A grande vencedora das recentes eleições para o Parlamento Europeu, foi mais uma vez, dirão alguns, a abstenção, ou seja, a não participação. Por outras palavras, o “Não Voto”.
Com efeito, no conjunto dos vinte e oito países da União Europeia, apenas exerceram o seu direito de voto 43,1% dos cidadãos eleitores, tendo a participação mais elevada sido verificada no Luxemburgo e na Bélgica, em que votaram cerca de 90% dos eleitores, e a mais baixa na Eslováquia, em que apenas votaram 13% dos eleitores inscritos. Em Portugal, a abstenção registou o seu maior valor de sempre, e a oitava maior da União Europeia, tendo participado na eleição para o Parlamento Europeu apenas 34,5% dos cidadãos eleitores, ou seja, menos 2,3% que em 2009.
É certo que esta postura por parte dos cidadãos eleitores não tem (nem poderá ter) uma leitura única. Seguramente que muitos não foram votar porque desvalorizam a importância da União Europeia na definição da sorte da sua própria vida quotidiana e das suas famílias. Outros por protesto, porque circunstancialmente vivem uma crise de confiança e satisfação relativamente aos políticos e às próprias instituições democráticas, ou simplesmente, porque responsabilizam a própria União Europeia pela actual crise económica e níveis de desemprego, e designadamente, pelas políticas de austeridade a que têm sido sujeitos. Outros ainda, por indiferença, por manifesta ausência de sentido de responsabilidade na participação e construção da vida da sua comunidade. E muitos outros, para além de outras razões, porque simplesmente, “naquele dia”, não lhes apeteceram.
E a verdade é que sendo o acto de votar apenas o exercício de um direito (com excepção do Luxemburgo e da Bélgica, onde o voto é obrigatório), a maior ou menor participação dos cidadãos nas recentes eleições para o Parlamento Europeu em nada afecta a legitimidade dos deputados eleitos. O que não significa que uma maior participação no acto eleitoral não conferisse uma outra força legitimadora aos programas políticos que representam e às ideias que transportam…
Todavia, concretizado o acto eleitoral do passado dia 25 de Maio, estão eleitos os 751 deputados que representarão no Parlamento Europeu, durante os próximos cinco anos, toda a população dos vinte e oito países membros da actual União Europeia, quer aqueles cidadãos que participaram com o seu voto na eleição, quer aqueles que decidiram ficar no conforto das suas casas. De tal forma, que quem não votou, também acabou por contribuir, com a sua postura, para o resultado alcançado, e que elegeu aqueles concretos 751 deputados. Entre eles, alguns que estão inclusive em total divergência com a própria existência da União Europeia e com os fundamentos em que esta assenta.
De facto, os 52,1% dos Alemães que não exerceram o seu direito de voto também são responsáveis, com a sua abstenção, pela eleição para o Parlamento Europeu do primeiro deputado do partido neonazi NPD (Partido Nacional Democrático da Alemanha). Da mesma forma que os 42,6% dos Gregos que não se deslocaram às urnas também são responsáveis pela eleição de três deputados pelo Partido de extrema-direita Aurora Dourada. E os 45% de abstencionistas Dinamarqueses também são responsáveis pela eleição de quatro deputados pelo Partido Popular Dinamarquês, ultranacionalista e xenófobo. E os 64% de cidadãos do Reino Unido que não exerceram o seu direito de voto, são igualmente cúmplices da eleição de vinte e quatro deputados pelo Partido Independência do Reino Unido, que defende a saída do seu país da Europa e limitações para a entrada de imigrantes. Também os 55% de eleitores abstencionistas da Áustria são responsáveis pela eleição de quatro deputados pelo Partido da extrema-direita Liberdade da Áustria. E os 56,5% de Franceses que igualmente desprezaram a participação no referido acto eleitoral, também contribuíram com a sua postura, para a vitória do Partido da extrema- direita Frente Nacional, e consequente eleição de vinte e quatro deputados para o Parlamento Europeu. Força politica esta, aliás, cuja líder Marine Le Pen, não tardou sequer a partilhar o seu propósito: “o que eu quero é destruir a União Europeia”, referiu recentemente à revista alemã Der Spiegel.
Ora, presumimos que a senhora Marine Le Pen se referia à União Europeia, actualmente constituída por 28 Estados-membros, que no seu conjunto possuem 7% da população mundial, que é responsável por 25% do PIB mundial, e que despende no seu território, cerca de 50% de todo o valor que é gasto no mundo no chamado “estado social”… A União Europeia que deveria, nas palavras de Robert Schuman, (um dos seus fundadores) procurar construir dentro do seu espaço, uma “solidariedade de facto”.
É bom que não esqueçamos as regras da democracia e as consequências dos nossos actos. O Voto é uma arma muito importante na posse dos cidadãos. Mas o seu não exercício também o é.
Daí que deixar que decidam por nós, é naturalmente uma opção legitima, mas que comporta riscos que deveriam ser ponderados no momento certo. E não á posteriori…quando, por vezes, já pouco há a fazer.
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia