Não é só nas eleições americanas ou brasileiras que se ganham e perdem apoiantes nas redes sociais. Na Maia, a luta política também se faz no Facebook. É uma guerra travada sem rostos, sem pudor e principalmente sem moderação.
Esta é uma história puramente digital e decorre nos dos bastidores da ribalta política. Apesar da manipulação dos fóruns das rádios e TV’s não ser novidade, o panorama maiato tem convivido com um duelo de contra-informação, por vezes diário, no Facebook.
Afinal de contas, se está no Facebook é porque é verdade… ou não será bem assim? Saiba mais sobre o Xadrez que se joga nas redes sociais.
O jogo
Existem vários perfis falsos criados há vários anos que procuram atacar sempre os mesmos alvos, proliferando sobretudo em grupos de Facebook com vários milhares de membros – um em particular com mais de 50 mil utilizadores.
A grande maioria destas pessoas, que só existem na rede social, surgiu e está ativa desde as últimas eleições autárquicas, em 2017. Outros, um grupo mais restrito, existem mesmo desde anos anteriores. Os objetivos são políticos e a estratégia é clara: atacar, difamar e denegrir a imagem dos adversários, à margem das regras, com recurso a informação privilegiada e campanhas negras.
Há perfis que se alinham com quase todas as forças políticas, da esquerda à direita, mas, em alguns casos, existem até líderes políticos e membros destacados de partidos que interagem regularmente com contas que são claramente falsas. O objetivo é sempre o mesmo: espalhar e validar a sua mensagem. Este é o lado obscuro das redes sociais.
Os quatro primeiros passos para identificar um perfil falso
- Tem foto de perfil? Muitas vezes as fotos dos perfis falsos provém de bancos de imagens ou mesmo de pessoas insuspeitas, de outras nacionalidades. Há também casos em que simplesmente a foto de perfil mostra apenas animais, paisagens ou objetos.
- Tem amigos em comum? Muitas vezes os únicos amigos dos perfis falsos são de várias nacionalidades e não há qualquer ligação entre eles.
- O perfil foi criado há pouco tempo? O Facebook já cá está há vários anos e são cada vez menos as pessoas que não têm conta nesta rede. Se o perfil foi criado há pouco tempo, desconfie.
- O perfil partilha conteúdo com amigos? Muitas vezes os perfis falsos não têm qualquer fotografia ou vídeo com os seus amigos, nem recebem interação de outras contas.
O tabuleiro
Com uma rápida análise, seguindo os quatros passos descritos na caixa, encontram-se facilmente vários perfis falsos nos grupos cuja temática é a Maia e curiosamente, a política autárquica.
Alguns vão frequentemente mudando de nome e de fotografia de perfil, não existindo referências a estas pessoas fora do Facebook nem nos motores de busca. Aliás, estes foram alguns dos perfis falsos que surgiram para fazer campanha política e sobretudo, para atacar adversários, durante a última campanha para as eleições autárquicas.
É um facto. Existe na Maia uma campanha de perfis falsos que prolifera, sobretudo, nos grupos de Facebook, em particular no grupo “Eu Moro na Maia!”, que conta que com mais de 53 mil membros, à data desta reportagem.
Os jogadores
Em destaque surgem dois: Sousa Joana, figura que ainda hoje se mantém ativa, que tem como fim espalhar notícias falsas, muitas vezes recorrendo a insultos e difamação; e um João Francisco Guedes, perfil que atacava principalmente o candidato da coligação PS/JPP, disfarçado com um cartoon de Camões e que foi entretanto eliminado da rede.
Sousa Joana diz que é do Porto, que andou na escola Escola Básica e Secundária de Águas Santas e vive na Cidade da Maia. Usa uma fotografia de perfil de um banco de imagens gratuitas.
Nas suas publicações procura atacar o executivo municipal, em particular o seu presidente, e colhe interações através de gostos em alguns dos seus comentários, alguns de políticos, como Sérgio Gomes, elemento do JPP que foi candidato à Assembleia de Freguesia de Moreira em 2017 e candidato a deputado pelo círculo eleitoral de Leiria, também pelo JPP. Aliás, Sérgio Gomes e Sousa Joana, o perfil falso, participam várias vezes nas mesmas discussões, com presença assídua nas caixas de comentários.
Sousa Joana é também presença frequente nas páginas do partido JPP e de Francisco Vieira de Carvalho, através de comentários nas publicações, gostos e partilhas.
Outro exemplo na página do JPP na rede social, onde o partido se refere à imprensa frequentemente como “pasquins da terra”, na publicação de 1 de outubro, volta a ser brindada por um comentário do Sousa Joana.
João Francisco Guedes por seu lado, assume-se como o “Famoso Paladino da Verdade”. Vive em Vermoim, Cidade da Maia e nasceu aos 31 dias do mês de dezembro de 1980. Estas são as únicas informações disponíveis. Na rede social ficamos sem saber onde estudou, onde trabalha ou quem são os seus familiares. Antes de se assumir como uma sátira, usava fotografias e agia como se não fosse uma conta falsa.
Durante a campanha para as autárquicas de 2017 esta era uma das contas mais ativas e partilhava principalmente vídeos humorísticos e memes, com o objetivo de ridicularizar os candidatos do “Um novo começo”, mais precisamente Francisco Vieira de Carvalho e Carlos Teixeira, ambos dissidentes do PSD e candidatos pela coligação JPP/PS. Carregava também para a rede social vários documentos, muitos deles potencialmente comprometedores para as partes visadas, com o objetivo claro de descredibilizar esses elementos. Na reação a este perfil, surgiu o João Francisco Guedes Guedes, como força de ataque ao PSD/CDS e à coligação “Maia em Primeiro”.
Augusto Rolo e Maria Olinda (que já trocou de nome e fotos e chegou a estar desativado), atuam principalmente no grupo “Eu Moro na Maia!”, gozando de um critério largo da parte dos moderadores. Estes perfis alargam o leque de temáticas que abordam, não se cingindo apenas à política, mas sempre com o timbre colocado na crítica.
Bombeiro Sam e João Miguel Sousa. Se o primeiro não deixa dúvidas quanto à sua natureza, já o segundo perfil pode induzir em erro os mais incautos. Isto porque João Miguel Sousa foi em tempos Sousa Maiato e, entretanto, alterou tanto o nome como a fotografia de perfil. Ambos os perfis estiveram ativos principalmente durante o combate das legislativas, em 2017, desferindo ataques regulares tanto a Carlos Caseira como a Carlos Teixeira, ao mesmo tempo que deixavam comentários a defender os elementos da coligação “Maia em Primeiro”.
Frederico Miramar e Manuel Reis Antunes foram criados durante a campanha para as autárquicas. São ambos perfis que têm como objetivo a difamação do presidente e executivo camarário, fazendo uso de uma linguagem obscena e tecendo acusações bastante graves.
Rita Gilman é mais refinado do que os restantes, deixando alguma dúvida sobre a veracidade do perfil. No entanto, não é possível encontrar nenhuma Rita Gilman fora da rede social com os mesmos atributos com que esta se descreve no seu perfil. Mais uma vez, o timbre é o da crítica ao executivo, participando regularmente em discussões que procuram atacar quem está no poder.
Manuela Lopes da Silva é um perfil falso que afirma trabalhar na Câmara Municipal da Maia e simula ser do PSD. Este perfil falso existe, como os outros, para criticar e fazer campanha política, tentando ganhar credibilidade ao assumir a sua preferência partidária e colocando-se como funcionária da autarquia.
As regras
A diferença de critérios nos grupos de Facebook, marcada pela existência de moderadores afetos às principais forças políticas, acaba por marcar a atuação destes perfis de combate, como foi visível, por exemplo, com o surgimento de outro perfil falso, o Maria Pina Moura.
Quando este perfil surgiu a partilhar uma notícia no Eu Moro na Maia! que envolvia Jaime Pinho, vereador eleito pelo JPP, foi rapidamente banido do grupo e o seu post apagado.
O mesmo perfil apareceu mais tarde num grupo ligado ao Castêlo da Maia, acusando Vera Ferreira, membro da Assembleia de Freguesia do Castêlo da Maia e militante do PS de o ter expulso do grupo, facto que a própria confirmou. Nesta discussão, Sousa Joana entra novamente em cena e comenta e defende os visados, colhendo a interação de Sérgio Gomes. Maria Pina Moura não teve vida longa e voltou a desaparecer.
Outros perfis conseguem perdurar ao longo de vários meses ou até anos, apesar de chamarem a atenção pela forma como se comportam na rede social. A técnica de escrita aproxima-se em muitos deles, assim como os argumentos utilizados e os métodos empregues. Facilmente podemos concluir que um grupo restrito de pessoas tem a seu cargo esta tarefa, dando vida a dezenas de perfis falsos.
Este tipo de análise não é uma ciência exata, sendo possível enganar os processos e os algoritmos de verificação, tal como é provável induzir em erro até o observador mais atento. Eventualmente podemos mesmo incorrer no risco de assinalar “falsos positivos”. Não temos dúvida que muitos outros perfis falsos existirão, criados para fazerem o trabalho sujo que alguém não quer assinar. Julian King, comissário europeu para a segurança, deu um ultimato às plataformas para melhorarem o combate à desinformação até setembro. Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, garantiu recentemente ao Senado Norte Americano, ter desativado dois mil milhões de contas falsas, e cerca de 7600 contas, páginas e grupos que tinham “comportamento não autêntico”, apenas no primeiro trimestre de 2019.
A desinformação é um processo que tem os seus criadores, muitas vezes anónimos, os seus propagadores mas, no fundo, depende fundamentalmente da capacidade de filtragem dos utilizadores para se tornar verosímil. Se os factos apresentados não são baseados em nenhuma prova (citações, documentos, imagens, notícias), então a mensagem pode ser apenas um rumor ou uma especulação. No fim, o debate público depende sempre da nossa capacidade de escolher e criticar a informação que partilhamos.