- No Orçamento do Estado para 2022 apresentado pelo Governo no último trimestre do ano passado, e que acabou por ser chumbado, a taxa de inflação então prevista era de 0,9%.
Entretanto, passados seis meses, e depois do partido socialista ter visto reforçada a sua maioria parlamentar, o Governo apresentou e conseguiu aprovar um “novo Orçamento” para o mesmo ano de 2022, assente num cenário macroeconómico em que prevê uma taxa de inflação na ordem dos 4%.
Na fundamentação apresentada, o Governo justifica o trajecto inflacionista entre o último trimestre de 2021 e o último semestre de 2022 com a invasão da Ucrânia pela Rússia no passado mês de Fevereiro e a guerra que aí se desencadeou. O que tudo provocou uma acelerada subida nos preços dos combustíveis, da energia e das matérias-primas. O que é uma realidade notória e sentida por todos.
Todavia, a verdade é que já no último trimestre de 2021 várias foram as vozes que se levantaram contra o valor da inflação então previsto pelo Governo português no Orçamento que apresentou, por o acharem pouco realista e demasiado optimista. Recorde-se que a própria Comissão Europeia previa já na altura para a economia portuguesa, e para o ano de 2022, um valor de inflação de cerca de 1,7%, ou seja, bem superior aos 0,9% então advogado pelo Governo de António Costa.
Desta feita, e no âmbito da discussão do Orçamento do Estado aprovado recentemente, várias foram novamente as vozes que se manifestaram contra o optimismo de António Costa ao prever para o ano de 2022 uma inflação para a economia portuguesa de apenas 4%.
De facto, segundo o próprio INE, a taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) tinha atingido já os 7,2% em Abril e aumentado para 8% em Maio, o valor mais alto desde Fevereiro de 1993.
E a verdade é que há dias, a própria OCDE apresentou uma previsão de inflação para Portugal na ordem dos 6,3%, ou seja, superior em 2,3% ao então previsto por António Costa no seu Orçamento do Estado!
É certo que estamos a falar de previsões, mas apetece perguntar, porque insiste o Governo em acomodar o seu Orçamento num cenário tão optimista no que respeita à inflação?
Há uma coisa que todos sabemos, maior inflação, vai necessariamente aumentar o “custo de vida”, mas também gerar, em termos absolutos, maior receita fiscal…
- Ainda segundo as previsões da OCDE, a perda do poder de compra das “remunerações médias” por trabalhador, em Portugal, vai andar pelos 3,5% durante o corrente ano de 2022, o que representará a maior redução desde o tempo da troika e do programa de ajustamento, e claramente uma das maiores do grupo de países da OCDE. Sendo que essa quebra no poder de compra dos salários médios sucede, essencialmente, porque a subida de compensação média por trabalhador não ultrapassará os 2,9%.
Isto num país que tem um conjunto elevado de famílias largamente endividadas, designadamente por força de empréstimos contraídos para aquisição de habitação e a 10ª maior carga fiscal sobre o trabalho (impostos e contribuições) de entre os 38 membros da OCDE.
- Entretanto, o Banco Central Europeu decidiu colocar termo ao programa de compra de activos a partir do próximo dia 1de Julho de 2022, prevendo também uma subida dos juros em Julho na ordem dos 0,25%.
E se é verdade, que o ambiente internacional mais desfavorável em que actualmente “sobrevivemos”, já fez com que Portugal tivesse de pagar a semana passada mais do dobro de juros numa emissão de dívida pública a nove anos, comparativamente com uma operação similar realizada há cerca de quatro meses atrás, o Ministro das Finanças Fernando Medina já admitiu que “haverá impactos dos aumentos das taxas de juro anunciadas pelo BCE e que só a redução da dívida pública os pode combater”.
Ora, é bom que se recorde que Portugal tinha no final do passado mês de Março uma dívida pública equivalente a 127% do PIB, a 12ª mais elevada do mundo.
- Em contrapartida, o Governo prevê no seu Orçamento um crescimento da nossa economia na ordem dos 4,9%. Uma projecção bem mais modesta que a da Comissão Europeia, que prevê um crescimento da economia portuguesa de 5,8%, e da própria OCDE, que mesmo revendo em baixa a sua previsão relativamente a Dezembro passado, aponta para um crescimento de 5,4%.
Dias difíceis nos esperam…Ou talvez não…
Paulo Ramalho