Vem esta reflexão a propósito de uma “mesa redonda”, em que participei recentemente em Maputo, com Miguel Poiares Maduro, António Souto e Licínio Pina, subordinada ao tema: “Parcerias Portugal-Moçambique para o Investimento”, no âmbito do Fórum “Qualidade e Competitividade Agro-Alimentar”, promovido pela Associação dos Jovens Agricultores de Portugal-AJAP.
Tenho-o repetido por diversas vezes, apesar de ser considerado um país pobre, actualmente com uma população de cerca de 27 milhões de pessoas (maioritariamente jovem), com um PIB per capita na ordem dos 411 dólares americanos, Moçambique é um território de elevado potencial económico. E estou certo, que mais tarde ou mais cedo, o destino vai tratar de confirmar esse estatuto. Acredito mesmo, que 2030 será uma meta.
Moçambique possui uma situação geográfica privilegiada, cujo território possui uma extensa costa de cerca de 2.470 Km, uma Zona Económica Exclusiva de 586 mil Km2 e faz fronteira com seis países: Tanzânia, Africa do Sul, Malawi, Zâmbia, Zimbabué e Suazilândia. Sendo que estes quatro últimos, não possuem qualquer acesso directo ao mar, pelo que serão sempre potenciais clientes das infra-estruturas portuárias moçambicanas e não só…
Acresce que segundo estimativas de 2015, Moçambique possuirá a quarta maior reserva de gaz natural do mundo e poderá ter reservas superiores a 23 mil milhões de toneladas de carvão mineral, cuja exploração poderá tornar o país a médio prazo, no maior exportador de carvão do continente africano.
Sendo que é no sector agrícola, em minha opinião, que nesta altura ocupa cerca de 80% da sua população, e cuja produção em 2014 contribuiu apenas com 24% para o PIB nacional, que Moçambique poderá encontrar o caminho mais seguro para a afirmação do seu desenvolvimento. Caracterizado por uma grande diversidade de solos e variantes climatéricas, o território moçambicano possui especiais condições naturais para vir a ser um grande produtor de bens alimentares. Recorde-se que Moçambique possui mais de 36 milhões de hectares de solo arável, dos quais somente 10% estão a ser efectivamente explorados. E dos 3,3 milhões de hectares de terreno com capacidade de irrigação, por esta altura, não chegarão aos 150 mil, os que possuem infra-estruturas adequadas para o efeito.
Falta qualificação e organização à produção agrícola moçambicana. Faltam infra-estruturas. Faltam investimentos estratégicos que para além da produção, apostem no processamento, na transformação e na comercialização, que tenham a ambição de atingir para além dos mercados locais, os mercados externos. Falta um sistema financeiro que permita o acesso ao crédito pelos agricultores a taxas de juro razoáveis.
Um dos maiores constrangimentos ao desenvolvimento económico de Moçambique, e designadamente no que respeita ao sector empresarial agrário, reside também na deficiente rede de vias de comunicação que o país ainda possui, quer a nível das infra-estruturas rodoviárias (apesar dos recentes investimentos…) quer ferroviárias (muito reduzida e em mau estado), o que dificulta e onera muito o transporte de pessoas e bens. Todavia, o Governo moçambicano anunciou recentemente planos para a construção de linhas férreas de norte a sul do país, numa extensão de 3.800 Km.
Ora, Moçambique integra conjuntamente com a Africa do Sul, Angola, Botswana, Republica Democrática do Congo, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe, a “Comunidade para o Desenvolvimento da Africa Austral (SADC)”, ou seja, uma zona de comércio livre com mais de 240 milhões de consumidores.
Por outro lado, as Nações Unidas estimam que a população mundial, que hoje é de cerca de 7,2 mil milhões, possa atingir os 9,6 mil milhões em 2050, o que segundo a FAO poderá implicar um aumento da produção alimentar na ordem dos 60% até 2050, para responder às necessidades futuras da humanidade.
Acresce que em Setembro de 2015, e sob a égide da Organização das Nações Unidas, foram aprovados os denominados “Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”, tendo os principais líderes mundiais assumido o compromisso de desenvolver esforços no sentido de até 2030 serem alcançados um conjunto de objectivos e metas extensíveis a todo o planeta, de que se destacam: a erradicação da pobreza, a erradicação da fome, o alcance da segurança alimentar, a melhoria da nutrição e promoção da agricultura sustentável, a garantia do acesso a uma educação inclusiva, de qualidade e equitativa, a promoção do crescimento económico inclusivo e sustentável, do emprego pleno e produtivo, do trabalho digno, a construção de infra-estruturas resilientes, a promoção da industrialização inclusiva e sustentável, o fomento da inovação, a redução das desigualdades, a criação de cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis, a garantia e padrões de consumo e de produção sustentáveis e o reforço dos meios de implementação e revitalização da parceria global para o desenvolvimento sustentável. Esta é a estratégia mundial da nova cooperação para o desenvolvimento. É para este caminho que os fundos dos doadores e dos bancos de desenvolvimento vão ser alocados nos próximos 15 anos, designadamente para economias mais frágeis, como é ainda a de Moçambique. E recordo a propósito, que a União Europeia, de que Portugal é Estado-membro, é actualmente responsável por cerca de 50% de toda a ajuda pública mundial de apoio ao desenvolvimento.
Certo é que Portugal e Moçambique têm uma relação histórica de mais de 500 anos. Partilham uma língua comum, falada por mais de 250 milhões de pessoas em todo o mundo. Fazem parte da “CPLP- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, a par do Brasil, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Timor e Guiné Equatorial. Enquanto “líder natural” da comunidade lusófona, Portugal tem uma especial obrigação de prestar contributos a Moçambique para que este país da família consiga atingir os aludidos “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”.
Daí que se há sector onde o Estado português poderia oferecer um contributo importante no desenvolvimento e sustentabilidade da economia moçambicana é precisamente o agrário, promovendo acções de cooperação estratégicas em parceria com as autoridades locais, com vista à formação, qualificação e organização da produção local, mobilizando inclusive as escolas agrárias, bem como o movimento associativo e cooperativo nacional (incluindo as instituições de crédito agrícola) a partilhar as suas experiências e conhecimentos, que desenvolvem com sucesso em Portugal. E uma estratégia concertada que envolvesse igualmente os actores da denominada cooperação descentralizada, como as ONG´s e os Municípios, seguramente que acrescentaria valor e eficácia.
Recordo, a propósito, o sucesso da acção de cooperação desenvolvida entre Portugal e Moçambique (ao abrigo do despacho conjunto nº 607/99 dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, das Finanças e da Agricultura do Governo português), que em parceria com a AJAP, possibilitou a instalação de 25 jovens agricultores portugueses em território moçambicano. E que para além da partilha de experiências e conhecimentos, representou um investimento privado no sector agrário moçambicano, entre 2000 e 2005, de cerca de cinco milhões de euros.
E se houve sector da economia que se desenvolveu nos últimos anos em Portugal, coleccionando sucessos nos mercados internacionais, foi indiscutivelmente o do agro-alimentar, pelo que Moçambique é também claramente hoje uma oportunidade estratégica de investimento para as empresas portuguesas que tenham a ambição de competir no grande mercado da Africa Austral, e a partir daí para outros mercados, que nesta era da globalização, estão sempre ali ao lado… E quem chegar primeiro, vai pelo menos ocupando o espaço.
Sendo que também aqui, o caminho será sempre mais fácil se for possível encontrar um parceiro local. E Moçambique possui já nos dias de hoje uma organização associativa representativa do seu tecido empresarial, presente em todas as províncias do país, como o é claramente a “CTA- Confederação das Associações Económicas de Moçambique”, e da qual faz parte a FENAGRI, que é precisamente a federação representativa do tecido empresarial agrário moçambicano.
Haja vontade e o caminho vai-se construindo, em benefício dos dois países, Portugal e Moçambique, como não poderia deixar de ser…
PAULO RAMALHO
Vereador da Economia e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia