Ana Rita Costa tem 23 anos e é enfermeira na Bélgica. Maiata durante toda a vida, trocou a Maia pela experiência de viver no estrangeiro e pela valorização da sua profissão.
Ana completou um ano a viver em Bruxelas. Foi lá que acompanhou toda a evolução da pandemia, na ala de enfermagem onde trabalha.
Fomos conhecer esta Maiata pelo Mundo que pode finalmente regressar de férias a Portugal e matar saudades da família e amigos.
Notícias Maia (NM): Como é que começa esta aventura e porque decides ir trabalhar para fora do país?
Ana Rita Costa (AC): Fui essencialmente pela experiência. Não estava com nenhum vínculo laboral em Portugal e, como o meu namorado também estava virado para a ideia de trabalhar lá fora, achei que seria positivo. Somos jovens e nunca é tempo perdido.
NM: Qual foi a tua primeira impressão dos belgas?
AC: Não são tão calorosos como nós. Temos parecido o facto de sermos gentis. Eles são muito bem-educados, às vezes nem parece verdadeiro. Parece que é só para parecer bem!
NM: Já me disseram que Bruxelas é um “caldeirão de culturas”. Sentes isso?
AC: É mesmo! E mais ainda, cá na Maia, não há assim tantas etnias diferentes e não lidamos muito com essa multiculturalidade. Tu chegas lá e vês mais marroquinos, indianos e chineses do que belgas! Mesmo no hospital, no meu serviço, só há duas belgas e o resto são pessoas com diferentes origens. É muito interessante porque vamos conhecendo hábitos e formas de trabalhar distintas.
NM: Como funciona a saúde em Bruxelas?
AC: A ideia que tenho é que o Sistema Nacional de Saúde é muito eficiente. Lá o SNS é privado e funciona tudo através de seguros de saúde. Toda a gente tem que ter seguro e, para quem não tem, os preços são exorbitantes.
NM: Há pouco dizias-me que, mais no início, sentiste alguma discriminação no teu trabalho por seres portuguesa. Em que sentido?
AC: Logo na primeira semana os nossos colegas de Bruxelas perguntavam-nos se recebíamos o mesmo que eles, por exemplo. Depois parece que estão sempre desconfiados. Alguns doentes, quando percebem que a pronúncia não é a deles, questionam a nossa origem, a nossa experiência e até se sabemos o que estamos a fazer. Fazem muitas perguntas a nível dos procedimentos. E, no início, como não tinha tanta prática com o francês, não era tão fácil explicar e aí eles ficavam mais de pé atrás. Mas com o tempo melhorou.
NM: Como é que sentiste essa barreira da língua?
AC: O primeiro mês foi muito complicado! Mesmo com as bases da língua e com o curso que fazemos de seis meses antes de ir, lá é diferente. É só com o contacto diário e direto que começas a aprender. Depois de um ano já me consigo explicar muito bem mas claro que ainda dou alguns erros de conjugação (risos).
NM: E no hospital não podes mesmo falar português.
AC: Não, nem pensar. Somos logo avisados que, nem entre nós podemos falar em português. É mais pelos doentes e para eles não sentirem que estamos a omitir-lhes informações. Alguns colegas ficam mesmo incomodados se nos ouvem a falar em português.
NM: Qual a maior diferença que sentes na tua profissão, entre Portugal e Bélgica?
AC: Valorização. E remuneração também, não se compara. A Bélgica valoriza muito os enfermeiros, principalmente agora depois da fase inicial da pandemia.
NM: Como é que lidaste com o aparecimento desta pandemia? Dizias-me há pouco que o teu serviço de enfermagem foi o escolhido para receber estes doentes.
AC: Sim, foi muito repentino. Falávamos da Covid-19 mas parecia longínquo porque ainda estava na China. Eu tinha estado em Portugal em março e, depois de regressar a Bruxelas, foram apenas alguns dias até nos informarem que os nossos doentes seriam todos transferidos e que aquela seria a ala Covid-19. Não sabíamos como era a transmissão nem que proteção individual teríamos de usar. Foi um choque e as primeiras semanas foram muito duras porque quase não havia informação do vírus. Fomos andando e adaptando o que víamos que era preciso.
NM: Como é que foi a resposta da Bélgica à Covid-19?
AC: Acho que Portugal foi mais rápido a implementar o confinamento. Na Bélgica demorou mais algum tempo para que se tomassem essas medidas. A Bélgica tem quase a mesma população que Portugal e tem mais de 60 mil infetados e 9 mil mortes.
NM: Como é que a população se comportou?
AC: Acho que muitas pessoas não levaram a pandemia a sério. Viu-se sempre muita gente na rua e nos transportes, mesmo durante a pior fase da epidemia.
NM: Trabalhaste três meses sempre na ala dos doentes infetados. Como é que te sentiste?
AC: Sentia-me sempre muito suja. Foi difícil lidar porque tínhamos medo de nos termos infetado e depois irmos para casa e podermos infetar alguém. Eu vivo numa casa só com enfermeiros daquele hospital mas eu era a única que tinha contacto diário com a doença. Depois fui aprendendo a lidar com a situação e o medo inicial foi desaparecendo. Foi difícil. Os meus pais estavam preocupados e eu ia sempre desvalorizando quando falava com eles. Ia dizendo que estávamos bem e protegidos, mas tínhamos medo. Muitas pessoas achavam que a doença era mais grave só em idosos mas eu vi muitas pessoas da nossa idade a morrer e nos cuidados intensivos, foi difícil.
NM: E como está a correr o desconfinamento?
AC: Parece-me que as pessoas estão a pensar que já passou. E ainda não passou, continuamos a ter sempre novos casos.
NM: Para terminar como avalias este primeiro ano a viver fora de Portugal?
AC: A Bélgica deu-me muita experiência. Principalmente por esta crise sanitária, ganhei muita vivência na minha profissão. Quero continuar a trabalhar lá e, esperando que esta pandemia fique mais controlada, quero continuar a aproveitar o tempo em que lá estou.