Após as eleições legislativas multiplicaram-se queixas de portugueses recenseados no estrangeiro que não puderam votar, seja porque não receberam as competentes cartas para exercerem o voto por correspondência, quer porque foram votar presencialmente desconhecendo que para isso deveriam ter exercido o seu direito de opção entre as duas modalidades até à publicação oficial em Diário da República da data agendada para o acto eleitoral.
Neste caso concreto, um português recenseado no estrangeiro que pretendesse votar presencialmente para estas legislativas teria de se deslocar à Comissão recenseadora (normalmente Consulados ou Embaixadas portuguesas no país onde reside) até ao dia 05 de Dezembro, quando foi marcada oficialmente a eleição, data essa que não conhecia de antemão.
Caso contrário teria de aguardar por uma carta que em certos países, consoante o bom ou mau funcionamento dos correios ou até porque o eleitor mudou de residência e ainda não alterou a morada no cartão de cidadão, pode não chegar ao destinatário. E mesmo que chegasse, o eleitor teria de enviar o seu voto, acompanhado de cópia do seu Cartão de Cidadão (mesmo que caducado) até dia 29 de Janeiro uma vez que só seriam considerados os boletins recebidos em Portugal até ao dia 09 de fevereiro.
Mesmo com os portes pagos previamente pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, um eleitor facilmente confundiria com o dia 30 uma vez que era a data das eleições, tornando todo o processo de voto no estrangeiro demasiado burocrático para um país que diz pretender combater os números da abstenção.
Pior que não votar é não votar porque não se pode.
Foi amplamente noticiado nos dias seguintes às eleições, o caso de portugueses em Madrid que não receberam a carta e que foram impedidos de votar presencialmente no Consulado porque não se tinham inscrito previamente para o efeito e por isso não constavam dos cadernos eleitorais para o voto presencial.
“Queremos votar mas não conseguimos” disseram. Atendendo a que a taxa de abstenção se situou, ainda que descendo face a 2019, em 42% (falta ainda contabilizar os votos no estrangeiro precisamente, devendo previsivelmente subir) é muito triste.
Ora, se por um lado se percebe que tenha de existir uma baliza temporal para recenseamento eleitoral e direito de opção entre voto postal ou presencial, de forma a que, oportunamente, os cadernos eleitorais sejam actualizados e se tornem definitivos até ao dia das eleições, bem como elaborar-se cadernos distintos para as duas modalidades para se evitar votos em duplicado, já não se entende porque razão tem de ser até ao dia da marcação das eleições.
Efectivamente faria mais sentido se o direito de opção entre o voto postal ou presencial terminasse, a título de exemplo, dez dias após a marcação oficial das eleições. Assim daria tempo dos eleitores recenseados no estrangeiro tomarem conhecimento tanto do agendamento como de quando termina o direito de opção, seja pelos órgãos de comunicação social da pátria ou da diáspora, ou informação difundida pelos organismos diplomáticos.
Aí sim poderia a Secretaria de Estado das Comunidades, como o afirmou a propósito do caso dos portugueses em Madrid, alegar que os eleitores não terão estado atentos uma vez que a informação foi disponibilizada atempadamente.
Cumpre referir que em tempo de pandemia, à semelhança de outros serviços públicos, alguns Consulados e Embaixadas passaram a atender por agendamento o que só dificulta mais o cumprimento dos prazos aqui referidos.
Creio que esta questão não é mais debatida porque os círculos eleitorais da emigração só elegem 4 deputados: 2 pelo circulo da Europa e 2 pelo circulo de fora da Europa, o que na maioria das vezes pouca diferença faz nas contas finais dos partidos.
Tanto assim é que no final da noite eleitoral muitas vezes anunciam-se os resultados como se fossem definitivos quando a distribuição dos deputados eleitos pela emigração só são conhecidos mais de uma semana depois (aguardam pelos boletins, conforme referido atrás, até 09 de Fevereiro).
No entanto, aqueles 4 deputados representam actualmente, segundo dados do CNE, 1.521.790 portugueses espalhados pelo Mundo, que têm o direito e o dever cívico de exercer o seu voto como qualquer outro nacional.
E que merecem que lhes sejam dadas as condições logísticas para o efeito de forma a evitar-se que um acto politico tão importante e determinante na nossa vida como eleger os deputados e sobretudo o governo que nos representa, não se torne uma tarefa hercúlea.
Muito se tem debatido a possibilidade do voto electrónico e várias experiências piloto já foram realizadas (sem contarem para a votação). Sobretudo para o voto no estrangeiro poderia ser a solução para combater os números da abstenção.
Na verdade, mesmo os eleitores recenseados em Portugal mas que votaram antecipadamente no estrangeiro (presencialmente) em virtude de se encontrarem temporariamente ausentes do país, tiveram de aguardar em alguns casos várias horas para conseguir votar, uma vez que o CNE apenas disponibilizou uma mesa de voto por cada Comissão recenseadora para o efeito.
E perder uma manhã ou uma tarde para se exercer um direito não está ao alcance de todos.
Urge alterar a lei eleitoral e diplomas conexos nesse sentido, criando as condições informáticas e logísticas para garantir a identidade (autenticação através de códigos intransmissíveis?) e a privacidade. Bem como para se evitar a duplicação de votos, por exemplo através também da existência de inscrição prévia para o efeito, mas de uma forma menos burocrática e mais intuitiva. Ou com a criação de cadernos eleitorais electrónicos, nos quais o presidente de mesa daria baixa de quem votou presencialmente. Caso o mesmo eleitor votasse em simultâneo presencialmente ou eletronicamente seria apenas contabilizado o voto presencial, evitando-se fraudes.
Como podemos considerar que um governo eleito (neste caso até com maioria absoluta) representa a maioria dos portugueses quando quase 50% não votaram, e alguns porque não puderam?
Tenhamos todos noção que por cada português que quer votar e não consegue colocamos mais um prego no caixão da Democracia já ela moribunda pelos que poderiam tê-lo feito e não quiseram.
Angelina Lima
A autora escreve segundo a antiga ortografia