Aprovado o primeiro Orçamento do Estado após a conclusão do programa de assistência económica e financeira a que o nosso país esteve sujeito desde Maio de 2011, parece-nos importante que se faça, nesta altura, uma pequena reflexão, assente em pressupostos claros e objectivos, que possibilitem, antes de mais, a identificação da fronteira entre o “antes” e o “depois”, ou seja, o Portugal das vésperas do resgate e o Portugal do pós-resgate. Condição essencial, a nosso ver, para que se possa fazer uma avaliação séria e ao mesmo tempo tentar perceber, com alguma segurança, quais os caminhos que devemos procurar escolher para a definição do nosso futuro colectivo. Pelo menos, no sentido de sabermos para onde queremos ir, e pelo contrário, para onde não queremos decididamente mais voltar.
Assim, de acordo com os elementos oficiais de que dispomos nesta altura, o défice das nossas contas públicas deverá atingir no final deste ano de 2014 os 4,8% do PIB, prevendo o Orçamento do Estado que em 2015 não ultrapasse os 2,7%. Ora, em 2010, ano anterior ao da entrada da Troika, o desequilíbrio das contas públicas nacionais situou-se nos 11,2% do PIB!…
A taxa de desemprego anda pelos dias de hoje na ordem dos 13,4%, valor bem acima daquele que se verificava em 2010 (10,8%). Mas a verdade é que desde Janeiro de 2013, altura em que o desemprego atingiu o seu valor mais elevado, 17,4%, que a taxa vem diminuindo de forma consistente, prevendo-se que continue o seu trajecto descendente nos próximos meses. Isto, apesar do Orçamento do Estado projectar para 2015 um valor francamente conservador, diríamos mesmo cauteloso, de 13,4%…
Em 2010, ano anterior ao do pedido de ajuda internacional de 78 000 milhões de Euros, a dívida pública portuguesa situava-se em 96,2% do PIB. Continuando a sua trajectória ascendente, que já vinha desde 2007 (com 68,4% do PIB), atingiu o seu valor máximo em 2013 com 128% do PIB. Tendo desde então, a dívida pública nacional invertido a tendência, e iniciado um caminho descendente, devendo este ano de 2014 fixar-se em 127,2% do PIB e no próximo ano, segundo o Orçamento do Estado recentemente aprovado, em 123,7% do PIB.
Depois de três anos de recessão, a economia portuguesa voltou a crescer, estimando-se para este ano de 2014 um crescimento de 1% e prevendo o Orçamento do Estado para 2015 um crescimento de 1,5%. Em qualquer dos casos, um crescimento superior à média dos países da Zona Euro, o que já não sucedia há catorze anos.
Em 2011, nas vésperas do pedido de resgate, Portugal chegou a financiar-se nos mercados internacionais a taxas de juros de 8,77%! Recentemente, o nosso país foi ao mercado, e obteve financiamento a dez anos, a uma taxa de juro de 2,957%.
Portugal registou em 2013 um excedente na sua balança comercial, realidade que não se verificava desde 1943! As exportações de bens e serviços nacionais continuam a aumentar, tendo crescido 3,7% em Setembro último, face a período homólogo do ano passado. A própria OCDE prevê que as exportações portuguesas cresçam 5,4% em 2015.
Concluindo, em termos “macroeconómicos”, parece não restarem grandes dúvidas, que depois de ter estado perto da “bancarrota” em 2011, Portugal aparece agora com indicadores francamente promissores, com a sua credibilidade restaurada, com as suas contas públicas a caminho do equilíbrio e com a economia a crescer.
O que não significa que os portugueses, que vivem ao nível da chamada “economia real”, já sintam de forma evidente os benefícios dos enormes sacrifícios a que foram sujeitos nos últimos três anos, em virtude da implementação do programa de ajuda financeira desenhado pelo triunvirato Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, com a colaboração activa do anterior Governo. Não podemos esquecer que durante esse período, muitas empresas desapareceram, muitos postos de trabalho foram destruídos e o rendimento disponível da generalidade das famílias diminuiu de forma muito considerável.
E se é verdade que o valor do salário mínimo nacional aumentou recentemente de 485 Euros para 505 Euros, não é menos verdade que a percentagem de trabalhadores abrangidos em Portugal pelo salário mínimo aumentou de 5,5% em Abril de 2007 para cerca de 12% em Outubro de 2013.
Por outro lado, não podemos esquecer que a crise aumentou o risco de pobreza em Portugal, bem como a desigualdade na distribuição de rendimentos. Com efeito, segundo dados do INE, em 2013, 18,7% da população portuguesa encontrava-se em risco de pobreza, o que significava um aumento de 0,8% relativamente a 2009. Sendo que em 2012, os 20% dos mais ricos detinham um rendimento 6 vezes superior aos 20% mais pobres (o que significa um aumento de 0,4% relativamente a 2009) e os 10% mais ricos tinham um rendimento disponível 10,7 vezes superior aos 10% mais pobres (o que representa um aumento de 1,5% quando comparado com 2009), o que torna Portugal um dos países com uma distribuição de rendimentos mais desigual da União Europeia.
É evidente que, como lembrou recentemente o Papa Francisco, no centro de qualquer projecto de governação têm de estar as pessoas, sempre as pessoas. O homem não pode ser um mero instrumento das políticas económicas, mas um beneficiário activo das mesmas. E aquelas também não se podem reduzir a simples expressões numéricas ou a meras fórmulas matemáticas.
A gestão política é sempre um processo complexo promovido por homens e para homens (no sentido lato da palavra…), de procura de equilíbrios, na concretização de uma ideia de bem comum, e que nunca pode perder de vista a equidade, o rigor e o sentido de responsabilidade. Da mesma forma que não deverá ser completamente fria e insensível, muito menos absolutamente despreocupada com as consequências da sua acção, como se o resultado tudo justificasse.
Mas também não deixa de ser verdade, que é importante que tenhamos consciência da realidade dos números, para que não caiamos na tentação de continuar a alimentar ilusões. É que ao contrário do que alguns apregoam, as dívidas são mesmo para pagar…mais tarde ou mais cedo, e quase sempre, com juros.
E as opções que tomarmos hoje, não nos comprometem apenas a nós, os desta geração…
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia