Natal nem Ano Novo e que todas as reuniões eram oportunidades de transmissão e infecção, por vezes com consequências irreparáveis.”
Angela Merkel fez na Alemanha precisamente o contrário do que fez o Governo português. Durante a época de Natal aumentou as restrições, fechando inclusive todo o comércio de bens não essenciais, bem como as escolas entre 16 de Dezembro e 10 de Janeiro.
A verdade é que António Costa e a sua equipa não souberam medir o risco e muito menos antecipar o problema. E o resultado foi este: no registo diário de 23 de Dezembro, Portugal apresentava 4378 novos casos de infecção provocados pelo novo coronavírus, e passadas as festividades de Natal e de fim de ano, ou seja, em 5 de Janeiro, o número de novos infectados atingia já os 10027. Mais do dobro de novos casos diários em menos de quinze dias.
Com tudo isto, não conseguimos proteger devidamente a saúde pública, nem fomos capazes de salvaguardar o bom funcionamento da economia, como era, disso estou certo, a intenção. E o futuro que já não era fácil, ficou um pouco mais difícil…
Paulo Ramalho