Dia 6 de Outubro é dia de Eleições Legislativas em Portugal. É dia de dizer o que queremos para o nosso país, de afirmar a nossa vontade individual dentro da nossa dimensão colectiva. É dia de prestarmos o nosso contributo para a concretização da ideia de bem- comum em que acreditamos. Não é apenas o Eu e o Meu que está em jogo, mas o Nós e o Nosso. E não é apenas o Presente, mas também o Futuro que está em causa.
Por muita vontade que tenhamos de fazer, de transformar, a verdade é que a nossa capacidade presente está sempre condicionada pelo nosso passado, pelo que fizemos de bem e pelo que que fizemos mal. Daí que as opções que tomarmos hoje e a bondade das mesmas, vão naturalmente influenciar os sucessos do futuro, mesmo daqueles que nenhuma intervenção tiveram neste nosso presente.
Assim, não tenho qualquer dúvida que o nosso presente ainda está muito condicionado pela crise financeira de 2011 que levou o Governo de José Sócrates a solicitar ajuda internacional, a fim de evitar que o país entrasse em “bancarrota”. E que obrigou o Governo de Passos Coelho a cumprir um rigoroso plano de ajustamento financeiro imposto pela troika, liderada pelo FMI.
E também não tenho dúvidas, que na mente de grande parte dos portugueses, ainda está a memória dos sacrifícios que tiveram de fazer por força desse plano de ajustamento financeiro.
É que nesta coisa da política, os erros de governação são sempre pagos pelo povo. E no momento dos números, passamos da ilusão à realidade num ápice. Não há estratégia de marketing que nos valha.
Daí que a escolha dos nossos representantes, daqueles que queremos que nos governem, da escolha do projecto político em que acreditamos é sempre um momento de grande responsabilidade.
Mas voltando atrás, é certo que aqui e ali, em minha opinião, Passos Coelho foi além do que devia, mas também acredito, que não fossem as políticas de rigor que assumiu, não teríamos cumprido o Plano de assistência económica e financeira imposto pela Troika no tempo certo, e Portugal não teria recuperado a sua credibilidade internacional de forma tão rápida. Aquele “presente” foi mesmo muito duro, mas Passos Coelho preferiu ignorar o mero interesse eleitoral que muitos lhe sugeriam, a onerar o futuro do país. Não fez seguramente tudo bem, mas agiu com coragem e grande sentido de responsabilidade.
E de tal forma, que uma boa parte dos portugueses reconheceu-lhe mesmo esse esforço, oferecendo-lhe a vitória nas Eleições Legislativas de 2015. Todavia, sem maioria no Parlamento, o seu Governo não durou sequer um mês.
Foi assim que António Costa, não tendo ganho as eleições, mas com o apoio parlamentar do PCP, PEV e BE, acabou por liderar o Governo da legislatura que agora termina. O Governo da Geringonça.
E é evidente que nestes quatro anos de governação houve coisas que correram bem, outras que poderiam e deviam ter corrido melhor, e outras que correram mal. E de entre estas, algumas devem merecer, na minha opinião, especial atenção, não só pelo presente, mas também pelos constrangimentos que podem oferecer ao futuro.
Sendo que não podemos esquecer que António Costa herdou um país numa situação económica e financeira incomparavelmente melhor daquela que recebeu Passos Coelho de José Sócrates.
E António Costa teve a oportunidade de governar o país numa época de conjuntura internacional particularmente favorável, em que até os mercados internacionais de financiamento ofereciam taxas de juro especialmente reduzidas, em alguns momentos até, de valor negativo.
Assim, um dos sucessos de que mais se arroga António Costa e o seu Governo, é o do equilíbrio das contas públicas. E na verdade, com um défice em 2018 de apenas 0,4% do PIB, seriamos todos tentados a acreditar e a aplaudir. O problema é quando percebemos que esse valor foi conseguido essencialmente à custa das cativações e de uma fraquíssima taxa de investimento público.
Com efeito, desde logo em 2016, a taxa de investimento do Estado ficou-se apenas pelos 1,5% do PIB, o valor mais baixo desde 1995. Em 2017, num momento em que a meta do Governo de Costa era de 2,2% do PIB, a taxa real de investimento público atingiu somente o valor de 1,8% do PIB. E em 2018, a taxa de investimento público não ultrapassou o 1,97% do PIB, o valor mais reduzido da Europa, muito abaixo dos 2,67% da média da Zona Euro. Aliás, segundo a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) neste ano de 2018 o investimento público ficou 1.180 milhões de euros abaixo do previsto pelo próprio Governo.
Ora, apelando a uma comparação legítima, recordo que em 2015, último ano de governação de Passos Coelho, o investimento do Estado atingiu o 2,2% do PIB!
Não será assim por acaso, que uma das críticas que mais se aponta ao Governo de António Costa é o sentimento generalizado de uma progressiva degradação dos serviços públicos, particularmente evidenciado a nível do sistema nacional de saúde, que é uma realidade que preocupa todos, independentemente das opções ideológicas de cada um.
A propósito, ainda recentemente a Organização Mundial de Saúde divulgou um relatório em que referia que Portugal é um dos quatro países da Região Europeia em que se constata uma diminuição da despesa pública em saúde entre 2000 e 2017, referindo mesmo que o investimento público no sector da saúde é inferior a 0,2% do PIB.
Por sua vez, a Comissão Europeia no passado mês de Junho, no relatório “Joint Report on Health Care and Long Term Care Systems and Fiscal Sustainability”, sublinhava que a despesa pública em saúde tinha caído em Portugal para 6,1% do PIB, quando na União Europeia a média era de 7,8% do PIB.
E ainda há cerca de um ano atrás, o Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, alertava que “os equipamentos públicos estão na sua maioria fora de prazo, faltam médicos e os profissionais estão sujeitos a uma enorme pressão que ultrapassa o limite do aceitável”.
Mas curioso é que o Governo prevê no Programa de Estabilidade 2019-2023 aumentar o investimento público de forma gradual nos próximos anos até atingir 2,6% do PIB até 2023: 4.382 milhões de euros em 2019, 5.065 milhões em 2020, 5.670 milhões em 2021, 6.034 milhões em 2022 e 6.343 milhões em 2023.
E pergunta-se, com que dinheiro?
É que não é previsível que os próximos quatro anos venham a oferecer a conjuntura internacional favorável de que então beneficiamos. O Brexit, o arrefecimento da economia alemã, a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, a previsível subida do preço do barril de petróleo, são tudo factores potencialmente perturbadores que não devem ser descurados. Aliás, o próprio Banco de Portugal, há cerca de três meses, reviu em baixa o crescimento da economia nacional para 2021, apontando agora para um valor de 1,6% do PIB.
Por outro lado, é com especial preocupação que se constata que em termos absolutos, a dívida pública do país continua elevada e a aumentar, prevendo-se que feche o ano nos 251.569 milhões de euros, acima dos projectados 248.094 milhões, segundo dados do INE e do próprio Ministério das Finanças.
Tudo isto, num cenário em que a carga fiscal portuguesa é a maior de sempre, e se prepara, segundo a Comissão Europeia, para bater um novo máximo histórico em 2020, atingindo os 35,5% do PIB.
Recorde-se que na proposta de Orçamento do Estado para 2018, o Governo de António Costa comprometia-se a reduzir a carga fiscal para 34,2% do PIB.
E não esqueçamos que Portugal, segundo o Eurostat, é ainda o sexto país com maiores desigualdades de rendimentos na União Europeia. Atrás, ou melhor, pior, apenas a Bulgária, a Roménia, a Letónia, a Espanha e a Grécia…
É apenas mais uma reflexão. Mas a responsabilidade pela escolha do caminho é mesmo nossa
Paulo Ramalho