Contributos para a compreensão da História da Maia Medieval ao tempo da fundação da nacionalidade A linhagem da Família da Maia
Tem este artigo a singela pretensão de contribuir para a divulgação de aspetos relacionados com a história medieval da Maia nos séculos X a XIII, e concretamente com a linhagem da Família da Maia, com base na investigação efetuada por insignes autores e na documentação conhecida a propósito.
Segundo Manuel Ferreira Gens (in comunicação “Maya Visigótica”, proferida no Congresso Histórico “Maia – História Regional e Local”, organizado pela Câmara Municipal da Maia em dezembro de 1998) a Maia foi uma circunscrição medieval que chegou a comportar setenta e quatro freguesias do rio Lima a Santa Maria da Feira circundadas, entre outras, pelas Terras de Soeiro Mendes da Maia (Santo Tirso), as Terras de Basto e as Terras de Santa Maria da Feira. Ainda segundo o mesmo autor, a Maya Visigótica data da pré-nacionalidade e o seu primeiro governador foi D. Gonçalo Soares Sapata no ano de 1111, ano em que nasceu D. Afonso Henriques.
Segundo Gonçalo Maia Marques (in “Memória da Maia: a Linhagem e a Terra”, Revista da Maia, Nova série, Ano 1 – nº 1, Câmara Municipal da Maia, 2016), a Terra da Maia Medieval era uma circunscrição administrativa, com carácter legal e jurisdicional, que abarcava os territórios entre o rio Douro e o rio Ave, constituída na época de Fernando Magno, Imperador de Leão e Castela, no sentido de proceder a uma reorganização territorial e militar para fazer face às prerrogativas da reconquista cristã. A Terra da Maia foi formada em torno de um Senhorio que tinha como ponto de referência o castelo da Maia situado quase seguramente em Águas Santas no morro homónimo do Alto da Maia.
Ainda segundo Marques (2016), a linhagem da família da Maia entronca no sangue real da casa Ásturo-leonesa e teve um contributo imprescindível para a reconquista do Condado Portucalense. Nos finais do século X o Condado foi confiado a Alboazar Lovesendes (neto de Ramiro II de Leão e primeiro varão ilustre da família da Maia), que fundou a abadia beneditina de Santo Tirso, onde jazem os principais representantes da família. D. Alboazar Ramires, filho primogénito do rei Ramiro (Senhor das Terras de Gaia), resgatara Santo Tirso aos mouros que arrasaram o mosteiro existente.
De acordo com Agustina Bessa-Luís (in “Os Dezassete Brasões”, Governo Civil do Porto, 1998) a casa solarenga dos Maia estava sediada em Águas Santas e Santo Tirso nascera de um couto que fora cedido aos Beneditinos por Soeiro Mendes da Maia, irmão do Lidador.
Segundo o Padre Joaquim Antunes de Azevedo (in “Memórias de Tempos Idos”, Clube Unesco da Maia, 1º vol., 2014) foi no lugar do Castêlo (de castrello) que o infante D. Alboazar Ramires tirou os mouros de São Romão do castro de Avioso como diz o Conde D. Pedro na “Benedictina Lusitana” (parte 1ª, p. 16).
D. Alboazar Ramires casou com D. Helena, filha do rei Amadeu II das Astúrias, e deste matrimónio nasceu Trastamires Alboazar que casou com D. Mêndola Gonçalves de quem teve Gonçalo Trastamires da Maia que morreu no castelo de Santa Maria de Avioso, em 1038 na peleja contra os mouros comandados por Alboacém, rei de Tânger (GENS, 1998).
(D. Paio Mendes da Maia, filho de D. Mendo Gonçalves da Maia e irmão do Lidador, arcebispo de Braga entre 1118 e 1137)
Segundo José Mattoso (2002) e José Augusto Pizarro (1997), citados por Marques (2016), Gonçalo Trastamires da Maia teve por filho Mendo Gonçalves da Maia que casou com Leodegunda Soares, a Tainha de Baião, de quem teve Soeiro Mendes da Maia, o Bom (irmão do Lidador e de Paio Mendes) que casou com Gontrode Moniz de quem teve Paio Soares da Maia. Paio Soares foi pai de Pero Pais da Maia (o “alferes-mor”, tenente da Terra da Maia, de D. Afonso Henriques entre 1147 e 1169) que casou com Elvira Viegas de Ribadouro de quem teve João Pires da Maia que casou com Guiomar Mendes de Sousa, numa sucessão de ilustres homens de armas que “andou a la guerra a filhar o Reino de Portugal” (expressão do “Livro Velho de Linhagens”, citado por Marques, 2016), conjuntamente com as famílias de Sousa, de Baião, Ribadouros e Braganções.
Segundo Eduardo Teixeira Lopes (in “Acervo Documental Medieval do Mosteiro de Arouca relativo a Terras de Basto”, Mondim de Basto, 2006) ao falar-se do repovoamento do território português conhecem-se cinco presúrias correspondentes às linhagens da Maia, de Baião, Braganções, Gascos e Sousãos (ou de Sousa). Estes últimos ocuparam um extenso território dos dois lados do rio Tâmega, da Póvoa de Lanhoso ao rio Tua, tendo o seu solar em Lagares, no atual concelho de Felgueiras, e as Terras de Basto nos seus domínios (LOPES, 2006). Ainda segundo este autor, D. Gomes Echigaz teve da sua primeira mulher D. Gontrode Moniz (cf. com Gontrode Moniz que casou com Soeiro Mendes da Maia – nota do autor), neta do rei Fernando Magno, D. Egas Gomes, segundo alguns, o primeiro de Sousa. Um dos seus filhos, D. Mem Viegas de Sousa, em 1110 aparecia na tenência de Celorico de Basto, segundo o documento em que D. Teresa coutou o mosteiro de Pombeiro. D. Mem Viegas casou com D. Teresa Fernandes, de quem teve seis filhos, um dos quais Gonçalo Mendes de Sousa que lhe sucedeu e que foi denominado o Bom (ou o Grosso segundo Mattoso) e foi lugar-tenente de D. Afonso Henriques e seu mordomo-mor (LOPES, 2006).
Alexandre Herculano na sua obra “O Bispo Negro” (capítulo quinto) faz referência a Gonçalo Mendes da Maia, a Gonçalo Mendes de Sousa e a Lourenço Viegas, em conversa com Afonso Henriques nos Paços de Coimbra.
Ainda segundo Lopes (2006), o testamento de Gonçalo Mendes de Sousa de 1179 é subscrito, além do próprio, também por D. Urraca Sanches, do segundo casamento, seu filho D. Mendo, apelidado de o Sousão e que foi alferes-mor e mordomo-mor do rei D. Sancho I, e pelo seu genro de Soeiro Mendes da Maia, o Bom.
(Estátua do Lidador, Gonçalo Mendes da Maia)
A família da Maia, conjuntamente com as famílias de Sousa, de Baião, Ribadouro e de Bragança, fez parte deste grupo prestigiado de nobres associados aos primórdios da nacionalidade. O Conde D. Pedro (filho de D. Dinis, foi o 3º Conde de Barcelos) no seu “Livro de Linhagens” consagra especial importância à família da Maia. A título de exemplo, Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, personagem enaltecido nas “Lendas e Narrativas” de Alexandre Herculano, foi o “adiantado” do rei Afonso Henriques na fronteira (segundo Pinho Leal, memorialista do séc. XIX, in “Portugal Antigo e Medieval”, vol. 5, pp 36-37, era fronteiro de Beja) e terá perecido com noventa e cinco anos, em 1170, devido aos ferimentos resultantes da contenda com Alboacém, rei de Tânger. Muitos anos antes, em 1128, já prestara ajuda preciosa ao infante Afonso Henriques na batalha de São Mamede contra a sua mãe D. Teresa e as hostes do conde de Trava e dos fidalgos galegos que a apoiavam.
A família da Maia ocupou o prestigioso cargo de “tenente”, de acordo com as Inquirições gerais de 1258 realizadas no reinado de D. Afonso III, o Bolonhês (MARQUES, 2007), até ao ano de 1226, data da morte de João Pires da Maia, último varão desta família que já tinha tido os filhos de D. Mendo Gonçalves, D. Paio Mendes como Arcebispo de Braga (alguns autores, como Mattoso, admitem que esta ilustre figura pertenceria à linhagem de Sousa e não à da Maia) e D. Soeiro Mendes, o Bom, como tenente da Terra da Maia e como administrador do Condado Portucalense na ausência do conde D. Henrique e de D. Teresa, além do alferes-mor Pero Pais da Maia, entre outras figuras ilustres da família da Maia associadas à fundação da nacionalidade e à reconquista cristã.
Carlos Magalhães
Professor de História de Arte aposentado.
Escreveu o artigo motivado pela recente troca de correspondência com o professor da Universidade de Sevilha Prof. Dr. José Miura Andrades, director do respectivo departamento de Geografia, História e Filosofia, um especialista na época medieval.