Maria João Morgado vive desde 2017 em Londres. Viveu na Maia mais de 20 anos antes de rumar a terras britânicas para aquele que seria um dos maiores desafios da sua vida e também a realização de um sonho.
Maria João Morgado tem 57 anos, vive na Maia desde 1999 mas mudou-se para terras britânicas em 2017, quando aceitou um convite para ser responsável pelo departamento jurídico e social nos Consulados de Portugal em Londres e Manchester. Um convite que se tornou num dos maiores desafios da sua vida mas também na realização de um sonho.
O NOTÍCIAS MAIA foi conhecer esta Maiata pelo Mundo que, apesar do céu cinzento, vê em Londres uma cidade de vida que a tem feito muito feliz. Ainda assim, é em Portugal que está o seu ponto de abrigo e para voltará com toda a certeza.
O Maiatos pelo Mundo agora existe em versão Podcast. Pode ler e ouvir esta rubrica.
Notícias Maia: Como é que começa a sua aventura em Londres?
Maria João Morgado (MJM): A minha aventura em Londres começa com um convite do então Secretário de Estado das Comunidades que, tendo em conta a minha experiência profissional na área da reinserção social, proteção e promoção de jovens e de menores e na área prisional, desafiou-me a vir até cá trabalhar essa área. Isto porque havia uma lacuna no Reino Unido e uma grande necessidade de intervenção nessa área.
NM: Foi simples tomar a decisão de ir trabalhar para fora de Portugal?
MJM: Foi simples porque desde jovem tive o sonho de ir para fora. Eu não faço parte da geração ERASMUS e trabalhar fora foi sempre incompatível com a vida que eu ia levando. Quando, um ano antes, o meu filho decide estudar em Cambridge, eu disse-lhe logo para ir e partilhei que era um sonho que nunca consegui concretizar. Nunca imaginei que, passado meio ano, viria também para o Reino Unido trabalhar. Fui apoiada por toda a minha família e tem sido um desafio incrível. E sinto que, com esta idade, enfrentar este desafio, é acrescido em termos de crescimento.
NM: Foi um desafio e também a realização de um sonho.
MJM: Exatamente, é que foi mesmo. Nunca imaginei! Nunca tinha feito parte do meu projeto de vida, muito menos em termos profissionais, e de facto foi um convite que acabou por ser um desafio e que está a ser uma experiência pessoal e profissional muito gratificante.
NM: A Maria João está há quatro anos em Londres. De que é que sente mais saudades?
MJM: Tendo em conta que a família vai estando mais ou menos próxima, diria que é o mar. Estar numa ilha e não ter o mar perto, como temos aí, nem sentir aquele cheiro da maresia, é o que sinto mais falta. E do céu azul! (risos).
NM: Acredito que seja um céu cinzento contante!
MJM: Não tão contante como eu também imaginei! Eu vinha a contar com uma cidade cinzenta e cheia de nevoeiro, mas não. Nevoeiro apanhei pouco e chuva também. Apanha-se mais chuva em Portugal porque quando começa a chover, chove o dia todo. Mas é de facto uma cidade cinzenta.
NM: Mas apesar de não ver o mar e do tempo nem sempre bom, no geral, a Maria João gosta de viver em Londres?
MJM: Gosto. É uma cidade multicultural e, em termos sociais e culturais, é uma cidade de oportunidades. Nós estamos sempre a perder qualquer coisa porque é tanta coisa que acontece! Neste momento a realidade é outra mas, quando vim para cá, posso dizer que foram três anos intensos em termos culturais.
Inclusivamente, trabalhando na Embaixada de Portugal em Londres, estou em contacto constante com as embaixadas nos outros países e, além do trabalho, acabamos por tornar-nos um grupo de convívio e é uma forma de conhecer realidades diferentes. É como se, ao contactar com outras realidades culturais, visitássemos os outros países.
É muito bom e tem sido muito enriquecedor. Estar aqui deu-me a oportunidade de viver experiências fantásticas que vou recordar sempre. Como por exemplo um jantar de Natal no Buckingham Palace com a rainha, onde tive a oportunidade de conversar com a Kate Middleton e também estar presente nas Corridas de Ascot.
NM: Como é que tem vivido estes tempos de Pandemia? Conseguiu vir a Portugal neste período?
MJM: O primeiro confinamento foi o mais rigoroso. O Consulado fechou e foram três meses em teletrabalho, onde só me deslocava ao trabalho em situações pontuais que exigiam a minha presença. Foram três meses duros, acho que para todos, em casa, sem poder viajar, foi complicado.
Entretanto estive em Portugal durante o mês todo de agosto. Foi uma maravilha para matar saudades de tudo e de todos.
Depois, neste segundo e terceiro confinamento, o Consulado tem-se mantido aberto, pela exigência do trabalho e pelos apelos que cada vez mais recebemos, portanto não tem sido tão difícil. Tenho tido muito trabalho. Há muita gente com necessidade e a precisar de apoio, e a importância do Consulado estar aberto é de facto essa.
NM: As notícias de Portugal, principalmente nestes últimos meses, deixaram-na preocupada?
MJM: Sim, sem dúvida. Preocupou-me porque no primeiro confinamento também fomos um exemplo e, de facto, esta segunda vaga afetou-nos muito. Não sei se foi pela abertura que houve no Natal e pela vontade que todos tinham em estar junto das famílias, mas extrapolou os números. A situação tornou-se preocupante quando comecei a ver os números subir, sobretudo porque o meu filho já acabou o curso e está em Portugal, assim como a minha família alargada. Era uma preocupação constante em saber se estavam todos bem e que todos tinham cuidado. Agora fico contente por perceber que a curva já está descendente e vai tudo correr bem. Temos de manter a esperança porque é aquilo que nos segura nos tempos difíceis que vivemos.
NM: A Maria João está em Londres, o seu filho em Portugal e o marido em Bruxelas. Como é ter a sua família espalhada por vários países? É difícil de gerir?
MJM: É difícil de gerir mas sentimos que criamos um sentido de união e de reforço dos laços. Nós já eramos unidos mas, estarmos cada um no seu canto, uniu-nos ainda mais. E nós estamos constantemente em contacto, também temos essa facilidade nos tempos atuais, conseguimos ver-nos, mesmo à distância. Falta o toque, e nós somos seres de toque, mas podermos estar em contacto ajuda muito e sinto que, apesar de estarmos cada um no seu cantinho, estamos mais undos do que nunca.
NM: O facto de trabalhar no Consulado de Portugal aproxima-a de certa forma da cultura portuguesa e dos portugueses?
MJM: Eu nunca deixei de estar próxima da cultura de Portugal. A experiência que tenho aqui de contacto multicultural não me faz sentir mais ligada a outras culturas. Portugal é Portugal e a nossa cultura é muito especial. Nós somos um povo muito caloroso e muito carinhoso.
Eu comecei a conhecer melhor o povo inglês quando entrei para um grupo de Gospel, que inclusivamente já levei a Portugal, à Casa da Música e ao Fórum da Maia, em 2018. E foi aí que me apercebi ainda mais de que de facto somos mesmo muito bons. No Consulado só trabalham portugueses por isso acabamos por estar sempre em contacto com a nossa cultura. Portanto, não é no trabalho que poderia sentir esse distanciamento. Mas também nunca existiu fora do trabalho porque, como te digo, Portugal está no coração.
NM: A Maria João está em Londres desde 2017, como falávamos há pouco. Em que ponto de situação está o “Brexit”? Afetou a sua vida de alguma forma?
MJM: O “Brexit” afetou a minha vida ao nível profissional, no sentido daquele que é o meu trabalho. Ou seja, na área que eu trabalho, social e jurídica, há de facto uma procura intensa das pessoas no sentido de obter esclarecimentos. As pessoas procuram alguma orientação, nomeadamente em relação à autorização de residência, e temos tido uma intervenção muito ativa no sentido de informar as pessoas e de ajudar a procurar a melhor forma de se organizarem. Agora, em relação a mim, em termos profissionais e pessoas, não me afeta porque tenho o estatuto de diplomata pelas funções que exerço. Não sou diplomata de carreira mas, pela comissão de serviço que fui nomeada, tenho o privilégio de ter esse estatuto.
NM: Mas sente as pessoas preocupadas? Ou essa fase já passou?
MJM: Eu acho que houve uma preocupação no início porque as pessoas desconheciam. Agora é residual. As dificuldades que se sentem mais agora têm que ver com as questões do Covid-19 e do desemprego. A preocupação com o “Brexit” foi maior no início, onde houve de facto uma necessidade extrema de atenção e orientação das pessoas. E quando falo em início refiro-me aos dois últimos anos, porque 2020 já foi um ano de transição. Estamos agora no chamado período de graça e as pessoas já só têm até junho de 2021 para se candidatarem à autorização de residência. Por isso já é residual essa preocupação.
NM: Para terminar, uma última questão. Pensa em voltar a viver em Portugal?
MJM: Sim, sem dúvida. A minha casa em Portugal é o meu porto de abrigo e com certeza que é para Portugal que vou voltar. Quando, não sei, mas voltarei. A experiência e o desafio estão a ser incríveis, mas é para Portugal que quero voltar. Aproveito até para mandar um grande beijinho para a Maia e para todos.