No panorama político português, novembro emerge como um mês sinónimo de crises para o Partido Socialista (PS), marcado por escândalos que abalam as suas fundações e testam os limites da governação e da justiça.
Desde as profundas repercussões do processo Casa Pia, processo que surgiu a 23 de novembro de 2002 com uma investigação da jornalista Felícia Cabrita, passando pelas implicações judiciais que envolveram o ex-primeiro-ministro José Sócrates, detido a 21 de novembro de 2014, até à demissão de António Costa, a 7 de novembro de 2023, novembro revela-se um mês negro para o Partido Socialista.
Processo Casa Pia: 23 de novembro de 2002
A 23 de novembro de 2002 começava o caso Casa Pia, um dos mais marcantes e mediáticos da história judiciária portuguesa, não apenas pelo escopo das acusações mas também pelas personalidades envolvidas, que chegaram a altos quadros do Partido Socialista. O caso abriu o véu sobre uma rede de exploração sexual que envolvia figuras de destaque da sociedade portuguesa, incluindo políticos e diplomatas. O relato apontava Silvino como um facilitador que recrutava jovens rapazes para encontros sexuais com estes indivíduos, mergulhando o país num estado de choque e incredulidade.
Nesta altura, já António Costa foi citado em escutas telefónicas a tentar interferir na Justiça. No dia 22 de maio de 2003, o deputado do Partido Socialista Paulo Pedroso foi detido no contexto do escândalo de abuso sexual do processo Casa Pia. As acusações assentaram em testemunhos de crianças e evidências de escutas telefónicas. Durante o dia que antecedeu a sua detenção, Paulo Pedroso teve várias interações telefónicas com destacados membros do PS, incluindo António Costa e Eduardo Ferro Rodrigues, na época igualmente deputados do partido.
Nessas conversas, discutiu-se estratégias para prevenir a detenção iminente de Pedroso. Registou-se uma tentativa de intervenção por parte de António Costa, que naquele tempo, disse a Pedroso: “Já fiz o contacto… Disse que ia falar imediatamente com o Procurador do processo, portanto, o Guerra. O receio que tem é que a coisa já tenha… já esteja na mão do juiz visto que é o juiz que tem de se dirigir à Assembleia. Pá, talvez o teu irmão seja altura de procurar o Guerra.”
A gravidade da situação era tal que António Costa expressou ainda mais preocupações numa outra chamada, citando o Procurador-Geral da República: “O Procurador-Geral falou com o magistrado do Ministério Público… porque lá o dito Guerra está lá com ele e disse-lhe: ‘Eh pá! O problema é que isso já está nas mãos do juiz…'”.
O nome de José Guerra volta ao panorama mediático em 2021, quando o Parlamento Europeu “condenou o Governo português” pela “interferência na nomeação” do Procurador Europeu (o próprio José Guerra).
José Sócrates detido no aeroporto: 21 de novembro de 2014
A detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates, em 21 de novembro de 2014, representou um momento sem precedentes na história política de Portugal. Sócrates foi interceptado pela polícia no aeroporto de Lisboa após um voo de Paris, marcando o início de uma investigação que abalou o país e o Partido Socialista. Sob suspeita de crimes que incluíam fraude fiscal, branqueamento de capitais, corrupção, e falsificação de documentos, a Operação Marquês colocou Sócrates como o principal entre 28 arguidos, alegando um total de 31 crimes que o envolviam diretamente. As figuras detidas juntamente com Sócrates, como o empresário Carlos Santos Silva, o advogado Gonçalo Trindade Ferreira e o motorista João Perna, foram consideradas peças centrais na rede de alegados atos ilícitos que o Ministério Público estava a desmontar.
O nome de João Galamba aparece associado a este processo, pois avisa o ex-primeiro-ministro antes de ocorrer a detenção: “Fala com o JS [José Sócrates]. Há sururus de que vai ser feita qualquer coisa contra ele muito rapidamente, se souber algo mais aviso.” Galamba não sabia do que se tratava, mas afirmava que iria “ter exposição mediática.”
Durante os 288 dias em que Sócrates esteve em prisão preventiva, a nação assistiu a uma série de eventos e declarações que polarizaram a opinião pública. A repercussão política e mediática levou a que Sócrates fosse visitado, na prisão de Évora, contasse com a visita e o apoio público do ex-Presidente Mário Soares, assim como o ex-primeiro-ministro António Costa.
A reação de Sócrates às acusações foi de desmentido veemente, classificando-as como “absurdas, injustas e infundamentadas” e sublinhando a sua crença nos contornos políticos do caso. Nove anos se passaram desde a detenção de José Sócrates e o seu julgamento ainda não se realizou.
A demissão de António Costa: 7 de novembro de 2023
Em novembro de 2023, Portugal volta a testemunhar um dos seus momentos políticos mais dramáticos com a demissão de António Costa do cargo de Primeiro-Ministro. Este ato, precipitado pela revelação de uma investigação autónoma conduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça, relacionada com suspeitas de corrupção e tráfico de influências nos projetos de lítio e hidrogênio verde, colocou um ponto final na liderança de quase uma década de Costa.
As investigações que levaram à sua renúncia também envolveram outros atores políticos e empresariais. Figuras como Diogo Lacerda Machado, amigo próximo e consultor de Costa, Vítor Escária, seu chefe de gabinete, e o presidente de Sines, Nuno Mascarenhas, também foram implicadas, assim como outros empresários e servidores públicos.
A dimensão do caso e as detenções subsequentes, executadas em locais tão emblemáticos como o Palácio de São Bento, sublinharam a seriedade das alegações e a natureza abrangente da operação.
João Galamba, uma figura central no desenrolar das políticas de lítio e hidrogénio verde de Portugal, foi constituído arguido pelo Ministério Público por suspeitas de prevaricação, corrupção ativa e passiva e tráfico de influência relacionadas à exploração de lítio e à implementação de projetos de hidrogénio verde. Este inquérito esmiuçou as concessões de exploração nas minas de Romano e Barroso e uma central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, além de um centro de dados na zona industrial de Sines, envolvendo a “Start Campus”.
António Costa, num comunicado emocionado ao país, enfatizou a sua “consciência tranquila”, afirmando não ter cometido atos ilícitos ou censuráveis durante o seu mandato. A sua demissão não foi apenas um ato de responsabilidade pessoal, mas também uma resposta à necessidade de manter a confiança na administração pública. A sua decisão ecoou a convicção de que a dignidade do cargo que ocupava não deveria ser ofuscada por qualquer suspeita criminal.
O impacto da sua demissão teve repercussões imediatas, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a convocar partidos políticos e o Conselho de Estado para discutir os passos seguintes, tendo acabado por convocar eleições antecipadas.
1 comentário
Por o que Ouço, a minha modesta analise, é que nas novas eleiçoes os Portugueses vão querer Impor ao PR e ao MP a sua Vontade, Dizer claramente ao Presidente da Republica e á PGR que quem manda é o Povo, e que por muito que lhes custe, terão que conviver com a decisao dos Portugueses manifestada em sufragio, o que tudo leva a crer que o PS Terá uma ainda MAIOR Maioria Absoluta, independentemente de quem for o ganhador nas eleiçoes no Partido Socialista.