A cidade é um espaço, mas também um tempo. Modernizar um espaço com uma não-inscrição no tempo, torna-a intemporal, e por isso vazia do sentido de cidade. Não se constrói uma cidade, sem pessoas, mas cidade sem história e sem cultura, já não é uma cidade inscrita no ser cidade. Por isso torna-se um espaço, sem um caminho percorrido e a percorrer. A cidade parte sempre de um todo cultural, onde as diversas ideias se cruzam, a investigação é apropriada com o fundamental, as crenças, a religiosidade, os costumes, as linguagens, o teatro, o cinema, a música, o folclore, formam um tecido cultural, advindo das pluralidades intelectuais e artísticas, dos tempos presentes e dos seus anteriores. Só existe cidade com o pulsar do desenvolvimento acolchoado pelas passagens dos tempos, e tantas vezes por outros espaços que a cidade foi perdendo. Não é cidade aquela onde os seus fundamentos se situam no desconhecimento da sua história e cultura, até porque pode não estar enraizada nas próprias pessoas que em determinado momento habitam um espaço verticalizado, cada vez mais, numa tentativa numérica do desconhecimento das gentes passadas e futuras. Não existe cidade onde o fulcro não reside em si, na sua história e na sua cultura. A própria arquitetura pode construir ou desconstruir a cidade. A cidade é sempre uma relação de pessoas, mas também de espaços, de culturas e de história. Esta relação, ecológica, pode ficar ferida quando o cruzamento das pessoas que habitam na cidade, não fazem dos espaços tempos de pensamento e dão o colorido das intervenções históricas e culturais. Não existem logótipos – por mais bem feitos que sejam -, que darão segurança à cidade, à sua evolução e ao seu desenvolvimento.
Se sem pessoas não existe cidade, sem o exercício da cidadania também não. Podem existir casas e ruas, avenidas e becos, na vertical ou na horizontal. Também sem história e cultura da comunidade da cidade, não existe cidade. Para constituir a história é necessária a audição dos povos que a habitam, conhecer os seus costumes e hábitos, onde a religiosidade é um exercício que será factualmente um contributo para o esclarecimento dos hábitos e costumes, mesmo a religiosidade que dizemos “popular”. Os Homens e as Mulheres que construíram o burgo hão de ser conhecidos e num contexto amplo. As ações e o seu contributo, seja ele de que matriz for, podem sugerir a grandiosidade da cidade.
Mas a cidade não tem fronteiras, tem um espaço espacial, diga-se, dado que este espacial deve ser compreendido na captura do que se passa para além-fronteiras, e estes são umas não-fronteiras. Espacial significa que os “outros”, para além-fronteiras, exercem sobre a cidade a pujança dos seus feitos. A sua história e a sua cultura, estão subjacentes na cultura e na história da cidade. Por outro lado, a cidade exerce sobre os territórios para além de si, o seu contributo cultural e histórico, de hoje e de ontem, até porque as “fronteiras” existentes de hoje não são as de ontem.
Quem faz a história e a cultura da cidade são as suas populações, quem, hoje, não se apropria delas não fazem cidade acontecer. E então quem as subjuga, por mais monumentos que façam, não são da cidade, serão anónimos, que com as suas não-ações, contribuem para uma não-inscrição da cidade. O dar e o receber dumas populações às outras fazem parte da história e cultura da cidade, é por isso que os que chamamos turistas, são indispensáveis na construção da cidade, e a ela aportam os seus saberes e os seus hábitos e costumes. Há um enriquecimento da cidade. Quando faltam estes “estrangeiros”, de perto ou de longe, ou só querem a cidade para um bom sono, não há construção da cidade, existe é incapacidade daqueles que gerem a cidade, mesmo com o voto dos cidadãos e das cidadãs.
Só existe cidadania, quando somos possuídos pelos quereres históricos e culturais da cidade, nesta mistura, que é uma não-confusa, de identidades dos que vivem na cidade, pela cidade e com a cidade. Como a cidade é não-fronteiriça com aqueles e aquelas que só vivem na cidade trazem os seus inestimáveis contributos. Verdade que os “seres-não-vivos”, os monumentos, os museus, os achados arqueológicos, também são arqueológicos, porque são ecológicos, ou seja, falam para cada um de nós, daí a sua contribuição definitiva para a evolução da cidade, enquanto prestadora da cultura, da história e da cidadania.
A cidade é, assim, cultura e história, quando a cidadania é exercida, na força democrática e participativa da política na sua ação nobre de construção da cidade.
Artigos interessantes para o tema:
Dimensão Cultural Do Espaço: Alguns Temas. (1995). A Dimensão Cultural Do Espaço: Alguns Temas. https://doi.org/10.12957/espacoecultura.1995.3479
Araripe, F. M. A. (2004). Do patrimônio cultural e seus significados. Transinformação, 16(2), 111–122. https://doi.org/10.1590/s0103-37862004000200001
Arruda, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e cultura: o novo modernismo paulista em meados do século. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 9(2): 39-52, outubro de 1997.
Joaquim Armindo