- A história da Europa está longe de ser um compêndio de paz e de boa convivência entre povos. Durante séculos e séculos, nasceram e desapareceram Estados e Impérios, alteraram-se fronteiras, anexaram-se e separaram-se nações, sempre em nome de motivações absolutamente legítimas para uns e completamente inaceitáveis para outros, mas quase sempre com recurso à violência e à guerra.
Então, a primeira metade do século passado foi absolutamente demolidora, com duas guerras fortemente destrutivas e que rapidamente ganharam dimensão de conflitos bélicos à escala mundial. A primeira iniciou-se em Julho de 1914, com a invasão da Sérvia pelo Império Austro-Húngaro e durou até Novembro de 1918, tendo provocado cerca de 18 milhões de vítimas mortais, entre militares e civis.
A segunda, ainda mais letal, começou com a invasão da Polónia pela Alemanha em Setembro de 1939 e prolongou-se até 1945, tendo causado a morte a cerca de 80 milhões de pessoas, contabilizando-se também aqui população militar e civil.
- Daí que não tenha ficado especialmente surpreendido com as manifestações de repúdio expressas pela grande maioria da população e comunidade política europeia acerca da invasão da Ucrânia pelas forças armadas da Federação Russa. Os Europeus têm boa memória e conhecem hoje muito bem o valor da Paz e da convivência pacífica dos povos, do respeito pela diversidade e pela soberania dos Estados.
Apenas passaram setenta e sete anos sobre o fim da II guerra mundial, e as imagens e as consequências dessa “loucura” ainda não desapareceram.
Só nas ruas de Berlim, estiveram no passado domingo mais de cem mil pessoas em protesto contra a invasão da Ucrânia e exigindo a retirada imediata das tropas russas. Sendo que manifestações, no mesmo sentido, aconteceram um pouco por todo o território europeu, inclusive no interior da própria Rússia.
A União Europeia, cujos Estados- membros nem sempre parecem completamente alinhados, falou desta vez a uma só voz, apresentando-se mais unida e determinada do que nunca na condenação da Federação Russa e na aprovação de sanções económicas contra esta. E estamos a falar de sanções muito duras e de consequências potencialmente severas, como a de excluir alguns bancos russos do sistema de pagamentos internacional “Swift”, o que sublinhe-se, poderá impedir a concretização de grande parte das importações e exportações russas e assim também causar danos colaterais a alguns Estados-membros da UE. A própria Alemanha, que é um dos maiores clientes de gás natural da Rússia, acabou por anunciar a suspensão do processo de certificação do gasoduto “Nord Stream 2”!…
Até a Suíça, habitualmente neutral, optou por abandonar esta sua posição clássica e adoptou as mesmas sanções da União Europeia contra a Rússia.
E a Turquia de Erdogan, decidiu mesmo fechar o estreito do Bósforo (liga o Mediterrâneo ao Mar Negro) à passagem de barcos de guerra russos.
Sendo que os protestos e sanções não se têm ficado apenas pelos domínios político e económico. A título de exemplo, a FIFA e a UEFA decidiram suspender as selecções e clubes russos de todas as competições internacionais.
- É evidente que não podemos confundir o povo russo com o seu presidente Vladimir Putin. Mas a verdade é que este episódio lamentável e infeliz, de clara violação do direito internacional, fez renascer fantasmas do passado e trouxe para cima da mesa agendas e preocupações que estavam mais ou menos adormecidas. De um momento para o outro, renasceu uma percepção de insegurança na Europa que em boa verdade não parecia existir. Mais, uma necessidade de maior investimento em matérias de defesa…
De tal forma, que a presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen advertiu há poucos dias que “aquilo que se passa hoje na Ucrânia mostra que os europeus não podem dar por adquirida a sua segurança, pelo que têm de investir nela”. Na mesma linha, o chanceler alemão, Olaf Sholz, referiu que “temos de investir mais na segurança do nosso país para proteger a nossa liberdade e a nossa democracia”, tendo anunciado que a Alemanha iria triplicar o seu orçamento de defesa para reequipar as suas forças armadas.
- Passaram apenas oito dias de “confronto bélico”, e apesar de não existirem números oficiais, já se fala em mais de 5 mil vítimas mortais só entre as tropas russas e ucranianas, e cerca de 700 mil refugiados ucranianos que já ultrapassaram as suas fronteiras em direcção à Polónia, à Hungria, à Moldávia, à Eslováquia e à Roménia.
Vladimir Putin e o seu Governo não podem subestimar a importância do valor da Paz para a Europa e as responsabilidades da Federação Russa na sua manutenção. A Rússia também é Europa.
É importante que não se ignore as lições da história.
Esperemos que a legalidade internacional e o bom senso regressem rapidamente ao terreno. Sendo que desta trágica crise humanitária já ninguém nos livra. E tenho muito receio que depois deste “episódio”, a Europa dos próximos tempos venha a ser bem diferente da Europa de há oito dias atrás…
Paulo Ramalho
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