Todos os meses nos aparecem as faturas para pagar a água. Ou a água captada e que vem pelas torneiras ou a água que compramos engarrafadas. A água faz parte do nosso corpo, e faz parte de tudo o que nos rodeia, ou seja, mantém uma relação íntima connosco. Ela fala, e nós ouvimos; nós falamos e ela ouve. Ela precisa de cada um de nós; e nós precisamos da água. A água faz parte da comunidade onde vivemos, ela é parte integrante da cidade. Aliás, se recorrermos ao mito bíblico, inserto no livro do Génesis, verificamos que antes de nós, Deus criou a água, porque sem água não poderia criar todos os seres vivos. Os homens e as mulheres e todos os seres vivos são criados – segundo aquele poema -, depois da água, porque a água é fundamental para todos os seres viventes. Sem esta preciosa água – São Francisco de Assis, chamava-lhe Irmã Água -, não estaríamos aqui. Ninguém vendeu água a ninguém, ela é um dom da Terra, não pertence a ninguém, mas é propriedade de cada um de nós, da comunidade. Se a contaminamos teremos de a descontaminar, mas isso é o preço irrevogável do mau cuidado que a cidade e a comunidade fizeram da água. A água é, assim, um bem que não é privado, nem comercializável, ela é gratuita, porque não existiram vendedores-primeiros da água, nem, consequentemente, ninguém “comprou” os direitos da água. Seria bom refletirmos nesta questão, porque sendo do domínio público, da cidade e da comunidade, não poderá nenhum ser humano privado da água, possua ou não dinheiro para a ter. Também, ninguém terá o direito de subjugar a água, aos ditames neoliberais económicos, ou desperdiçá-la. Diríamos, em termos religiosos, que tal seria um Pecado Ecológico Grave, ou em termos da sociedade um Crime Ecológico Grave.
A “Declaração Universal dos Direitos da Água”, documento aprovado pela ONU, em 22/3/1992, já o refere num “texto que merece profunda reflexão e divulgação por todos os amigos e defensores do Planeta Terra, em todos os dias”. Leiamos alguns parágrafos: “A água faz parte do património do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é plenamente responsável aos olhos de todos. A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vida de todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos conceber como são, a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimónia.”
A defesa da água e dos seus direitos é uma luta da cidade e da comunidade, de nós todas e todos, para a nossa sobrevivência, da defesa do equilíbrio e do futuro do planeta. Esse equilíbrio depende da preservação dos rios, dos mares e dos oceanos, e dos “gigantes de gelo”, todo o ciclo da água aqui começa. “A água não é somente herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. A sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.”, refere a Declaração.
E mais adiante a “Declaração Universal dos Direitos da Água”, proclama que “A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, a sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.”
Como refere o bispo de Roma, papa Francisco, na sua encíclica “Louvado Sejas”, “o acesso á água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave divida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável. […] Isto mostra que o problema da água é, em parte, uma questão educativa e cultural, porque não há consciência da gravidade destes comportamentos num contexto de grande desigualdade”.
Os poderes da cidade, de uma comunidade, não podem deixar correr esta questão, e têm de resolvê-la a favor de todos. E, já, agora, vou dizer algo “incorreto para mim”: ainda não ouvi nenhuma homilia nas igrejas da Maia, que satisfaça a questão da água, como o bispo de Roma refere, será desconhecimento, ou estão entretidos com outras mesquinhas coisitas? Para mim, são as duas!
Joaquim Armindo
Pós- Doutorando em Teologia
Doutor em Ecologia e Saúde Ambiental