O NOTÍCIAS MAIA foi conhecer a história da professora Sílvia São Miguel. Uma maiata que, não tendo rede em casa e não podendo lecionar a partir da escola, foi dar aulas para o seu carro.
Sílvia São Miguel é professora e vive em Vilar de Luz, na Maia. No primeiro confinamento, quando as aulas presenciais foram suspensas, a professora deparou-se com a dificuldade em ter rede para manter as aulas em formato online.
Impossibilitada de transmitir essas aulas através da escola, por ter problemas de saúde, Sílvia São Miguel montou uma sala de aula na mala do carro e foi procurar um ponto de rede.
O NOTÍCIAS MAIA foi conhecer a história desta professora maiata e compreender como, passado um ano, a docente vê o presente e o futuro do ensino.
Sílvia São Miguel conta-nos que ser professor é uma missão e que, neste período, a maior preocupação foi sempre não deixar ninguém para trás.
Notícias Maia (NM): Como é que a professora tomou esta decisão em dar aulas a partir do seu carro?
Sílvia São Miguel (SM): Isso foi assim de certa forma hilariante. Com o confinamento, toda a gente veio para casa e ligou-se à internet. Nós ali em Vilar de Luz, que resolvíamos a nossa situação com aquelas internets portáteis, ficamos a zero. Portanto, tinha rede zero e tinha os miúdos para dar as aulas em videoconferência. Por questões de saúde, porque sou doente crónica imunodeprimida, estava absolutamente proibida de sair de casa e não podia, por exemplo, ir para a minha escola dar aulas de lá. Eu tinha que resolver a situação e, se a rede não vem ter comigo, eu tenho que ir ter com a rede. Então rapidamente montei uma sala de aula na mala do carro e procurei um ponto ali próximo de casa onde houvesse uma rede razoável. Ali eu tinha a certeza absoluta que conseguia estar com os meus alunos.
NM: O facto de a professora dar um apoio tutorial específico, fazia com que sentisse uma maior responsabilidade em não poder falhar a estes alunos?
SM: Exatamente. São alunos com perfis muitos específicos que eu tenho a certeza absoluta que, se não estivessem comigo, andavam na rua a infetar-se. Portanto, eram alunos que eu não podia largar de forma nenhuma, ditava-me a consciência que eu tinha que estar com eles e até duplicar ou triplicar o número de aulas. Eu não podia falhar naquele momento e foi isso que me motivou a tomar essa atitude.
NM: Mais do que educar, o papel de um professor acaba também por passar pela responsabilidade social.
SM: Efetivamente. Ser professor é uma missão que nós temos de cumprir. Portanto, aí temos de cumprir com aquilo que eu costumo chamar de um amor incondicional. Somos muito mais do que educadores, quantas vezes somos segundas mães, segundos pais e confidentes. É preciso muito amor incondicional, é preciso sentir que esta é uma profissão e uma missão que não podemos falhar.
NM: Quase uma vocação.
SM: Tem que ser uma vocação!
NM: Como foi a sua adaptação às aulas online? Conseguiu adaptar-se bem?
SM: Sim, eu tenho alguma facilidade no domínio das tecnologias e adaptei-me bem. A maior dificuldade foi com os miúdos porque a maior parte deles não tinha computador ou rede. Mas geriu-se o melhor possível. É evidente que nada substitui o ensino presencial, os olhos nos olhos e o carinho. E tudo isso desapareceu, de maneira que houve muita necessidade em ter criatividade para conseguir abraçar com os olhos.
NM: E como é que acha que os alunos estão neste momento? Pensa que este período vai deixar marca nestas crianças e adolescentes?
SM: Acredito que vai deixar a marca que deixará em todos nós. Como disse anteriormente, nada substitui o ensino presencial, mas também houve situações em que eu senti que o ensino à distância foi mais positivo do que o ensino presencial. Parece um disparate, mas eu vou explicar! Por exemplo, em termos de autonomia, planificação do estudo e gestão do tempo de trabalho, eu vi acontecerem milagres em alguns alunos.
NM: Falava-me há pouco que muitos alunos não tinham computadores. Acha que esta situação veio acentuar as diferenças que existem entre eles?
SM: Sem dúvida nenhuma. Há alunos que têm o seu próprio computador mas eu conheci casos onde havia um computador para três irmãos e a coisa tinha de ser muito bem gerida. Portanto, aquilo que estava estabelecido como horário, às vezes desmontou-se por completo. Foi uma fase em que não houve nem sábados, nem domingos, nem feriados, nem depois do jantar.
NM: Não deixaram ninguém para trás.
SM: Tentamos tanto quanto possível não deixar ninguém para trás. É enternecedor ter assistido a atitudes da parte dos meus colegas, como ir buscar computadores que já estavam encostados em casa e até comprado tablets e computadores para entregar aos alunos. Gostava de vincar esse aspeto, porque na realidade eu sinto que os professores foram uns heróis, mas uns heróis que foram muito pouco reconhecidos nesta situação toda. Obviamente que se deu muita atenção aos médicos e aos enfermeiros porque eles estavam efetivamente a salvar vidas. Nós não salvámos vidas, mas salvamos outras coisas.
NM: Acabei por não lhe perguntar, mas como é que o seu problema de rede foi resolvido?
SM: É o que faz a comunicação social! O pai de um dos alunos trabalhava numa televisão e, apercebendo-se que eu estava no meio do monte a dar aulas, disse que ia mandar uma equipa de reportagem. Eu até pensei que senhor estava a brincar! Mas um dia é certo que a equipa apareceu e, com o intuito de conseguir resolver o problema de Vilar de Luz, aceitei falar. O que é facto é que a entrevista foi feita às 11:30h da manhã, às 13h da tarde estava a dar no telejornal e às 14:30h já me estava a telefonar uma alta patente da MEO a dizer que ia resolver o problema. E assim foi. De maneira que Vilar de Luz tem, neste momento, acesso a fibra ótica.
NM: E para terminar, como é que vê o futuro da educação a partir daqui? Acha que esta passagem pelo digital vai trazer uma perspetiva diferente?
SM: Eu acho que seria uma ótima ideia aproveitar os recursos digitais e penso que, inclusivamente, esta forma permitiu que os professores tivessem muito mais fácil acesso às dúvidas dos seus alunos. Isto porque, muitas vezes, dentro de uma sala de aula, os alunos têm vergonha de dizer que não perceberam e retraem-se. Voltando ao ensino presencial esta passagem pelo digital que vai trazer muitas vantagens.