Nesta altura em que celebramos os 60 anos do Tratado de Roma, permitam-me realçar três acontecimentos da nossa Europa que marcaram especialmente os últimos dias: a derrota da extrema-direita nas eleições legislativas holandesas, as declarações do presidente do Eurogrupo, que acusou os europeus do sul de gastarem dinheiro em copos e mulheres e depois pedirem que os ajudem, e o atentado de Londres, nas imediações de Westminster.
Aparentemente, três assuntos que nada têm a ver entre si, mas que analisando melhor, até são partes da mesma realidade.
Até às vésperas do acto eleitoral, que se realizou no passado dia 15, o partido da extrema-direita PVV (Partido da Liberdade), liderado por Geert Wilders, com um discurso populista, nacionalista e xenófobo, claramente anti-Europa, anti-imigrantes e anti-refugiados, liderava praticamente todos os estudos de opinião entre os holandeses, sendo apontado como o mais que provável vencedor das eleições legislativas. Uma boa parte da Europa, incrédula, preparava-se já para o pior, para mais um referendo tipo “Brexit”, agora na Holanda.
Sucede que no dia da verdade, tudo foi bem diferente. Cerca de 82% dos eleitores holandeses resolveram mesmo manifestar a sua vontade, e no final, apurados os resultados, o partido de Wilders ficou-se apenas pelo segundo lugar, com 13,1% dos votos, e menos 13 deputados que o partido vencedor (Partido Popular para a Liberdade e Democracia), liderado pelo actual Primeiro-ministro, Mark Rutte. A Europa respirou de alívio e adiou as suas preocupações para as presidenciais francesas, que ocorrerão no final de Abril, e onde Marine Le Pen, líder da extrema-direita, segue nesta altura na dianteira nas sondagens.
Os holandeses não ficaram em casa. Foram às urnas e disseram de forma clara o que queriam e o que não queriam. Decidiram com a “rainha das armas” em democracia: o voto. Esperemos que os franceses façam o mesmo daqui a algumas semanas. Já os 26% dos britânicos que não votaram no referendo do dia 23 de Junho do ano passado, nada podem agora fazer para impedir a saída do Reino Unido da União Europeia. Mesmo que arrependidos, resta-lhes simplesmente lamentar…
O presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselboem, numa entrevista a um jornal alemão, publicada no passado dia 19, e a propósito da forma como a União Europeia lidou com a crise, referiu que:
-“Na crise do euro, os países do norte da Europa mostraram-se solidários com os países afectados pela crise. Como social-democrata, atribuo à solidariedade uma importância extraordinária. No entanto, quem pede ajuda também tem obrigações. Não se pode gastar o dinheiro em copos e mulheres e logo depois pedir ajuda”.
Ora, o Eurogrupo é uma espécie de órgão que reúne os 19 Ministros das Finanças dos Estados-Membros da Zona Euro. Logo, o seu presidente é também um Ministro das Finanças, e com especiais responsabilidades, pois de alguma forma, publicamente e investido dessa qualidade, representa também todos os seus colegas da Zona Euro, os do norte o os dos sul. Daí que se a linguagem utilizada pelo senhor Dijsselboem, nas referências que dirigiu aos países do sul da Europa afectados pela crise, não é própria de um membro de um Governo com sentido de responsabilidade e que preze minimamente o respeito, muito menos o é de um presidente do Eurogrupo, que pretende ser a voz da Zona Euro. Sendo que as palavras deste senhor Ministro das Finanças, que também é holandês, mais do que ofensivas, parecem até esconder um certo espirito populista e xenófobo (até sexista…), que nada tem a ver com os valores em que assenta o projecto da União Europeia, e que reconheça-se, era de todo inesperado, vindo de alguém que até se qualifica de social-democrata. Possivelmente, razão teve o eleitorado holandês, que nas recentes eleições legislativas, que acima referimos, não ofereceu mais do que 5,7% dos votos ao partido a que pertence o senhor Dijsselboem (Partido do Trabalho), tendo aliás, sido a força política que mais desceu, relativamente às eleições anteriores, concretamente 76%, passando de 38 para 9 deputados! Lamentavelmente Dijsselboem não reconhece a infelicidade das suas palavras e recusa demitir-se. É uma pena, pois prestaria um serviço relevante ao seu próprio país e em particular à União Europeia, que não se revêm na sua postura e nas suas palavras. Até porque Dijsselboem sabe desde já que dificilmente fará parte do novo Governo dos Países Baixos, que dentro em breve entrará em funções, face ao resultado eleitoral obtido pelo seu próprio partido…
Na tarde do passado dia 22, um homem de nome Khalid Masood (também conhecido por Adrian Russell), dirigindo-se num automóvel, atropelou diversas pessoas na ponte de Westminster e esfaqueou um policia à porta do edifico do Parlamento inglês, causando 4 vitimas mortais e cerca de 40 feridos. De imediato esta acção foi classificada de “atentado terrorista” e pouco tempo depois, reivindicada pelo denominado Estado Islâmico.
O ano passado, num referendo influenciado por discursos populistas e nacionalistas, anti-Europa, anti-imigrantes e anti-refugiados, claramente alimentados por “medos” emanados dos atentados terroristas de Paris e Bruxelas, 52% dos britânicos decidiram conduzir o Reino Unido para a saída da União Europeia.
Ora, Khalid Masood ou Adrian Russell, como lhe queiram chamar, não era um imigrante ou um refugiado. Era um cidadão britânico, de 52 anos de idade, nascido no sul da Inglaterra, no condado de Kent. Pelo que se os britânicos não tinham percebido, perceberam agora, que não é pelo facto de saírem da União Europeia que vão ficar mais protegidos de eventuais atentados terroristas levados a efeito por radicais islâmicos. É que eles estão lá, dentro das suas fronteiras e são igualmente cidadãos britânicos.
Os discursos populistas são isso mesmo, assentes mais na emoção do que na racionalidade, e quase sempre até na promessa fácil e na manipulação. O próprio Nigel Farage, então líder do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), reconheceu que durante a campanha para o “Brexit” utilizou mensagens que não eram integralmente verdadeiras.
Daí que a principal ameaça ao projecto de construção da União Europeia não resida tanto nos atentados terroristas ou na crise dos refugiados, que são efectivamente problemas a resolver e que carecem de soluções concertadas, mas na manipulação da verdade, nos radicalismos, e acima de tudo, na irresponsabilidade e incompetência de uma boa parte da classe politica, que continua a olhar a dimensão do “bem comum” essencialmente na perspectiva dos seus próprios interesses e estratégias de poder. E que, reconheça-se, contam com a cumplicidade do povo que se deixa muitas vezes enganar, e que, frequentemente, se esquece até de exercer o poder que verdadeiramente tem…
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia