Vítor Maia, neto do santeiro Amálio Maia, contou ao NOTÍCIAS MAIA a história e o progresso da Arte Santeira na Maia.
Amálio Maia, nascido em 1895 em Santa Maria de Avioso, foi um dos maiores escultores da Arte Santeira em Portugal. Fundou com o pai e com os irmãos a oficina Maias & Irmãos, de onde saíram dezenas de obras até hoje admiradas.
Teve oito filhos no total e a todos os cinco rapazes ensinou a Arte Santeira, mas apenas um desses filhos, Victor Maia, continuou o seu legado. Amálio Maia faleceu em 1986.
Apesar de desconhecida pela maior parte da população, a Maia foi durante muitos anos um concelho muito forte no que à Arte Santeira diz respeito.
Nesse sentido, para saber mais sobre a história e evolução desta arte, o NOTÍCIAS MAIA falou com Vítor Maia, neto de Amálio Maia e filho de Victor Maia, do qual herdou também o nome.
Vítor Maia não seguiu a tradição santeira da família, é professor do ensino Básico e Secundário, mas, nos seus 61 anos de vida, mostrou-se sempre um admirador e entusiasta sobre a história da Arte Santeira na Maia. Ou não fosse ele filho, neto e ainda bisneto de santeiros.
Escreveu inclusive um livro sobre o avô “Amálio Maia, o Homem e o Escultor”, e outro sobre o pai “O Maia dos Marfins”, os quais que podem ser consultados na Biblioteca Municipal.
Notícias Maia (NM): Como é que surge a Arte Santeira?
Vítor Maia (VM): Os santeiros surgiram em vários sítios, nomeadamente em Gaia, em Braga e na Maia. Na Maia a Arte Santeira terá começado nos inícios do século XIX, quando surgiram bastantes encomendas para fazer altares e imagens religiosas.
NM: E quem é que fazia estas encomendas?
VM: Eu penso que seria a própria Igreja. Nessa altura, mil oitocentos e tal, começaram a ser feitas muitas igrejas e muitas renovações de capelas. Penso que houve uma espécie de surto religioso ou um avivar de alguma religiosidade, porque não foi só em Portugal que isso aconteceu. Portanto houve um incremento desses trabalhos, surgiu a necessidade de os realizar.
Na Maia, uma série de pessoas respondeu a esse desafio, eram carpinteiros que tentaram de alguma forma corresponder àquilo que era pedido e foram bem-sucedidos nessa tarefa. E ao serem bem-sucedidos optaram por trabalhar nesta arte de esculpir figuras religiosas.
NM: E que nomes de destacaram no início desta arte?
VM: Há dois homens que se destacam, Joaquim de Oliveira Maia e José Ferreira Thedim, o mais antigo, porque há várias gerações de Thedim. Foi a partir desses dois homens que se criaram duas oficinas. Uma em São Mamede de Coronado, que foi criada por José Ferreira Thedim filho, uma vez que o pai entretanto faleceu. A outra, por Joaquim Oliveira Maia, que ali ensinou a todos os filhos a arte. O mais curioso é que estes artesãos primitivos tiveram a preocupação de transmitir aos descendentes a sua arte e os seus conhecimentos.
NM: Acabava por ser quase uma arte de família, não é? Era passado o legado.
VM: Exato! Houve várias dinastias de Santeiros da Maia, mas os mais importantes foram os Thedim em São Mamede do Coronado e os Maia em Santa Maria de Avioso.
NM: Há um nome que se destaca aqui nos Maia que é o seu avô Amálio Maia.
VM: Sim, Amálio Maia era um dos filhos de Joaquim de Oliveira Maia. Era, se calhar, quem tinha mais sensibilidade artística porque foi ele que depois tomou conta da oficina. Comprou a quota aos irmãos e ficou o único proprietário da oficina Maias & Irmãos.
NM: E hoje em dia ainda há quem faça estes santos na Maia?
VM: Na Maia, aqui em Nogueira, há o senhor Luciano Thedim, que mora cá há muitos anos e ainda trabalha nisto. Aliás, ainda costuma ir à Feira de Artesanato na Maia, às vezes está lá a trabalhar. Havia o meu pai também, que faleceu em 2019, que só trabalhava em marfim.
Mas penso que onde existe maior quantidade de santeiros é mesmo em São Mamede do Coronado. Penso que eles têm nove ou dez santeiros atualmente em atividade.
A arte santeira não tem agora a mesma dimensão que tinha porque isto teve um auge. Em meados dos anos cinquenta ou sessenta do século XX atingiu-se o auge da Arte Sacra e da produção santeira aqui na Maia.
NM: Será uma arte em vias de extinção?
VM: Eu penso que sim. Pelo menos da forma como as imagens eram feitas no passado. Porque no passado todo o processo era manual, depois surgiram os pantógrafos, máquinas que permitem fazer cópias e aligeirar o processo de produção. Hoje em dia ainda se trabalha nisto, mais em Braga até, mas já não é tudo feito à mão, utilizam-se os pantógrafos embora não se admita nem se diga. Um pantógrafo é uma máquina que permite reproduzir ou desbastar a peça, depois eles acabam manualmente os pormenores. Antigamente era tudo feito de raiz, desde o princípio ao fim.
NM: Os Santeiros de São Mamede de Coronado foram há alguns meses considerados uma das 7 Maravilhas de Portugal. Acha que a Maia ainda pode vir a apostar e a promover uma oficina de Arte Santeira?
VM: Não sei, eu acho que já podia ter apostado. No caso das 7 Maravilhas, no fundo a Trofa ganhou o prémio mas houve alguma trapaça ao gastar 75 mil euros em chamadas para o concurso.
Atualmente há santeiros em São Mamede de Coronado e existe todo um passado santeiro ligado à região. Mas São Mamede de Coronado só começou a fazer parte da Trofa em 1998. Antes disso, estava ligado a Santo Tirso porque foi desanexado da Maia em 1836.
A Trofa podia ter concorrido mas a dar o conhecimento real do que aconteceu, porque a história que nos apresentam é que os Santeiros da Trofa foram os melhores. Não, os Santeiros da Trofa só existem desde 1998, porque antes eram de Santo Tirso e, inicialmente, foram da Maia.
Mas a Câmara da Maia é sempre a última a fazer alguma coisa. Em 2011, Matosinhos criou no Centro Cívico de Santa Cruz do Bispo a Sala-Museu Guilherme Ferreira Thedim que foi um dos descendentes da família Thedim que foi para lá morar. Eles fizeram qualquer coisa sobre isso e só tinham lá um mestre santeiro! A Maia tem a história que tem há muito tempo e até agora nunca fez nada. Mas se fizesse eu acho que ainda ia a tempo.
NM: Pelo que me está a dizer a Arte Santeira poderá ter surgido na Maia. Porque é que acha que a Maia desistiu deste marco histórico?
VM: Não sei se desistiu. Apesar de pouco ou nada ter feito sobre o assunto, ainda vai a tempo. Temos a história, livros e registos sobre o assunto. Entre estes registos conta-se o artigo de Carlos de Passos, “Os Santeiros da Maia – Arte Religiosa Popular do Norte”, publicado em 1957 na separata da revista Lusíada, por exemplo.
Há também vários livros: “Os Santeiros da Maia”, de José Manuel Alves Tedim, publicado em 1978; Os livros “Amálio Maia – O Homem e o Escultor” e “O Maia dos Marfins”, ambos da minha autoria; “Alberto Sá – Escultor Santeiro” e “Santeiros da Maia: no último ciclo da escultura cristã em Portugal” ambos da autoria de Sérgio Oliveira Sá. Este último é uma obra imprescindível para conhecer a fundo a Arte Santeira da Maia.
Com toda a nossa história e com todo o material e registos que existem, o processo fica mais simples, bastando para isso interesse, vontade política e deitar mãos à obra.