A pandemia obrigou a uma alteração de quase tudo o que tínhamos como habitual e, quase dois anos depois da identificação do primeiro caso positivo da doença em Portugal, continuamos a procurar os testemunhos de quem teve de adaptar-se ao “novo normal”.
João Bessa, coordenador geral da catequese na Paróquia da Maia há oito anos, conta ao NOTÍCIAS MAIA como a catequese se adaptou e recorda como os vários catequistas de desdobraram para manter os grupos cativados.
Em entrevista, lamenta que o grupo de catequizandos tenha diminuído e reflete sobre a perda da vivência da dimensão comunitária da fé.
Notícias Maia (NM): Como é que a catequese se adaptou à pandemia?
João Bessa (JB): Não foi um processo fácil. Quando surgiram os primeiros casos em Portugal as pessoas ficaram com muito medo. Houve uma pressão muito grande no início, e nós também a sentimos. Tivemos de fechar e, numa primeira fase, acabamos por ficar mesmo confinados e sem qualquer contacto. Ninguém estava preparado para passar de um regime presencial para um regime online, e nem sabíamos se era uma coisa para durar. Mas infelizmente foi e, em abril de 2021, decidimos retomar as atividades em contexto 100% online.
NM: E como é que foi a reação dos catequizandos? Porque acredito que fosse cansativo ter aulas online durante à semana e depois a catequese também online.
JB: Dependendo da faixa etária tivemos diferentes tipos de reação, mas houve uma grande aceitação. Mas isso que diz é verdade, notávamos que havia uma certa saturação do online.
NM: Do que me lembro, a catequese é uma atividade muito dinâmica. Como é que se transporta isso para o digital?
JB: Essa foi outra grande dificuldade com a qual tivemos de lidar, porque fazer uma sessão de catequese online é bastante diferente do que em contexto presencial. Presencialmente há um conjunto de ações que, consciente ou inconscientemente, são privilegiadas, como o afeto e a partilha. Sendo isso impossível, o desafio era enorme para os catequistas.
NM: E quem é que foi mais difícil de cativar? Os mais novos ou os adolescentes?
JB: Cada uma das faixas etárias representou diferentes desafios. Lembro-me que no início temia muito pelas crianças mais novas, pelo facto de não terem autonomia para aceder a um link e pela facilidade que têm em distrair-se. E aí os pais foram essenciais.
NM: E a presença dos pais em sessões onde normalmente não estavam foi algo positivo?
JB: Sim, em muitos casos tivemos essa oportunidade de trazer os pais para as dinâmicas online, foi muito interessante e revelou ser uma mais valia.
NM: E depois quando é que conseguem retomar as sessões presenciais?
JB: Quando, em setembro de 2020, as escolas retomaram o presencial, também nós nos preparamos para receber em segurança. Infelizmente foi um plano que só durou três semanas porque, no final de outubro, as coisas voltaram a piorar e tivemos de confinar novamente e voltar ao online. E assim ficamos até à Páscoa de 2021. Aí adotamos um modelo híbrido, onde tínhamos uma semana presencial e uma online. Depois, já em outubro de 2021, retomamos num modelo totalmente presencial, ainda que do 1º ao 3º ano, por serem grupos grandes, haja ainda uma divisão e as sessões seja de 15 em 15 dias. A máscara continua obrigatória e mantivemos o distanciamento dos lugares nas salas.
NM: Desde outubro, já tiveram de suspender estas sessões presenciais?
JB: Não, a única coisa que fizemos foi atrasar uma semana depois do Natal, como fizeram as escolas.
NM: Tiveram algum caso positivo de covid-19?
JB: Felizmente não, mas estávamos preparados para agir caso isso acontecesse e tínhamos um plano de contingência nesse sentido. Procuramos estar o mais preparados possível.
NM: E voltando a setembro de 2020, quando houve uma retoma do presencial, vocês sentiram que os catequizandos estavam com vontade de regressar?
JB: Sim, sem dúvida. Já se notava uma grande saturação em estar sempre no online.
NM: Nesse tempo online houve alguma dinâmica que vos tenha deixado particularmente orgulhosos?
JB: Nós nos tempos fortes de vivência cristã, como os dias antes do Natal e da Páscoa, procuramos sempre ter uma dinâmica transversal. Lembro-me que no Natal de 2020 a experiência passou pela construção de presépios e, por nos termos já adaptado ao digital, foi engraçado que todos eles foram enviando fotos do processo de construção do seu presépio. Acabaram por se incentivar uns aos outros.
NM: E neste vai e vem, perdeu-se alguém pelo caminho? Houve miúdos que acabaram por desistir da catequese?
JB: Toca num ponto importante. A minha grande preocupação era que ninguém ficasse para trás. E uma das primeiras medidas foi perceber quais eram os miúdos com mais dificuldades no que diz respeito aos meios tecnológicos. E uma vez identificados, podíamos depois pensar como podíamos continuar a cativar esses catequizandos. Procurámos ter esse cuidado, mas infelizmente não conseguimos evitar algumas desistências. Atualmente temos perto 350 catequizandos, em 2019/2021 tínhamos cerca de 400.
NM: Foi possível fazer as comunhões?
JB: Foi, mas com um ano de atraso. Isto é, os grupos que, em 2019/2020 deveriam ter feito a Primeira Comunhão, a Festa da Eucaristia e a Profissão de Fé, fizeram em junho de 2021. Tentamos fazer em novembro de 2020, mas foi quando as coisas voltaram a piorar. E mesmo assim tivemos de fazer várias adaptações para garantir os distanciamentos e tudo mais.
NM: Com tantas dificuldades, há depois um sentimento de missão cumprida?
JB: Sim, sem dúvida. Houve muito essa sensação quando conseguimos realizar estas comunhões, sentimos um grande alívio e a tal sensação de missão cumprida. Principalmente quando os pais elogiaram a grande organização e como tudo correu da melhor forma.
NM: Como catequista, qual é a sua avaliação das possíveis consequências destes tempos?
JB: Creio que uma das principais coisas que perdemos foi a vivência da dimensão comunitária da fé. A vivência desta dimensão é fundamental para o enraizar e crescimento da própria fé, e isso é algo que poderá ter sido abadado e colocado em causa. Este contexto fez-nos separar e isso tem sempre implicações na consolidação da vivência da fé.