A cidade das flores é aquela que une os seus montes, vales e rios ou ribeiras, e não as deixa podres, nem as encana, elas enobrecem a cidade. A cidade das flores não tem fronteiras, comuniza, com as outras cidades que lhe são afins. Por isso, os montes, os vales e os rios, comungam duma mesma expressão em defesa do convívio e da fraternidade entre si. Os montes, vales e rios, são o sorrir da cidade, são em si uma diversidade, que parecem contrariedades, mas formam um todo completo, que enche a vidas das pessoas, quando palmilham os seus vales, sobem aos montes ou lancham à beira dos rios ou ribeiras; assim se vai construindo uma irmandade, que é multiforme, mas ao mesmo tempo unida, pelas flores que nela nascem. Estamos perante uma pluralidade, transformadora em unidade, de pensamentos, palavras, ideias e ações. A cidade das flores – aliás, nome de um livro de Augusto Abelaira -, constrói os laços das famílias vivendo em comunidade, usufruindo do sabor de saber quem é o seu vizinho. Se os rios significam estradas do caminhar da água que dá sentido ao ser cidade, os montes são os apelativos para comtemplar as profundezas dos vales, onde o pastoreio emerge e as hortas dão lhe brilho. Penso mesmo, que o futuro da cidade está em ter, mesmo no seu centro, hortas comunitárias, que servem os cidadãos e as cidadãs.
Dizemos que a cidade das flores é a comunhão da cidade da fraternidade, porque reúne à sua volta todas as famílias da cidade, e mesmo aqui [nas famílias] existem os vales, os montes e os rios. Há que saber, hoje, neste século XXI, porém, o que são as famílias, o que é uma família, e de maneira alguma dispensar alguma da comunidade, que se forma na cidade, a família mesmo que tantos digam “irregular”. Assim como um monte não é um vale, o rio não é um monte, a família é constituída de variegadas formas. E elas fazem parte integrante da cidade, com a bênção de Deus, se outra não obtiverem. Uma mãe com um filho, é uma família, ou um pai com um filho. Um casal homossexual ou lésbico é uma família, e, até, podem ter filhos. Temos as uniões de facto que são famílias e que se reúnem à comunidade enquanto tal. Também temos as famílias daqueles que são solteiros, por opção ou não. As situações de famílias assim – dizia mais acima que eram do século XXI, mas não é -, são membros de pleno corpo da grande família da fraternidade. O Amor conjugal não conhece nem idades, nem opções sexuais, nem culturais ou religiosas; o Amor é formado quando e como as pessoas entendem, falo deste Amor obtido para formar a família. Daqui irradia um outro Amor, o da comunidade, da interajuda, da diversidade, da convivialidade, dos seres ontológicos. Mau seria se não existisse a inclusão de todos e todas. É o respeito pelos seres humanos que nos obriga a ser construtores da comunidade na amizade, a viver com os outros no amor pela terra, onde se vive e se ama.
Tudo passa pela existência de tantos montes, vales e rios na cidade: para os rios até são necessárias pontes. Uma cidade onde não pontifica esta diferença é uma pobre cidade, uma cidade onde os seus atores não vivem com esta bênção das diferenças, como única possibilidade de construir a unidade e o diálogo, é uma cidade desconstruída. Uma cidade onde os poderes, sejam políticos ou religiosos punem aqueles que por Amor querem construir família e forjarem comunidade, é uma cidade deserta, sem futuro, desconstruída, falida, sem horizonte porque não tem montes, sem poder caminhar, porque não possui rios, sem verem o sol que nasce todas as manhãs e se põe à noite, porque não tem vales. Ou seja, é uma cidade onde os cidadãos são tratados como gente sem vizinhança, e isso é empobrecedor.
Os rios espelham os rostos dos residentes na cidade, se forem despoluídos; se não o forem são fracos, são contaminados por quem julga ser da cidade. Os montes espelham a floresta, que dinamiza o melhor ambiente, para viver, se as árvores foram frondosas, e se estas não existirem ou não forem autóctones, desviam a cidade e a comunidade para o precipício. Se os vales não forem floridos, devidamente cultivados, então estamos a desprezar a própria cidade.
A cidade são as flores, os rios, os vales, os montes, as pessoas, a comunidade, o amor e o carinho. Só tenho uma dúvida, não esclarecida, porque é que eu estou a escrever isto? Talvez saiba, talvez não. Pronto, fica aqui o meu texto, não vá o leitor adormecer!
Joaquim Armindo
Pós – Doutorando em Teologia
Doutor em Ecologia e Saúde Ambiental