Conheça o testemunho do pároco da Maia que acompanhou as pessoas alojadas no Centro de Acolhimento Covid Negativo da Maia e não baixou os braços durante a pandemia.
Sem poder celebrar missas, o Padre João Pereira não baixou os braços e continuou a estar atento às necessidades da comunidade. Foi voluntário no Centro de Acolhimento Covid Negativo da Maia e ajudou a organizar campanhas solidárias.
O NOTÍCIAS MAIA falou com o pároco das igrejas de Santa Maria de Avioso e de São Pedro de Avioso para compreender como correu a experiência de voluntariado e também para conhecer aquela que é a nova realidade das igrejas.
O padre, de 32 anos e natural do Marco de Canavezes, está com a paróquia maiata desde setembro de 2019. Conta-nos que as pessoas ainda estão com receio de voltar às igrejas mas acredita que a fé individual não saiu abalada.
Notícias Maia (NM): O que é que o levou a ser voluntário no Centro de Acolhimento Covid Negativo da Maia?
Padre João Pereira (PJP): Eu conheci o projeto a partir da doutora Emília, vice-presidente da Câmara Municipal, que me convidou para lá passar. Logo na mesma semana fui visitar as instalações e a partir daí comecei a frequentar o centro numa perspetiva de levar ânimo, não só às pessoas que lá estavam acolhidas, mas também aos próprios voluntários. O objetivo foi sempre levar um pouco de ar fresco porque estavam lá pessoas em situações muito complicadas.
NM: Sente que o papel que desempenhou passou um bocadinho por aí? Por animar quem lá estava?
PJP: Eu fui com a missão de estar por lá para ir escutando e ouvindo algumas dificuldades que as pessoas estavam a viver. Nós estamos a falar da primeira vaga, ali em abril, quando ainda não sabíamos muito bem o que era isto, mas já sabíamos da gravidade da situação. Portanto, havia ali necessidade de dar algum apoio. Entretanto, acabei por ir acumulando algumas tarefas, sobretudo no sentido de fazer pontes com os párocos e as conferências vicentinas. Nessa altura a igreja tinha fechado portas e estávamos em contexto de confinamento total, porém sabíamos que podíamos divulgar e ajudar. Foi bonito ver como este contacto foi um contributo para se falar e apresentar a realidade de cada paróquia, onde o Centro depois pôde intervir e fazer de facto chegar a sua ajuda.
NM: As pessoas que ali estavam no fundo não tinham condições para estar também nas suas casas.
PJP: São situações muito complicadas. O Centro de Acolhimento Covid Negativo da Maia funcionava, não só para acolher pessoas negativas, mas também para começar processos locais de ajuda a situações concretas e isoladas. Um reconhecimento da vida nas comunidades e de quem precisava de algum auxílio.
NM: Ou seja, acabaram por identificar ali algumas pessoas que, depois de saírem do Centro, iriam continuar a precisar de ajuda.
PJP: Exatamente. Com o auxílio dos centros sociais, das freguesias e da delegação camarária.
NM: O padre, enquanto lá esteve, sentiu essa entreajuda entre as várias instituições? Sente que estavam todos a remar para o mesmo lado?
PJP: Sim, havia uma união geral. Mas sentia mais isso no primeiro confinamento, porque era uma novidade e havia essa vontade de estarmos todos a remar para o mesmo lado. Depois havia o medo do desconhecido, sobretudo ao nível de determinadas instituições.
NM: Acredita que o fecho das igrejas abalou a fé das pessoas?
PJP: A fé, na sua dimensão individual, acredito que não tenha abalado. Agora nós, como Igreja Católica, apostamos muito nesta dupla dimensão, na dimensão individual mas também na expressão comunitária. E a expressão comunitária acredito que abalou. Tanto que, quando reabrimos a 4 de maio as celebrações, as pessoas demoraram a voltar. Só a partir de junho é que as pessoas aderiram mais e até comecei a ter mais dificuldade em gerir os lugares. Foi um regressa novamente gradual.
NM: As pessoas tinham medo de voltar?
PJP: Medo sim.
NM: Foram ganhando confiança?
PJP: Sim, foram ganhando confiança. Também devido ao próprio decréscimo de casos, ao verão e ao cansaço de estar em casa. Então, a partir de junho, as pessoas começaram a participar das celebrações. Mas as primeiras semanas foi um desolar, mesmo para nós, enquanto padres.
NM: Ver uma igreja vazia.
PJP: Ver uma igreja vazia foi muito complicado.
NM: Apesar de não o ter feito inicialmente, neste segundo confinamento celebrou algumas missas pelo digital. Como é que surgiu essa ideia?
PJP: Surgiu pela motivação das próprias pessoas. Eu estava algo resistente a essa metodologia porque acreditava que já existiam muitas opções, mesmo na rádio e na televisão. Contudo, ali em S. Pedro de Avioso temos a celebração do São Sebastião, que, na nossa tradição, é o santo protetor das pestes. Sendo a pandemia também uma peste que nos assola, quisemos valorizar a celebração do São Sebastião com uma transmissão online. E depois continuámos! O sentido comunitário alertou-me para isso, para a necessidade e a importância de o fazer.
NM: E entretanto as missas aqui já foram retomadas. Tem sido como no outro confinamento? Ainda vem pouca gente?
PJP: Muito pouca gente. Se bem que se aproxima a Semana Santa. E a Semana Santa, por norma, é um momento de vivência cristã muito intensa, vamos ver o daí virá.
NM: Mas voltando ao Centro de Acolhimento Covid Negativo da Maia, esta foi a sua primeira experiência de voluntariado?
PJP: Não, nos tempos de seminário menor, todas as semanas tínhamos momentos de voluntariado no Lar das Irmãzinhas dos Pobres, no Pinheiro Manso, em que estávamos com os idosos, fazíamos alguma animação e também o auxílio nas refeições. E depois durante o meu tempo de seminário maior, motivado por um colega meu, fiz voluntariado na Associação Spina Bífida e Hidrocefalia de Portugal. E foi uma experiência muito boa. Entretanto, nós também vivemos na motivação daquilo que é o voluntariado. As pessoas estão connosco voluntariamente na atenção ao outro, na dimensão da catequese, na dimensão da liturgia. A nós também importa motivar com o nosso próprio testemunho e exemplo essa dimensão.
NM: Foi difícil o primeiro confinamento, quando não podíamos mesmo sair?
PJP: Foram tempos muito preocupantes. Aqueles primeiros 15 dias foram um autêntico inferno, porque eu sabia que o meu lugar era com as pessoas e não fechado em casa. Cheguei a enviar um e-mail para a delegada de saúde a disponibilizar-me para ajudar no que fosse. Até que uma amiga minha, que é médica e daqui comunidade, me mandou uma mensagem a dizer que uma senhora estava sozinha e precisava que lhe fossem buscar a medicação. Na altura eu fui, mas entretanto a Junta de Freguesia começou com esse serviço de voluntariado.
NM: As pessoas mobilizaram-se.
PJP: As pessoas adaptaram-se e houve uma interajuda formidável! Entretanto uma vicentina aqui da nossa comunidade enviou-me mensagem a dizer que era preciso lençóis e toalhas para o hospital de campanha no Palácio de Cristal. Então fizemos uma recolha das várias freguesias, arranjamos tecidos e conseguimos quase 600 lençóis. Tivemos senhoras de 80 anos a costurar lençóis! Aquelas semanas iniciais de confinamento foram muito provocadoras nesse aspeto. Se as pessoas começavam a estar atentas, havia muito para fazer. E eu não podia ficar quieto no meu canto.