Anualmente a Nossa Senhora do Bom Despacho é celebrada na Maia. Todos conhecem as vulgarmente designadas “Festas da Maia” mas, verdadeiramente, a grande maioria desconhece muita da sua história.
O NOTÍCIAS MAIA falou com Liliana e Mário Aguiar, um casal membro da Comissão de Festas da Maia e notório interessado pela história, para compreender um pouco sobre esta temática. Conhece tudo sobre esta celebração do concelho da Maia? Descubra nesta entrevista.
Nota: Várias citações expressas respeitam a diferentes referências bibliográficas.
Notícias Maia: Qual a génese da Romaria em Honra da Nossa Senhora do Bom Despacho? A quando remontam os primeiros registos de culto?
Mário e Liliana Aguiar (MLA): A invocação a Nossa Senhora do Bom Despacho é muito antiga e há registo do seu culto em diferentes países, nomeadamente no Brasil, fruto da emigração. Em Portugal continental, a primeira referência à Senhora do Bom Despacho data do século XVI em Lisboa. Em Cervães, Vila Verde – Braga, a devoção a Nossa Senhora do Bom Despacho ter-se-á iniciado em 1644. Em Gominhães, Guimarães, a referência a este culto remete ao ano de 1672.
Na Maia existe, pelo menos, desde 1670/80. Hélder Pacheco refere o ano de 1670. Nos estatutos, em 1730, pode ler-se que foi o reverendo António Rodrigues de Carvalho que iniciou o culto cerca de mais ou menos cinquenta anos antes, sendo ele bastante ativo em S. Miguel de Barreiros. Consegue-se, deste modo, balizar o aparecimento do culto na Maia na última metade do século XVII.
Despacho pode ter vários significados. Aplicado a Maria significa o alcançar de graças difíceis, a pedido de devotos. Deus ”despacha“ as preces de Maria em favor de quem implora pela salvação dos pecadores, pois foi para livrá-los da condenação que Cristo nos remiu.
A devoção a Nossa Senhora do Bom Despacho, além de antiga, foi sempre muito abrangente. Para além de funcionar como “advogada” das causas difíceis dos seus fiéis, e de aparecer associada a outras invocações, como Nossa Senhora do Ó, da Anunciação e da Boa Hora, ela era protetora da «fertilidade», sendo por isso muito da devoção das gentes do campo, mas era também, e sobretudo, protetora daqueles que andavam no mar.
A Romaria da Nossa Senhora do Bom Despacho sempre se celebrou, na freguesia de Barreiros, atual freguesia da Cidade da Maia, no segundo domingo de julho.
NM: Qual o santo padroeiro da Maia?
MLA: O Orago da paróquia da Maia é S. Miguel. A Senhora do Bom Despacho foi coroada, como Padroeira de todo o Concelho da Maia, no dia 13 de Julho de 2003, pelo então Bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho.
NM: De que cidades vêm os romeiros?
MLA: Na atualidade a grande maioria das pessoas que vem à Romaria são do grande Porto, com especial incidência dos concelhos vizinhos, Matosinhos, Vila do Conde e Trofa. Antigamente os romeiros vinham essencialmente das zonas piscatórias. Nos Estatutos da Irmandade encontra-se expresso que “sempre foi venerada esta imagem soberana maioritariamente pelos homens marítimos como dos moradores de Massarelos, São João da Foz e Matosinhos e mais circunvizinhos do mar e vilas e cidades que a esta Igreja continuamente concorrem e veem tributar-lhe e render-lhe as graças pelos despachos concedidos nas suas súplicas, e oferecer-lhe suas dádivas”.
NM: Quando é que as festas ganharam a dimensão que tem hoje?
MLA: Há duas datas que devemos reter como referências para que a Romaria tenha a atual dimensão.
O ano de 1953 foi um ano de mudança na história da Romaria da Nossa Senhora do Bom Despacho. Passaram a designar-se de festas do concelho. O então presidente da Câmara, Sr. Dr. Carlos Pires Felgueiras reforçou “a conveniência – visto serem festas concelhias – de ingressar nelas todo o concelho”.
Como a renomeação implicou uma festa não só religiosa, mas também popular com arraiais noturnos, a Câmara da Maia passou a patrociná-la incluindo-se, assim, um membro da mesma na organização das referidas festas. Eram “dias de extraordinária animação em Vila-de-Barreiros. O pitoresco local onde assenta a Igreja Paroquial – que pertenceu aos templários – teve (…) vida intensa. Armaram-se ali inúmeras barracas de variadíssimos negócios. E que não faltou alegria”.
No entanto, desde 2006 as Festas do Concelho adquiriram uma nova dinâmica. Com uma equipa ativa e polinucleada, deu novo fôlego a esta romaria dotando-a de uma diversidade de atividades de acordo com idades e interesses distintos. Com um vasto conjunto de atividades religiosas, sociais, desportivas, lúdicas e culturais, procura na modernidade, dá-se continuidade a um acontecimento que é imagem de marca do concelho.
NM: Já alguma vez foram canceladas as festas?
MLA: Não há memória de um ano sem Romaria. No entanto, 2020 vai ficar na memória coletiva como o ano em que pela primeira vez a Romaria não se realiza, atendendo ao atual contexto de pandemia Covid-19 e ao rigoroso cumprimento das indicações da Direção Geral de Saúde.
NM: Alguma curiosidade sobre as festas que queiram partilhar?
MLA: Uma das curiosidades mais importantes é o do percurso da procissão, que foi mudando ao longo dos séculos. Através de vários documentos, podemos inclusive viajar pela toponímia da Maia. A primeira descrição da romaria data de 1733 e foi efetuada pelo Pároco Luís de Oliveira Alvim. Nessa descrição é possível conhecer o percurso da procissão, que passava, segundo ele, por Barreiros, Souto, Viso, Estrada, Brandinhães, Barroco, Outeiro e Recamunde.